Mães de umbigo, curiosas,
parteiras do mato ou simplesmente parteiras são mulheres detentoras de
conhecimentos acerca de costumes, técnicas e saberes “da arte de botar gente no
mundo”, como chamou Mário Souto Maior. Essas mulheres, que sobrevivem de outras
ocupações, vivenciam a mesma realidade sociocultural das mulheres atendidas e
consideram seu ofício de parteira como mais uma de suas atribuições: “pegam
menino” por solidariedade ou para suprir uma necessidade da comunidade onde
vivem. Portanto, é comum não cobrarem pela atividade. Dia ou noite, embaixo de
sol ou de chuva, “acodem” outras mulheres que dão à luz aos seus filhos em
regiões de difícil acesso ou periferias de grandes cidades.
Estima-se que existe um número
expressivo de parteiras tradicionais, principalmente das regiões Norte e
Nordeste. Entretanto, não se dispõe de dados que expressem o real quantitativo
das parteiras, pois existe um cadastramento insuficiente destas por parte das
secretarias estaduais e municipais de saúde, visto que ainda é predominante a
situação de não articulação do trabalho das parteiras tradicionais com o
sistema de saúde formal.
Referências de saúde e figuras de
liderança nos grupos em que atuam, exercem múltiplos papéis em suas comunidades
(parteiras, agentes de saúde, mediadoras de conflitos, etc). Geralmente são
mulheres mais velhas, sem formação acadêmica, mas com experiência e conhecimento
acerca de técnicas, manobras e uso de ervas no ciclo de gestação, parto e
pós-parto. Iniciam-se no ofício por acaso, destino ou “precisão” (por
necessidade).
A prática do ofício das parteiras
tradicionais consiste no acompanhamento da gestação, parto e pós-parto, com
variações. Algumas parteiras são procuradas pela mulher durante a gestação.
Outras não acompanham a gestação, apenas o parto e o pós-parto. Há casos em que
apenas assistem o parto em si, ficando a responsabilidade pelos cuidados do
pós-parto com os familiares da parturiente.
Comumente, quando a mulher entra
em trabalho de parto, alguém vai chamar a parteira, que, muitas vezes, antes de
sair de casa pede apoio a Deus ou aos santos aos quais é devota. Essas mulheres
levam consigo, quando disponível, o material para assistência ao nascimento da
criança (tesoura ou kit da parteira fornecido nos cursos de capacitação). Na
casa da parturiente, avaliam o bebê apalpando a barriga da mulher e a estimulam
a se movimentar para “aumentar as dores” (contrações). Também são oferecidos
chás e mingaus para “esquentar” e o bebê se “despertar” e achar “seu caminho”.
Normalmente estão presentes familiares, vizinhas ou o futuro pai. Caso a
parteira detecte algum problema e ache que o parto não deve acontecer em casa,
a mulher é encaminhada ao hospital.
Após o nascimento do bebê, algumas
parteiras esperam a saída espontânea da placenta para então cortar o cordão
umbilical, enquanto outras não. Geralmente, o corte do cordão é feito medindo
três dedos a partir da barriga do bebê. Caso a placenta demore a ser expulsa,
são utilizados chás, simpatias e orações como a de Nossa Senhora do Bom Parto
ou a de Santa Margarida. Em último caso, a mulher é levada ao hospital.
Os primeiros cuidados com o bebê
são prestados pela parteira, que comumente dá o primeiro banho e orientações
quanto à forma de cuidar do coto umbilical do recém-nascido para que caia mais
rapidamente. No pós-parto, por um determinado período de tempo, há uma série de
restrições à puérpera tanto alimentares, quanto de atividades, a exemplo de não
poder se abaixar, manter relações sexuais ou tomar banho com água fria.
Entretanto, essas limitações vêm sendo modificadas ao longo dos anos,
principalmente após as mulheres passarem a parir no ambiente hospitalar, onde
os protocolos são diferentes. Durante o
período de resguardo, as parteiras dão orientações sobre alimentação, cuidados
com o recém-nascido, por exemplo, e voltam à casa da puérpera para verificar
seu estado de saúde e o do bebê.
Apesar de não ser comum a
cobrança do parto, por diversos fatores — a população assistida é carente;
muitas parteiras acreditam que partejar é um dom divino e por isso não se deve
cobrar; por não ser um trabalho oficial não esperam remuneração —, verifica-se
uma troca simbólica pelo serviço prestado. A recompensa vem em forma de
reconhecimento e agradecimento: são chamadas de mães ou madrinhas pelos filhos
de umbigo e de comadres pelas mulheres que atendeu.
Ao longo dos anos, o número de
partos atendidos por parteiras tradicionais vem diminuindo. Contribuem para
esse fato, entre outras coisas, a diminuição da taxa de natalidade, o maior
acesso aos serviços de saúde e a valorização do conhecimento biomédico. De
acordo com o Instituto Nômade (2010, p.67),
Os saberes tradicionais
relacionados à gestação, parto e puerpério, intimamente ligados ao conhecimento
de ervas e à religiosidade, estão perdendo o espaço de transmissão que ocorria
por meio da experiência prática e da observação durante o nascimento. Cabe
destacar que muitas vezes esses saberes são de conhecimento da população em
geral (a exemplo de interdições alimentares no pós-parto), principalmente das
mulheres que vivenciaram a experiência de parir com a ajuda de uma parteira.
Entretanto, há ainda a referência da comunidade a mulheres detentoras desses
saberes e de outras “ciências”, que são as parteiras.
Verifica-se uma mudança na forma
de atuação da parteira, que passa a fazer o elo entre as mulheres e o serviço
de saúde, muitas vezes acompanhando as parturientes até a maternidade. Devido à
experiência acumulada, muitas parteiras enveredaram para o trabalho em
hospitais, seja na função de auxiliar de enfermagem ou como parteiras
hospitalares, e, mesmo aposentada, continuam atendendo partos domiciliares e
exercendo tarefas ligadas à enfermagem (aplicar injeção, fazer curativos, etc).
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