A presidente Dilma Rousseff nunca teve uma vida
estável no Congresso. Extensa na teoria, sua base de apoio parlamentar
não só deixa a desejar nos momentos decisivos, como joga a favor de um
pedido de impeachment de Dilma. Na semana passada, parlamentares
mostraram que seu governo não está em condições de organizar qualquer
coisa no Legislativo. Parte disso se deve ao fato de Dilma ter perdido
um de seus principais articuladores no Senado, o líder do governo
Delcídio do Amaral (PT-MS). A Operação Lava Jato levou Delcídio, preso
em novembro ao tentar obstruir a investigação, e hoje convertido em
colaborador. Agora, a Lava Jato ameaça carregar o outro líder de Dilma, também petista. O deputado José Guimarães, do PT do Ceará, aparece em uma delação premiada acertada com os procuradores da Força Tarefa do Ministério Público Federal.
Trata-se de um acordo especial: é o primeiro fechado por um operador do
PT. Foi homologado há poucos dias pelo ministro José Antonio Dias
Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. A pedido do delator, que teme pela
vida, seu nome é mantido em sigilo pela Procuradoria Geral da
República. Trata-se de uma exceção, permitida por lei, no padrão de
tratamento das delações obtidas pela Lava Jato. ÉPOCA teve acesso à
delação do petista. Para cada caso que conta, ele lista uma série de
documentos fornecidos para provar o que está dizendo. Seus relatos
incluem, além de Guimarães, casos de corrupção que envolvem o
ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira, e o ex-presidente da Câmara,
deputado Marco Maia.
O delator confessa que trabalhou como uma peça
essencial do esquema clandestino montado pelo PT para arrecadar dinheiro
de empresas interessadas em fazer negócios com o governo. Essas
empresas tinham de pagar um pedágio, operado pelo delator e organizado
por Paulo Ferreira, tesoureiro do PT entre 2005 e 2010,
e marido da ministra do Desenvolvimento Social, Teresa Campello.
Ferreira é, hoje, o único dos mais recentes tesoureiros do PT que não
passou pela cadeia. O sistema de pagamento do pedágio era simples e já
bastante conhecido nas investigações da Lava Jato: Ferreira orientava o
delator a celebrar falsos contratos de prestação de serviços de empresas
fantasmas com as companhias privadas interessadas em obter contratos na
Petrobras, outras estatais e bancos públicos. Depois que recebiam os
pagamentos de estatais, as empresas acertavam a propina combinada com os
petistas, mediante contratos fajutos para serviços inventados.
O passo seguinte era dividir os valores, muitas vezes em dinheiro vivo,
entre o delator, Paulo Ferreira e outros envolvidos. Um desses
envolvidos foi José Guimarães. Em 2010, o colaborador pediu ajuda a
Guimarães para aproximar um dos sócios da empreiteira Engevix, José
Antunes Sobrinho, do presidente do Banco do Nordeste (BNB), Roberto
Smith. Sobrinho queria um empréstimo de R$ 260 milhões. “José Antunes
Sobrinho contou ao colaborador que tinha acabado de ganhar uma licitação
para a construção de três usinas eólicas na Bahia. Por causa disto,
perguntou se o colabrador não o poderia ajudar na captação de recursos
para a construção das três usinas, a qual seria realizada junto ao Banco
do Nordeste”.
Como se sabe, a parte mais importante na elaboração de um projeto
capitalista de porte no Brasil é ter acesso ao padrinho político de
alguém com a chave de um gordo cofre público. No
depoimento, o colaborador afirma que Guimarães era a pessoa certa, pois havia indicado Smith para o cargo. “Como você me ajuda depois?”, disse Guimarães, segundo o relato do colaborador. Ele prometeu, então, parte da comissão de 1% (R$ 2,6 milhões) que receberia. A reunião foi acertada logo depois e o delator fretou um jatinho para ir a Fortaleza reunir-se com Roberto Smith. O empréstimo saiu em 2011.
depoimento, o colaborador afirma que Guimarães era a pessoa certa, pois havia indicado Smith para o cargo. “Como você me ajuda depois?”, disse Guimarães, segundo o relato do colaborador. Ele prometeu, então, parte da comissão de 1% (R$ 2,6 milhões) que receberia. A reunião foi acertada logo depois e o delator fretou um jatinho para ir a Fortaleza reunir-se com Roberto Smith. O empréstimo saiu em 2011.
Na hora do pagamento, no entanto, Sobrinho regateou e o valor da
propina caiu para R$ 1 milhão. No depoimento, o colaborador afirma que
pagou “R$ 95 mil ao deputado federal José Guimarães” pela ajuda,
divididos em dois cheques, de R$ 65 mil e de R$ 30mil. Como em todos os
seus relatos, o colaborador faz uma lista de documentos que pode
fornecer como prova. No caso de Guimarães, são oito, entre eles cópias
dos cheques e um comprovante do aluguel do avião. Guimarães já foi
acusado de outros negócios com o banco do Nordeste.
Em um episódio ridículo e rumoroso, em 2005, no início do escândalo do
mensalão, um assessor seu foi preso pela Polícia Federal no aeroporto
de Congonhas, em São Paulo, com US$ 100 mil ocultos na cueca. O
descuidado José Adalberto Vieira da Silva carregava ainda R$ 209 mil em
uma mala. Guimarães, segundo o Ministério Público Federal, era o
beneficiário do valor. Investigações mostraram que o dinheiro era
propina paga pelo consórcio Sistema de Transmissão do Nordeste,
interessado em obter um empréstimo de R$ 300 milhões do Banco do
Nordeste. Na ocasião, Guimarães negou ter conhecimento do que seu
assessor fazia.
Pelas histórias que conta, o colaborador se deslocava com desenvoltura
no mundo que une empresas interessadas em dinheiro público e os
políticos que podem fazer isso acontecer. Suas confissões, portanto, não
se resumem ao líder do governo na Câmara. O colaborador da Lava Jato
está para o ex-deputado Paulo Ferreira, ex-tesoureiro do PT, como Marcos
Valério estava para Delúbio Soares. Todo tesoureiro do PT tem seu
operador – que, um dia, cai. A diferença no padrão Valério é que, desta
vez, o operador resolveu falar de verdade. Em quase todas as histórias
que relata, o colaborador cita Paulo Ferreira como parceiro. Foi
Ferreira que apresentou o delator ao ex-presidente da Câmara, deputado
Marco Maia, em 2011. Dois anos depois, o colaborador ajudou Maia a
comprar um apartamento em Miami, por cerca de US$ 600 mil, pagos por
duas empresas e registrado em nome de uma empresa offshore.
Em setembro de 2012, o colaborador recorreu a Ferreira para unir a
empreiteira OAS, investigada pela Lava Jato, e os Correios. A OAS
buscava o principal patrocinador para a Arena Grêmio – e pensava que os
Correios seriam perfeitos para abrir os cofres. “A ideia era que o
colaborador procurasse Paulo Ferreira, para que ele, na condição de
parlamentar, pleiteasse junto ao então presidente dos Correios, Wagner
Pinheiro, o referido patrocínio”. Egresso do sindicalismo, Pinheiro
chegou à presidência dos Correios pelas fileiras do PT. Segundo o
delator, Ferreira topou a missão e foi ao encontro da representante da
OAS. A justificativa, de acordo com o delator, era a paixão: “Paulo
Ferreira disse que iria pleitear o patrocínio para ajudar o Grêmio, que
era o seu time de coração”. Pelo dinheiro, Ferreira iria onde a OAS
quisesse.
No encontro, o colaborador disse que havia “uma comissão pelo trabalho e
que este valor ser ia ser dividido entre ele e Paulo Ferreira”. De
acordo com o colaborador, Ferreira contou que falou com Wagner Pinheiro e
que o negócio estava encaminhado. O delator disse aos investigadores
que recebeu R$ 420 mil pela tarefa. O delator usou o velho expediente de
forjar um contrato fictício para receber o dinheiro da OAS. Uma nota
fiscal de 3 de setembro de 2012 comprova o que ele diz. “Do valor
recebido, o colaborador repassou por volta de R$ 200 mil para Paulo
Ferreira. O valor foi retirado em espécie por Paulo Ferreira no
escritório do colaborador em São Paulo”, diz o texto da delação. O
delator ofereceu como provas aos investigadores notas fiscais frias, o
contrato forjado com a OAS e registros de entrada e saída de seu
escritório.
O deputado José Guimarães rebate as afirmações do delator. “Tenho a
consciência absolutamente tranquila de que jamais me beneficiei de
recurso público, razão pela qual reitero meu repúdio às supostas
acusações”. O deputado afirma que a acusação é política e que se
defenderá. “Uma acusação desse tipo revela oportunismo diante do
conturbado momento político no país e a incessante tentativa de
criminalizar o PT e o governo, bem como seus defensores e
representantes. Adotarei todas as medidas cabíveis, dentro do Estado de
Direito, para defender minha honra, contra a qual não tolerarei ataques
sem fundamento”. Procurado, o ex-deputado Paulo Ferreira também negou
veementemente as afirmações do delator. “Nego categoricamente e
enfaticamente o recebimento de qualquer valor relacionado a suposto
patrocínio dos Correios à Arena Grêmio”, disse. A Engevix disse que
“todas as informações relativas à atuação da Engevix foram e serão
sempre prestadas diretamente às autoridades competentes”.
A assessoria do Grêmio afirma que “nunca se soube de pedido de
patrocínio do Grêmio aos Correios, nem tão pouco de contatos feitos com o
referido deputado federal. Só podemos informar que a atual
administração do Grêmio desconhece totalmente esse assunto”. Os Correios
disseram que houve pedido de patrocínio e foi recusado. A estatal diz
ainda que não há registro de reunião entre o presidente e o então
deputado federal Paulo Ferreira na data citada pelo delator. “Os
Correios não vão se manifestar sobre conteúdo de delação do qual não
têm conhecimento”. O Banco do Nordeste afirma que “todas as decisões de
crédito são colegiadas e seguem rigorosamente os normativos internos e
respectivos níveis de decisão”. A OAS não respondeu até o fechamento da
edição. O advogado de Marco Maia, Daniel Gerber, disse que seu cliente
não tem apartamento em Miami e está à disposição da Justiça.
Fonte: http://epoca.globo.com/tempo/noticia
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