Investimentos
dos Fundos Penitenciário e de Segurança representam apenas 5% do
orçamento federal e tiveram recursos reduzidos pela metade nos últimos
dez anos (Foto: Marcelo Camargo/ABr)
Os
gastos diretos do governo federal com segurança pública apresentaram
redução de 9,6% entre 2014 e 2015, de acordo com levantamento do Fórum
Brasileiro de Segurança Pública a ser divulgado hoje. O Ministério da
Justiça destinou R$ 11,3 bilhões para a área no ano passado, dos quais
apenas 5% correspondem a ações dos Fundos Penitenciário e de Segurança. A
queda aconteceu em meio à disposição da União em participar mais
proativamente do combate à criminalidade, com a criação de um plano
nacional para a área.
Na semana passada, o presidente Michel Temer anunciou a liberação de
R$ 778 milhões dos fundos para compra de equipamentos policiais,
capacitação da Força Nacional e também para construção de presídios.
Caso isso ocorra, a liberação vai representar o segundo maior valor
destinado pela União para ações na área desde 2002, só sendo superado
pela monta de 2007, que atingiu R$ 1,3 bilhão. A análise do Fórum
mostrou, porém, que é cada vez menor a quantidade de verbas executadas
pelos fundos.
Entre 2006 e 2016, por exemplo, o Fundo Penitenciário encolheu 49,2%
e, desde 2002, a retração no Fundo de Segurança foi de 47,9%. Para
especialistas, além de o aporte federal a Estados e municípios para
combater a violência ter sido reduzido, ele foi aplicado sem uma
continuidade de programas.
“Percebemos uma certa descontinuidade programática relacionada a
iniciativas que vão se alternando ao longo do tempo. Passamos pela
proposta de criação do sistema único, depois pelo Pronasci (Programa
Nacional de Segurança Pública com Cidadania). Você vai notando essas
trocas que não guardam continuidade”, disse a professora do curso de
Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) Ursula
Dias Peres, que participou da elaboração do levantamento.
Para ela, a União “poderia ter um papel importante” na área, “com a
formatação de um sistema de segurança, que ainda não se conseguiu criar,
por exemplo, com uma ação coordenada, como ocorre na Saúde e na
Educação”. “Hoje é mais difícil pensar nesse modelo em razão da situação
de crise, mas é uma área importante em que se precisa ampliar recursos,
e não reduzir, isso é certo”, acrescentou Ursula.
Ao todo, o Brasil gastou R$ 76,2 bilhões com segurança em 2015,
incremento de 11,6% em relação ao ano anterior. O crescimento foi puxado
pelos Estados, que detêm a maior parte dos investimentos no setor. Só
São Paulo, por exemplo, gastou R$ 11,2 bilhões, aumento de 8,4% em
comparação com 2014.
Cidades. O aumento também contou com uma
participação maior dos municípios. Entre 1998 e 2015 houve um
crescimento de 394% nas despesas com a área pelas prefeituras,
considerando valores já corrigidos, chegando a R$ 4,53 bilhões no ano
passado. O crescimento foi notado em cidades de todos os portes, mas foi
mais acentuado naquelas com a população entre 100 mil e 500 mil
habitantes. Em 2015, ao menos 1.836 municípios declararam algum gasto na
área.
O levantamento não permite detalhar o que as cidades alegam como
gasto em segurança. Para o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de
Lima, parte pode ser atribuída ao efetivo de guardas municipais e
repasses diretos à Polícia Militar, com ações similares às operações
delegadas.
“O protagonismo dos municípios pode ser bom se não ficar emulando
minipolícias. A saída é assumir a segurança como uma tarefa da
administração da cidade, integrando sistemas de trânsito e câmeras e
toda a discussão da organização da cidade, em termos de paradas de
ônibus e iluminação, de escolas, de regularização fundiária, integração
com as polícias, uma agenda que cria um espaço urbano mais seguro”,
disse.
“Se for para fazer as guardas virarem pequenas polícias e repetir
aquilo que a polícia tem de ruim, aí é um investimento muito pouco
eficiente”, acrescentou. Para ele, o afastamento do governo federal nas
ações em segurança representa um “discurso conservador”.
Procurado pela reportagem para comentar os dados, o Ministério da Justiça não apresentou resposta.
Crimes patrimoniais especializados apresentam alta
Crimes patrimoniais considerados especializados foram os únicos a
apresentarem alta no País entre 2014 e 2015. São os casos de registros
de assaltos a banco, que passaram de 1.592 ocorrências para 1.750, das
quais 985 se concentram em Estados das Regiões Sul e Sudeste.
O padrão de aumento se repetiu nas ocorrências de roubos de carga,
que passaram de 16.475 casos para 18.491. Nos quatro Estados do Sudeste,
aconteceram 16.207 desses assaltos.
Os dados foram coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
com base em solicitações feitas pela Lei de Acesso a Informações a todos
os Estados do País. Os números que configuram o crescimento da
criminalidade não se repetiram na análise de outras práticas criminosas,
que, segundo os especialistas, ou tiveram queda ou apresentaram uma
tendência de estabilização.
“Apesar dessa estabilização, olhar para os dados de cada crime
representa um drama. Isso porque cresceram casos de roubos a banco, de
carga, casos de latrocínio. Ou seja, migramos para uma violência mais
organizada, o que não deixa de ser bastante preocupante”, disse o
diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima. “É um problema sério
a ser enfrentado em meio a um patamar baixo de investimentos na área e
sem uma nova perspectiva”, afirmou.
Carros. No caso dos veículos, uma queda de 0,6% foi
observada nas ocorrências de roubo e de furto, que totalizaram 509.978
registros, ou um desses crimes a cada minuto no Brasil. Se somados com
os números de 2014, o dado ultrapassa a marca de 1 milhão de veículos
tomados pela criminalidade.
Apesar de liderar os registros em números absolutos, com 189,4 mil
ocorrências dessa natureza, o Estado de São Paulo conseguiu reduzir
esses crimes em 14,5% entre 2014 e 2015, e uma taxa de 711 roubos por
100 mil veículos. A taxa mais baixa está em Roraima: 370.
Cinco estupros acontecem por hora no País
O Brasil registrou 45.460 casos de estupro em 2015, ou cinco
ocorrências por hora. Apesar de representar uma retração em relação a
2014, quando foram registradas 4.978 ocorrências a mais, o patamar é
considerado preocupante pelos especialistas e pode ser muito maior.
De acordo com o levantamento, metodologia aplicada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) permite estimar que os casos sejam
até dez vezes mais frequentes, chegando a 454 mil agressões.
“O crime de estupro é aquele com a maior taxa de subnotificação,
então é difícil avaliar se houve uma redução da incidência”, disse a
diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira
Bueno. “Pesquisas de vitimização indicam que os principais motivos para
não reportar o crime às polícias são o medo de sofrer represálias e a
crença que a polícia não poderia fazer nada.” (AE)
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