Projeto Onçafari e ICMBio criaram duas onças em "cativeiro natural" durante um ano no MS. Com instintos intactos, elas voltaram à vida selvagem em junho
Uma parceria entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio) e o Projeto Onçafari, organização sem fins
lucrativos de preservação de onças-pintadas, concluiu no início de junho
a primeira experiência bem sucedida de reintrodução da espécie na
natureza. As irmãs Isa e Fera, fêmeas de pouco mais de dois anos de
idade, perderam a mãe em 2014, em Corumbá (MS), e desde então, até
voltarem aos alagados e matas pantaneiros, foram criadas sob a
supervisão de pesquisadores do ICMBio e do Onçafari e com suporte
financeiro de empresários ligados ao projeto.
Ao contrário do que normalmente ocorre quando animais da espécie são
resgatados nestas circunstâncias natureza, as duas onças não foram
criadas em cativeiros comuns, de onde costumam ser levadas a jaulas de
zoológicos mundo afora. Sem a mãe, a quem cabe ensinar os filhotes a
caçar, Isa e Fera foram encaminhadas a um centro de reabilitação animal
em Amparo, no interior de São Paulo, onde passaram cerca de cinco meses,
até serem alocadas no Refúgio Ecológico Caiman, uma fazenda com área
equivalente a 53.000 campos de futebol voltada ao ecoturismo e à
preservação ambiental na cidade de Miranda (MS). Há na região cerca de
70 onças-pintadas, todas acompanhadas em algum momento da vida pelo
Onçafari, que viu nascer cerca de 25 filhotes.
Em uma área de 10.000 m² construída na propriedade, delimitada por
cercas elétricas e telas de mais de quatro metros de altura e que
reproduz o Pantanal com matas, lagoas e a vegetação rasteira, as onças
foram “treinadas” durante um ano para a volta à vida selvagem. A
construção do recinto custou cerca de dois milhões de reais, bancados
por patrocinadores do Onçafari e de empresários que “adotaram” Isa e
Fera.
Sem nenhuma mordomia, as irmãs tinham de usar seus instintos para
caçar animais como capivaras, queixadas, coelhos e jacarés, capturados
pelo ICMBio na natureza e colocados dentro do recinto onde estavam os
felinos. “Para a onça poder começar a caçar, e a gente fazer o papel de
mãe, não adianta dar um filé para ela comer. Elas tinham que caçar
animais que fossem encontrar quando fossem soltas. Sem isso, esses
bichos nunca estariam preparados para viver sozinhos”, diz o pesquisador
Rogério Cunha, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de
Mamíferos Carnívoros (Cenap), vinculado ao ICMBio.
Segundo Cunha, embora tenha havido críticas à captura de animais
silvestres para o “abate” pelas onças, a prática foi aprovada por
comitês de ética.
Para não repetirem a principal falha de um projeto de reintrodução
anterior, em Goiás, em que as onças foram soltas e depois tiveram de ser
recapturadas para evitar ataques, os pesquisadores monitoraram o
comportamento de Isa e Fera por meio de câmeras e as isolaram de
qualquer contato direto com humanos. “O principal era elas não
associarem os biólogos, o ser humano, a comida. Esse é o grande erro.
Cortamos completamente a relação, nos locais onde se colocavam as
presas, havia placas. Elas não viam gente durante o processo”, afirma
Rogério Cunha.
A partir do monitoramento das onças no habitat natural por meio de
coleiras eletrônicas, o pesquisador cita três pontos que atestam o
sucesso da experiência até agora: Isa e Fera são arredias a carros e
pessoas em estradas, ambas conseguem caçar e se alimentar de outros
animais e estabeleceram território sem disputas com outras onças – as
irmãs estão tão enturmadas que uma delas já até cruzou com um macho da
região.
“Se acontecer alguma coisa com elas hoje em dia, vai ser alguma coisa
que aconteceria com qualquer onça selvagem”, diz, a respeito da
adaptação de Isa e Fera à nova vida, o ex-piloto de Fórmula Indy Mário
Haberfeld, criador e coordenador do Projeto Onçafari.
Para Haberfeld, o sucesso na reambientação das onças na natureza pode
ser usado para evitar a extinção destes animais em biomas brasileiros
onde eles vivem e estão ameaçados. “Talvez não seja o caso crítico no
Pantanal e na Amazônia, onde há relativamente muitas onças, mas em
biomas como a Caatinga e a Mata Atlântica, onde as onças estão ameaçadas
de extinção, isso (reintrodução) pode ser uma forma de aumentar a
população de novo. Provou-se que é possível salvar onças em outros
biomas do Brasil e até em outros países onde elas ocorrem”, conclui o
coordenador do Onçafari.
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