Movimentação financeira de ‘garçom de Lula’ foi de até 69 vezes superior aos rendimentos (Foto: José Cruz/ABr)
A movimentação financeira do dono da Focal Confecção e Comunicação
Visual – segunda maior fornecedora da campanha de 2014 da presidente
afastada Dilma Rousseff (PT) -, Carlos Roberto Cortegoso, chegou a ser
“69 vezes maior do que o valor dos seus rendimentos declarados” à
Receita Federal. Conhecido como o “garçom do Lula”, o empresário de São
Bernardo do Campo (SP) é investigado pela Operação Custo Brasil por
ter escoado pelo menos R$ 309 mil da propina desviada no Ministério do
Planejamento na gestão de Paulo Bernardo – solto ontem, após seis dias
de reclusão.
“A movimentação de Carlos Cortegoso chama a atenção por ser, em
muitos casos 69 vezes maior do que o valor de seus rendimentos
declarados. Além disso, apresenta uma variação patrimonial descoberta”,
registra representação da Polícia Federal, nos autos da Custo Brasil,
feito com base na quebra do sigilo do investigado feita pela Receita
Federal.
O documento mostra que nos anos de 2010, 2012, 2013 e 2014 a
movimentação financeira de Cortegoso foi muito superior aos rendimentos
declarados (veja tabela anexada a documento da da PF).
Cortegoso atua em campanhas do PT desde a década de 90 e forneceu
material gráfico e camisetas para todas as disputas presidenciais do
partido desde 2002. Em 2014, os gastos com a Focal aumentaram ainda mais
e chegaram a R$ 23 milhões. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
investiga os pagamentos. Além da campanha presidencial, a empresa de
Cortegoso recebeu R$ 158 mil da candidatura da senadora Gleisi Hoffmann
(PT-PR), mulher do ex-ministro Paulo Bernardo.
O apelido de “garçom do Lula” ele ganhou porque trabalhou em um
restaurante em São Bernardo do Campo (SP) frequentado pelo ex-presidente
quando ainda era sindicalista. No fim dos anos 90, Cortegoso montou uma
empresa de produção de camisetas e material de campanha. Com a chegada
do PT ao Palácio do Planalto, em 2002, o negócio cresceu rapidamente e
ele virou o principal fornecedor das campanhas do partido.
Em 2006, na campanha à reeleição de Lula pagou R$ 3,9 milhões à
Focal. Quatro anos depois, na primeira campanha de Dilma Rousseff, os
gastos do partido com a Focal quase quadruplicaram e chegaram a R$ 14,5
milhões.
O delator da Operação Custo Brasil, o ex-vereador do PT Alexandre
Romano, o Chambinho, revelou que Cortegoso é conhecido como “Carlão”.
“Aparentava ser uma pessoa simples. “Carlão conversava abertamente que
tinha sido garçom, mas que tinha aberto essa empresa para atender o PT e
que ele fazia todos os eventos do PT. Carlão ficava sempre credor do
PT.”
A Procuradoria afirma, no pedido de buscas nos endereços de
Cortegoso, que “embora tenha declarado renda de 10 mil reais por mês,
movimentou R$ 1.450.199,00 em uma ano em sua conta”.
Consist. O dono da Focal havia caído no radar da PF nas investigações
da Operação Lava Jato – que resultou na Custo Brasil – em 2015, quando
foi descoberto o esquema que desviou R$ 100 milhões dos empréstimos
consignados dos servidores federais, via acerto no Ministério do
Planejamento com a empresa Consist Software e entidades conveniadas.
Outra empresa de Cortegoso, a CRLS Consultoria e Eventos, teria
servido para ocultar propina destinada para o PT, durante a gestão de
Paulo Bernardo no Ministério do Planejamento. É essa empresa que o
delator da Custo Brasil cita em seu depoimento.
Romano confessou que o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto
indicou a CRLS como destinatária da propina direcionada à legenda. “Num
primeiro momento era a CRLS, representada pelo Cortegoso, que realizava
os pagamentos emitindo notas contra a Consist. Num segundo momento, era a
empresa Politec, representada pelo Helio Oliveira, que realizava o
pagamento. E, por fim, num terceiro momento era a Jamp, representada
pelo Miltom Pascowitch”, afirmou Romano em um de seus termos de delação.
A Operação Custo Brasil, deflagrada no dia 23, apura o pagamento de
propina entre os anos de 2010 e 2015 a pessoas ligadas a funcionários
públicos e agentes públicos ligados ao Ministério do Planejamento, em
especial o ex-ministro Paulo Bernardo (também éx-Comunicações no
governo Lula), marido da senador Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Há indícios de que o Ministério do Planejamento direcionou a
contratação da Consist para a gestão do crédito consignado na folha de
pagamento de funcionários públicos federais com bancos privados,
interessados na concessão de crédito consignado. “Segundo apurou-se, 70%
dos valores recebidos por essa empresa eram repassados a pessoas
ligadas a funcionários públicos ou agentes públicos com influência no
MPOG por meio de outros contratos – fictícios ou simulados.”
Na representação do Ministério Público Federal, que pediu a prisão de
Bernardo e dois ex-tesoureiros do PT, João Vaccari e Paulo Ferreira, a
CRLS é descrita como a ” primeira empresa” a operar os repasses de
propina desviados dos empréstimos consignados pela Consist para o PT.
“Referida empresa é uma empresa produtora, que fazia eventos para o
PT, e que tinha créditos com o PT. Carlos Cortegoso teve
evolução patrimonial bastante rápida, tendo sido garçom e
atualmente teria inclusive avião em seu nome.”
Cortegoso foi alvo de buscas em seus endereços e também no endereço
da CRLS, em São Bernardo do Campo. A Polícia Federal e o Ministério
Público Federal não chegaram a pedir sua prisão “porque figuraram como
parceiros da Consist no início do esquema, com intermediação de
Alexandre Romando”, registra a PF na representação de prisão da Custo
Brasil, deferida pela 6ª Vara Criminal de São Paulo.
“Houve o pagamento de três parcelas para a CRLS pela Consist
Software, no total de R$ 309.590,00, sem prestação de qualquer serviço
lícita correspondente”, apontam os procuradores da República Andrey
Borges de Mendonça, Rodrigo de Grandis, Sílvio Luís Martins de Oliveira e
Vicenti Solari Mandetta. As notas fiscais foram anexadas aos autos.
Ouvido pela Polícia Federal no dia 12 de agosto de 2012, o dono da
Consist, Pablo Kipersmit, reconheceu “desconhecer a empresa CRLS
Consultoria e disse que a empresa não é fornecedora da Consist, negando
serviço declarado em notas fiscais”. O delator da Custo Brasil,
Alexandre Romano, que fazia a ponte entre a empresa de software e os
recebedores da propina, declarou em março deste ano que os R$ 309 mil
eram repasses do esquema.
Além dos valores repassados diretamente pela Consist, a empresa de
Cortegoso recebeu em 2011 R$ 255 mil da Politec Tecnologia da Informação
S.A., que teria sido sucessora da CRLS na operação dos repasses de
propinas desviados dos contratos consignados.
Cortegoso não tem seu nome oficialmente ligado à Focal, ela está em
nome de um funcionário e de uma filha. Em 2014, no entanto, ele admitiu
publicamente ser o dono da empresa, após a empresa ser alvo da Justiça
Eleitoral. Seus negócios surgem em dois outros episódios suspeitos, no
mensalão, nas operações de propina de Marcos Valério e na Lava Jato. O
“garçom de Lula” faz parte de uma transação imobiliária, em São Bernardo
do Campo, realizada por dois amigos do ex-presidente – o pecuarista
José Carlos Bumlai e a família Demarchi.
“A Receita Federal informou que Carlos Roberto Cortegoso adquiriu
diversos imóveis de José Carlos Costa Marques Bumlai e os revendeu
posteriormente”, registra a Procuradoria, no pedido de prisão da Custo
Brasil.
Os investigados responderão, de acordo com suas ações, pelos crimes
de tráfico de influência, corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de
dinheiro e organização criminosa, com penas de 2 a 12 anos de prisão.
(AE)
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