Distante
dos palcos e dos amigos há mais de 5 anos, músico cearense deixa
saudades. Estilo de vida adotado pelo artista divide opiniões de quem o
conhecia
Se Belchior escreveu a música “A Palo Seco” no passado para descrever
o futuro, acertou em cheio. A canção, que inicia com “Se você vier me
perguntar por onde andei, no tempo em que você sonhava…”, poderia ser,
já naquela época, um prenúncio da pergunta mais feita por amigos, fãs e
familiares. Onde está Belchior? “Amigo, eu me desesperava”, responde o
cantor na música.
Se há, de fato, esse desespero, não se sabe. Entretanto, pode-se dizer que a inquietação que Belchior apresentava nas letras das canções faz todo sentido após o desaparecimento dele. “Sumido” há pelo menos 5 anos, Belchior, que se interessava mais em amar e mudar as coisas,
deixou para trás não só a família, irmãos e 4 filhos, mas também
amigos, fãs, uma carreira musical consolidada e uma vida considerada
“normal” para a maioria das pessoas. Ficou apenas o mistério.
A Redação Web da Rádio Verdes Mares entrou em contato com pessoas que
fizeram parte da vida do músico, pelo menos até antes de ele
desaparecer, para tentar entender os motivos que levaram Belchior a se
afastar de tudo e de todos.
“Belchior era capaz de dar uma virada na vida”
Quando o artista plástico Sérgio Pinheiro possuía uma galeria de arte no Centro Cultural Dragão do Mar,
em Fortaleza, Belchior sempre aparecia no local para visitar o amigo,
que conta fazer mais de 5 anos que não o reencontra. “Ele ia sempre lá,
conversar. É um grande colecionador do meu trabalho e sempre comprava
alguma peça”, afirma.
O amigo diz logo não saber o que está acontecendo com o cantor atualmente, mas afirma não achar nada estranho.
“O que está acontecendo agora, eu não sei de absolutamente nada. Essa
decisão dele pegou todo mundo de surpresa, mas eu não acho estranho. Ele
era muito especial. Podia muito bem querer ter essa vida de não mais
cantar e de não ter gente atrás dele. Ele era capaz de dar uma virada na
vida.”, comenta.
O também artista plástico, Tota, lembra que Belchior
é um homem culto e que tem uma paixão pela música e pelo mundo das
artes. “Ele sempre ajudava as pessoas. Comprava muitos trabalhos de
artistas cearenses, gostava de ajudar. Não era interesseiro de ter a
música só pelo lado da grana. Fazia muitos shows beneficentes e, por
isso, eu o admiro muito”, conta. Belchior não é apenas um cantor. O
sobralense também é pintor, poeta, desenhista e um amante das artes
plásticas.
Tota explica ainda que as pessoas precisam respeitar o momento de isolamento
de Belchior. “Ele está passando por um momento difícil, mas a gente não
deve se meter muito, porque foi ele quem escolheu”, afirma o artista,
que era sócio e amigo de Belchior. Os dois possuíam uma galeria no
Centro Cultural Dragão do Mar e uma produtora musical. “10 anos
convivendo juntos, fizemos também uma galeria em Sobral, que era uma dos
lugares que ele mais gostava”, complementa.
Cantor foi procurado para fazer show no Réveillon por R$ 300 mil
Tota diz que recebe ligações com bastante frequência de pessoas
interessadas em agendar shows do músico cearense. “Tem muita gente
atrás. No Réveillon, eu tive três pessoas colocando R$ 300 mil para um
show dele”, revela. O ex-sócio garante que conseguiria agendar diversas
apresentações, se Belchior voltasse. “Se ele me ligasse e dissesse que
está disponível para shows, eu assino em baixo e garanto, pelo menos, 60 shows”.
A procura por Belchior também é comentada pelo produtor Jackson
Martins, que trabalhou com o músico cearense durante 14 anos. “O mercado
ainda está aberto para ele. Todo dia ligam para o meu escritório
pedindo para agendar shows com ele”.
O produtor diz também que há gente interessada em ajudar Belchior em
todos os aspectos. “Ele está precisando de ajuda, mas não sei que tipo
de ajuda. Estamos dispostos a ajudá-lo, seja financeira ou
psicologicamente. Tenho um grupo de amigos, parceiros e colegas que já
manisfestou vontade de ajudá-lo”, explica.
Belchior fez uma participação no show de Tom Zé em março de 2009. Foi uma das últimas aparições públicas do cearense.
Tota comenta que respeita o momento de Belchior e, por isso, não o
procura. “Continuo sendo amigo dele, torço por ele. Mas vou ser muito
sincero: eu não vou atrás de uma pessoa que não está querendo ajuda.
Quando você está com problema e divide com outra pessoa, fica mais fácil
de resolver. No caso, ele está fechado. Não procura nenhum amigo. No
dia em que ele me ligar e disser o que está precisando, aí sim. Ele está
passando por uma fase difícil, que eu acredito que pode ser emocional e
pode acontecer com qualquer pessoa. Eu continuo sendo amigo dele e só
tenho coisas boas para falar dele, mas tem que respeitar”, diz o artista
plástico.
“Não me siga, porque eu não sou novela”
Ao comentar o momento por qual passa Belchior, Tota faz questão de
relembrar uma frase dita pelo músico quando ele ainda estava viajando
pelo Brasil para realizar shows. “Belchior sempre dizia ‘não me siga
porque eu não sou novela’”, lembra.
Jackson Martins também acha que, se Belchior quisesse ajuda, teria
procurado por ele ou por algum amigo. Apesar disso, o produtor conta que
planeja ir a Porto Alegre, onde acha que Belchior esteja. “Eu imagino
que ele esteja em Porto Alegre. Eu tenho até um projeto
de ir lá procurá-lo para saber se posso fazer alguma coisa. Mas eu acho
que se ele quisesse ajuda, ele teria buscado a mim e a outros. O
Belchior tem grandes amigos. Vários amigos em comum estão à disposição
dele”, revela.
Dívidas atribuídas a Belchior são exageradas, diz amigo
A saga de Belchior estaria longe do fim. A revista Época
publicou, em 2013, reportagem afirmando que músico enfrentaria diversos
processos judiciais, incluindo as pensões alimentícias que o cantor
teria deixado de pagar aos 4 filhos. A matéria também afirmou que o
músico teria deixado de pagar diversos hotéis brasileiros onde ficou
hospedado com a atual esposa, a produtora cultural Edna Assunção de
Araújo. Segundo a revista, Belchior teria passado 2 meses no hotel Gran Marquise, localizado na orla marítima de Fortaleza, e deixado uma dívida de cerca de R$ 8 mil. O Fantástico,
programa da Rede Globo, também exibiu em 2009 reportagem citando várias
despesas do cantor, que estaria passando um tempo no Uruguai.
Procurado pela Redação Web da Rádio Verdes Mares, o Gran Marquise não
confirmou a dívida e disse ainda que o hotel não costuma divulgar
detalhes da estadia de clientes. Para Tota, as dívidas atribuídas ao
amigo são exageradas. Belchior estaria, segundo ele, sofrendo uma
perseguição da imprensa. “80% do que estão falando do Belchior é
mentira. Ele está sendo vítima de uma perseguição de um sistema de
mídia. Ele sempre teve as próprias ideias e é uma figura que não se
deixa levar por qualquer coisa”, explica.
O artista plástico diz ainda que uma das mães retirou da justiça o processo de pensão alimentícia.
“Não é tudo isso que estão falando, tem uma das mães que já fez foi
tirar o processo. Foi ao Fórum e retirou. É só uma pensão que está
atrasada, o resto é tudo fofoca”, comenta Tota.
Sobre as acusações de que a atual companheira de Belchior, Edna Assunção,
estaria fazendo mal ao cantor, o produtor Jackson conta que não tinha
muita intimidade com a companheiro do amigo. “Eu não tive nenhuma
relação próxima com ela. Eu não posso dizer se ela faz bem ou faz mal.
Mas eu sei que os parceiros são para somar. Será que os dois saíram do
centro, da capacidade analítica, da nitidez? ”, questiona Jackson.
Músico pretendia traduzir sua obra para o espanhol
Ele lembra que falou com ela quando Belchior decidiu parar de fazer
shows. “Falei com o Belchior pela última vez em Colatina, no Espírito
Santo. Fizemos um show lá, foi o encerramento de um festival. Ele me
disse que não era mais para eu agendar shows para ele porque ele ia
traduzir a Divina Comédia [livro da literatura
italiana, escrito por Dante Alighieri no século XIV]. Ia ficar recluso
para traduzir o livro do clássico para o popular. Depois disso, a Edna
me ligou justamente para confirmar o que ele já havia me dito. Ela
falou: “A única pessoa que o Belchior pediu para ligar foi para você.
Quando ele voltar a trabalhar para fazer shows, ele te liga’”, afirma.
Jackson também disse que Belchior falou que ia traduzir a obra musical
dele do português para o espanhol. “Ele queria que a obra ficasse
disponível no mercado latino-americano”, comenta.
Já Tota preferiu não se manifestar em relação à atual companheira de
Belchior, mas lembra de uma ocasião em que ele achava que ela o tinha
influenciado. “Eu ligava para ele e dizia: Belchior, tem gente com
dinheiro na liga para uns shows. E ele dizia: ‘É mesmo, Totinha? Legal.
Pois eu te ligo já’. E depois me ligava, dizendo que não estava a fim de
fazer show. O que é que eu podia fazer? Continuei sendo amigo dele,
torço por ele e acho que um dia ele voltará”, conta.
Cartunista se encontra com Belchior e posta foto em rede social
Em abril deste ano, o cartunista Carlos Latuff postou
uma foto com Belchior no Facebook. A imagem mostra o cantor, com o
mesmo bigode característico, segurando um desenho feito por Latuff, no
qual o sobralense está dentro de uma aeronave. A imagem faz clara
referência à música “Medo de Avião”.
Procurado pela Rádio Verdes Mares, o cartunista, que é envolvido em
causas sociais, explicou que não pode dar detalhes do encontro, mas
autorizou a utilização da foto com o ídolo nesta reportagem. Pode-se
deduzir, no entanto, que o encontro aconteceu em meados de 2013, isso
por causa da data do desenho feito por Latuff. “Para Belchior, com meu
respeito e admiração. Latuff, 2013”, diz a assinatura da imagem.
Belchior não teria contato nem com a família
Além de estar afastado do palco e dos amigos, o músico estaria, há
muito tempo, longe de casa e sem contato também com a família. A mãe do
cantor, Dona Dolores, faleceu em 2011 e, de acordo com apurações da reportagem, o músico não compareceu ao sepultamento.
A Redação Web da Rádio Verdes Mares procurou familiares de Belchior,
tanto em Sobral, como em Fortaleza, para saber notícias do músico.
Educadamente, os parentes explicaram que preferem não se manifestar “em respeito ao momento de reclusão de Belchior”.
Tota garante que o músico tinha um relação muito boa com a mãe. “Duas coisas que ele adorava na vida. Era a mãe e Sobral.
Ele chegava de viagem e saía do aeroporto 3h da manhã direto para
Sobral”. Com tom de saudade, o amigo e artista plástico lembra com
carinho alguns hábitos de Belchior. “Tinha alto astral, era tudo de bom.
Lembro que nos shows ele gostava de limpar o bigode e tomar conhaque ou
whisky”.
Jackson também diz que o músico era bastante satisfeito com o
trabalho de cantor e trabalhava para manter os filhos no exterior.
“Sempre foi uma pessoa envolvida com a questão intelectual, lia muito e
trabalhava muito. A gente costumava fazer cerca de 22 shows por mês. É
um cara culto que trabalhou duramente para educar os filhos. Todo ano
tinha que manter os dois filhos na Inglaterra, que estudavam lá”,
garante. Belchior teve 2 filhos com a ex-esposa, Ângela, e mais 2 com
outras duas mulheres diferentes.
Belchior morava em Sobral, veio para Fortaleza, com vontade de
conhecer o mar. Estudou no Liceu e passou a cursar Medicina na
Universidade Federal do Ceará (UFC). O curso ficou pelo
caminho, já que o sobralense desistiu da faculdade para seguir carreira
de músico e começou a participar de festivais e shows pelo Nordeste.
“Teve a explosão do Pessoal do Ceará também. Eles
arregaçaram a camisa e deram conta do recado. Mas aqui no Ceará era
muito fechado o circuito, era muito trancado, mas eles foram lá e
provaram que são bons músicos e compositores”, relembra Tota.
A paixão pela música e a vontade de falar da terra e do mundo aproximaram diversos talentos do Estado, como o próprio Belchior, Fagner, Fausto Nilo, Amelinha, Ednardo e outros. O grupo ficaria conhecido, ganharia projeção nacional e a partir daí Belchior teria ainda mais fãs. A ajuda de Elis Regina foi importante para Belchior. Dele, ela regravou “Como nossos pais”, “Velha Roupa Colorida” e “Mucuripe”, esta última uma parceria de Belchior com Fagner. “Mucuripe” também foi regravada por Roberto Carlos, Nelson Gonçalves e Osvaldo Montenegro. Para citar mais alguns, a banda Engenheiros do Hawaii regravou “Alucinação” e Elba Ramalho, “Paralelas”.
CDs de Belchior estão esgotados em lojas de Fortaleza
Os CDs de Belchior estão esgotados nas lojas da Capital, mas alguns
sites ainda disponibilizam para encomenda. Os discos estão esgotados até
nos sebos de Fortaleza. “Talvez eu tenha um CD apenas. As pessoas
procuram muito os CD dele. A questão é que a gente só trabalha com
usados e nunca aparece quem queira vender. Como não tem quem nos venda,
quando aparece algum cliente para comprar, a gente não tem o que
oferecer”, explica a atendente de um sebo localizado na Rua Major
Facundo, no Centro da cidade.
Além das vozes conhecidas que regravaram Belchior, como Elis Regina e
Roberto Carlos, a obra do cearense ganhou mais um capítulo que animou
os fãs. As faixas do disco “Alucinação” foram regravadas em uma versão indie. Organizado pelo produtor Jorge Wagner, o disco “Ainda Somos os Mesmos”
traz diversas bandas alternativas, do cenário brasileiro, interpretando
clássicos de Belchior, como “Velha Roupa Colorida”, “À Palo Seco”,
“Fotografia 3×4”, “Não leve Flores” e outras.
Quase 40 anos depois do lançamento do disco, o trabalho comprova que
as temáticas presentes nas canções do, na época, rapaz, que acreditava
que é preciso rejuvenescer e que andava sem dinheiro no bolso, ainda
vivem e são atuais. A novidade também trouxe o EP “Entre o Sonho & o
Som”, com canções como “Paralelas” , “Como nossos pais” e “Comentários a
respeito de John”.
Realidade e obra de Belchior se misturam
A busca de uma vida mais calma. É o que o artista plástico Sérgio
Pinheiro acredita que Belchior esteja procurando. Ele diz que isso era
visível nas canções do amigo. “Ele podia muito bem querer outra vida.
Essa que ele estava levando, de fazer vários shows por dia e todos os
anos… Ele pode muito bem ter cansado. E as músicas dele falam justamente
disso. Nas letras das músicas ele fala que não quer saber de nada, de
coisa nenhuma, então ele podia estar preparando isso”, enfatiza.
Sérgio faz questão de ressaltar que o amigo sempre foi de correr
atrás do que queria. “Era um batalhador. Eu acho que ele quis mudar.
‘Chega, tchau, fiquem aí vocês, cantando a minha música, que eu vou ali
dar uma volta’. E a obra dele está completíssima, ele já fez muita
coisa”, conta.
O músico cearense e fã de Belchior, Guilherme Vasconcelos,
acredita que as inquietações nas canções têm relação, de alguma forma,
com o desaparecimento dele. “Isso foi um dos motivos que me fez gostar
da obra dele”. Guilherme cita, inclusive, trechos de “Galos, Noites e
Quintais”. “Principalmente quando ele fala:
‘Não sou feliz, mas não sou
mudo. Acredito sim que o sumiço veio dessa insatisfação”, comenta.
“Galos, Noites e Quintais” já foi gravada por Amelinha e Jair Rodrigues. Até o cearense e saudoso Chico Anysio cantou a música em um programa de TV, aos olhos atentos de Belchior, que estava na plateia.
O fã explica, inclusive, que possui as mesmas inquietações do
sobralense. “Nunca vi um show dele e espero que ele volte a se
apresentar. Até porque eu também tenho insatisfações e muita tristeza
guardada e só o que me melhora é fazer um som com os amigos”, garante.
Mas essa semelhança Belchior já dizia na música Fotografia 3×4 “A minha
história é talvez, é talvez igual a tua (…) Eu sou como você”.
O universitário Cristian Pinheiro também espera, um
dia, o retorno do músico. “Seria legal e bem interessante se ele
voltasse. Tem gente que diz que ele está procurando um lugar mais
sossegado. Eu não conheço muito a história dele, conheço o trabalho, mas
creio que ele era uma pessoa que não gostava muito de se acomodar.
Procurava coisa nova”, afirma.
O amigo do cantor, Tota, diz que os fãs não deixam a obra do cantor
se perder. “Ele tem letras bonitas. Você percebe que o movimento
estudantil adora as músicas, tem até crianças que cantam por influência
dos pais”.
Ele também acredita que a realidade de Belchior se mistura nas letras
das canções. “As músicas que fazem sucesso até hoje são baseadas nele,
como ‘Rapaz Latino Americano, Galo Noites e Quintais e Mucuripe’. É a saída dele de Sobral para a Capital, é a saída de Fortaleza para o Sul. Era o sofrimento dele, era a angústia”, afirma.
Já o produtor Jackson Martins não percebe essa relação. “Eu não vejo
isso. Essas músicas foram feitas na adolescência, na juventude do
Belchior. Na época em que ele largou o curso de Medicina para tentar viver da música no Rio de Janeiro”, diz.
As obras deixadas por Belchior podem até amenizar a saudade de
amigos, fãs e, quem sabe, de familiares; mas prevalece a vontade de ver o
músico em plena atividade. O artista plástico Tota não se cansa de
esperar pelo amigo. “Eu quero e espero que ele volte e acho que já está
perto, até mesmo por causa da idade, ele já tem 67 anos. E acredito
também que um dia você vem entrevistá-lo pessoalmente aqui na minha
galeria. Eu faço um café para vocês e você poderá fazer todas as
perguntas para ele”, acredita o amigo Tota.
Mas, talvez, a vida de Belchior esteja a mil…
Afinal, ele já dizia: “Eu prefiro andar sozinho. Deixem que eu decida a minha vida. Não preciso que me digam de que lado nasce o sol, porque bate lá meu coração”.
Fonte: http://www.verdinha.com.br
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