Segundo estudo publicado na revista científica 'Nature Neurosciente', a resposta pode ser simples: eles praticam

Ao longo do tempo, o cérebro de quem conta
pequenas mentiras se “acostuma” a elas – e isso pode fazer alguém mentir
ainda mais. (iStock/Getty Images)
A mentira é um recurso reconhecido como
exclusivamente humano. Provavelmente desde que o primeiro homem teve a
habilidade de apontar erroneamente o lugar da melhor caça para não ter
que dividir seu alimento, a desonestidade está em nossa sociedade. Ao
longo da jornada evolutiva, as capacidades de falar, negociar e mentir
foram aperfeiçoadas até que atingiram seu ápice nos sofisticados
discursos de políticos treinados por marqueteiros em período eleitoral –
ou nas histórias contadas para escapar de investigações, como a Operação Lava Jato. De acordo com um novo estudo publicado na revista Nature Neuroscience,
a razão para tanta habilidade nas lorotas pode ser simples: a prática.
Ao longo do tempo, o cérebro de quem conta pequenas mentiras se
“acostuma” a elas – e isso pode fazer alguém mentir ainda mais.
“Seja em evasão de divisas, infidelidade, doping em
esportes, fabricação de dados científicos ou fraudes financeiras, os
mentirosos costumam se lembrar de como pequenos atos de desonestidade
foram aumentando ao longo do tempo e, de repente, eles se encontraram em
meio a grandes crimes”, explicou a neurocientista Tali Sharot, da
Universidade College London, na Inglaterra, uma das autoras da pesquisa,
em entrevista ao britânico The Guardian.
Insensibilidade
Sharot e seus colegas suspeitavam que o fenômeno em que
“inocentes” mentiras levam a fraudes gigantescas tinha mais a ver com a
resposta cerebral a elas – e menos com o fato de que pequenas mentiras
precisam de outras para se manterem.
Para verificar como isso acontece, os cientistas fizeram um
jogo com oitenta voluntários, com idades entre 18 e 65 anos. As pessoas
precisavam estimar o valor de dinheiro contido em pequenos jarros de
vidro e dizer o palpite para um parceiro no jogo, que não conseguia
enxergar o jarro. Em algumas ocasiões, os pesquisadores incentivavam um
dos jogadores a mentir, dizendo que ele seria beneficiado se
“superfaturasse” o valor, prejudicando seu par. Ao longo do tempo, os
pesquisadores perceberam que os valores aumentavam consideravelmente a
cada vez que um dos jogadores se beneficiava com os altos números. A
média das estimativas, que começava com uma libra, terminava facilmente
em oito libras.
Os pesquisadores acompanharam as respostas cerebrais de
alguns dos voluntários por meio de ressonância magnética, para verificar
quais circuitos eram afetados durante o processo. Os testes mostraram
que a amígdala, a área cerebral ligada às emoções, estava bastante ativa
durante a primeira mentira. Mas, à medida em que eram repetidas e
aumentadas, a atividade da amígdala diminuía – quanto menos resposta
dessa área cerebral, maiores eram os falsos valores.
“Quando mentimos em proveito próprio, a amígdala produz uma
emoção negativa que limita até que ponto estamos dispostos a
mentir. Contudo, essa resposta vai desaparecendo se continuamos a mentir
e quanto menor a resposta, maiores as mentiras. Isso pode levar a uma
‘escalada’ em que pequenos atos de desonestidade se tornam mentiras
significativas”, afirmou Sharot, em comunicado.
Efeito negativo
Segundo os pesquisadores, a falta da resposta cerebral
sinaliza o pouco envolvimento com as lorotas, como uma “adaptação
emocional”, que torna o autor insensível à desonestidade. É semelhante à
exposição a um forte odor – no início ele é muito desagradável, mas,
com o tempo, torna-se suportável, até o momento em que sequer é
percebido.
Uma forma de evitar a “escalada de mentiras”, de acordo com
os cientistas, pode ser lembrar ao mentiroso o efeito de seus atos, o
que poderia reavivar a resposta cerebral e, com ela, a sensação negativa
inicial. Contudo, é muito provável que o autor das mentiras já esteja
bastante treinado. “Se alguém estiver bastante envolvido com
comportamentos desonestos é provável que esteja muito adaptado”, disse
Sharot.
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