A pesquisadora Constância Ayres, do departamento de entomologia da Fundação Oswaldo Cruz, em Pernambuco, passou os últimos três meses alimentando pernilongos. Constância serviu sangue contaminado pelo vírus zika a 200 mosquitos do gênero Culex,
o pernilongo comum, de aparência meio amarronzada, que as pessoas em
algumas regiões do país chamam de muriçoca. A cientista tinha uma
suspeita: talvez o Culex fosse capaz de acomodar o vírus em seu
organismo, tal qual o Aedes aegypti, seu vetor
tradicional. E, talvez, fosse capaz também de transmiti-lo. “Assumir que
o vetor principal da zika é o Aedes aegypti, em áreas em que outras
espécies de mosquito coexistem, é ingenuidade”, escreveu Constância no
começo de fevereiro, em um artigo publicado na revista The Lancet Infectious Deseases,
uma das principais do gênero em todo o mundo. “Esse erro pode ser
catastrófico se outras espécies de mosquito tiverem também papel
importante na transmissão do vírus da zika”.
>>Pesquisa mostra que vírus da zika pode sobreviver em pernilongo comum
Na tarde de quarta-feira (2), Constância anunciou os resultados preliminares de sua pesquisa. Descobriu que o vírus consegue sobreviver no estômago dos mosquitos e, de lá, migrar para as glândulas salivares dos bichos. Essa movimentação do vírus é importante – uma vez nas glândulas salivares, o parasita pode ser transmitido para outros animais e pessoas, por meio da picada da fêmea do mosquito.
>>O Aedes aegypti se adaptou e virou um bicho doméstico, diz cientista da Fiocruz
Esse conhecimento é valioso. O que ele muda?
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Na tarde de quarta-feira (2), Constância anunciou os resultados preliminares de sua pesquisa. Descobriu que o vírus consegue sobreviver no estômago dos mosquitos e, de lá, migrar para as glândulas salivares dos bichos. Essa movimentação do vírus é importante – uma vez nas glândulas salivares, o parasita pode ser transmitido para outros animais e pessoas, por meio da picada da fêmea do mosquito.
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Esse conhecimento é valioso. O que ele muda?
A situação fica mais séria?
Ainda não dá para saber. A pesquisa de Constância ainda não conseguiu
determinar se o Culex transmite zika quando solto na natureza. Por ora,
sabe-se apenas que o vírus sobrevive no organismo do mosquito,
o que torna o inseto um vetor em potencial. Se a possibilidade de
transmissão for confirmada, teremos mais um enorme motivo de
preocupação. A população de Culex é muito maior que a de Aedes aegypti.
Estima-se que, em zonas urbanas, haja 20 vezes mais Culex do que Aedes. O
Culex também é menos exigente: o Aedes aegypti prefere água limpa, com
um pouco de material orgânico para se reproduzir. O Culex põe ovos em
água suja, de esgoto, fácil de encontrar em grandes cidades.
>>“A luta contra o ebola dá lições a usar contra o zika”, diz cientista Ira Longini
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Por que os cientistas investigam o Culex?
Os cientistas já sabiam que o Culex transmite vírus semelhantes ao zika. O Culex é vetor para o vírus do Nilo ocidental
– um parasita que, em alguns casos, provoca inflamações no sistema
nervoso central. O Culex é comum em regiões tropicais do globo –
naquelas mesmas em que o vírus zika já era conhecido, antes de chegar ao
Brasil. Mesmo assim, segundo Constância, a possibilidade de o Culex
servir de vetor para o zika foi ignorada pelos cientistas ao longo da história.
Em 2011, uma pesquisa conduzida por um grupo de cientistas do Senagal e
da Guiana Francesa isolou material genético do zika a partir de
amostras de mosquitos de diferentes espécies. Entre esses mosquitos,
havia espécimes de Culex perfuscus, um tipo de
mosquito que ocorre em florestas africanas. A pesquisa do grupo não
bastava para afirmar, sem dúvida, que o Culex tem capacidade de
transmitir zika. “A simples detecção de um vírus numa amostra de
mosquito não o torna um vetor” escreveu Constância. “É importante provar
em laboratório que o organismo é capaz de adquirir o patógeno, mantê-lo
e transmiti-lo a outros hospedeiros”. Em condições de laboratório,
Constância mostrou que o Culex é capaz de adquirir e manter o vírus em
seu interior. Ele tem “competência vetorial” – pode servir como um meio
de transmissão do vírus.
>>Como "editar" o DNA de um Aedes aegypti
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O que falta para afirmar que o Culex é um vetor do zika?
A equipe da Fiocruz precisa encontrar mosquitos na natureza que
apresentem o vírus em suas glândulas salivares. É possível que, na
natureza, o processo não seja o mesmo que em laboratório. Constância
agora coleta mosquitos Culex nas casas onde houve casos de pessoas
contaminadas pelo zika. “Tendo realizada uma grande quantidade de
amostras, poderemos ter uma ideia se o Aedes é o vetor exclusivo, se
existem outros vetores e qual a importância de cada um no papel da
transmissão”, afirmou a pesquisadora ao G1. Esse processo deve demorar
entre seis e oito meses.
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