Pesquisa
publicada na Science mostra que vírus veio em uma só leva, a partir da
Polinésia Francesa, entre maio e dezembro de 2013, um ano antes do
imaginado (Foto: Reprodução/Projeto Eliminate Dengue)
A zika não chegou ao Brasil na Copa do Mundo de 2014, nem em uma
competição de canoagem realizada no Rio de Janeiro em agosto daquele
ano, como se pensava. O vírus veio de avião e desembarcou em solo
brasileiro em algum momento entre maio e dezembro de 2013 -
possivelmente durante a Copa das Confederações -, segundo um novo estudo
publicado na sexta-feira, 25, na revista Science.
Para chegar a essa conclusão, um grupo de cientistas do Brasil, dos
Estados Unidos e da Inglaterra comparou sete sequenciamentos do genoma
do vírus circulante no Brasil, a partir de amostras de diferentes
perfis. A comunidade científica internacional está organizando uma
força-tarefa para obter o maior número possível de sequenciamentos do
genoma vírus zika a partir de amostras variadas. A nova pesquisa é o
primeiro resultado desse esforço coletivo global.
O grupo, liderado pelo virologista Pedro Vasconcelos, diretor do
Instituto Evandro Chagas, analisou amostras coletadas, em diferentes
Estados, de pacientes com diferentes quadros clínicos de zika: quatro
pacientes que foram infectados sem maiores consequências, um paciente
que recebeu sangue contaminado em uma transfusão, um caso de morte de um
paciente com lupus e um bebê que nasceu com microcefalia e malformações
congênitas.
De acordo com Vasconcelos, foi encontrada pouquíssima variabilidade
genética entre essas várias cepas. "Isso indica que o zika foi trazido
ao Brasil em uma única leva. É fortemente provável que o vírus tenha
chegado ao Brasil durante a Copa das Confederações, que aconteceu entre
junho e julho de 2013. Esse período se encaixa no intervalo de confiança
determinado por nossos resultados, além de coincidir com o auge da
epidemia na Polinésia Francesa", disse Vasconcelos.
Os dados filogenéticos obtidos pelo grupo de cientistas foram
cruzados com dados epidemiológicos e com informações de viagens a partir
de países que tiveram surtos a partir de 2012. Com isso, os
pesquisadores constataram que a chegada do vírus coincidiu com um
aumento de mais de 50% nas viagens feitas dos focos de epidemias para o
Brasil, saltando de 3.775 por mês no começo de 2013 para 5.754 um ano
depois.
"O aumento de viajantes daquela área foi muito considerável,
principalmente porque a Copa das Confederações teve a participação da
seleção do Taiti, que fica na Polinésia Francesa, que atraiu turistas
daquela área. O time jogou em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em
Recife. Coincidentemente, foi em Recife que tivemos o maior número de
casos de zika e também de microcefalia", afirmou Vasconcelos.
Embora tenha chegado ao Brasil entre maio e dezembro de 2013, casos
de zika só foram detectados no País a partir de maio de 2015. Para
Vasconcelos, a demora para a detecção provavelmente foi decorente de
diagnósticos errados.
"Para entender essa demora basta lembrar que a dengue a chikungunya
têm um quadro clínico muito parecido com o da zika e a maior parte dos
pacientes não fazem exames. Por mais de um ano, a zika deve ter avançado
por vários estados enquanto era diagnosticada clinicamente como dengue
ou chikungunya", declarou.
Segundo o cientista, o vírus circulante no Brasil é geneticamente
idêntico ao que causou epidemias nas ilhas do Pacífico em 2013 e 2014.
Para Vasconcelos, não restam dúvidas de que o zika veio para o
território brasileiro a partir da Polinésia Francesa - único outro país
onde foi registrado aumento dos casos de microcefalia.
"A genética do vírus, a coerência temporal da dispersão pelas ilhas
do Pacífico, do evento esportivo e do aumento do fluxo aéreo são fatores
que, somados, dão uma força muito grande aos achados. Não se trata mais
apenas de uma hipótese", disse Vasconcelos.
Embora tenha desvendado a trajetória do vírus no espaço e no tempo, o
estudo ainda não estabeleceu a relação causal entre a zika e a
microcefalia. A análise do genoma do vírus extraído do bebê com
microcefalia revelou oito mudanças em aminoácidos que compõem o código
genético viral. Mas essas mutações são "sinônimas", isto é, não alteram a
estrutura das proteínas responsáveis pela patogenia do vírus.
"Para confirmar se essas mutações têm relação com a ocorrência de
casos de microcefalia será preciso fazer estudos em modelos
experimentais, comparando o genoma de uma cepa que tenha essas mutações a
outra que não as tenha", explicou Vasconcelos.
Segundo o cientista, o estudo tem limitações por comparar apenas sete
sequenciamentos. "Ainda temos poucas amostras. Com elas, conseguimos
desvendar a origem e o período de introdução do vírus. Mas todos os
sequenciamentos estão disponíveis para estudos de outros pesquisadores,
que poderão estudar se as mutações descobertas são suficietes para
causar os problemas de má formação congênica", afirmou.
De acordo com Vasconcelos, quanto mais cepas variadas do zika forem
sequenciadas, melhor será a compreensão sobre a virulência do vírus. "Os
dados genômicos também abrem perspectivas para o desenvolvimento de
novos métodos diagnósticos, para a modelagem de novas drogas e para a
produção de vacinas."
Fonte: (AE)
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