Em mais um ano, a chuva não caiu. O
vento não corre e o sol de 37° castiga o cidadão de Iguatu, cidade
distante 380 quilômetros de Fortaleza. Na capital do algodão dos anos 80
e popularmente conhecida por “Terra das Lagoas”, o cenário é de terra
batida. Não há água e a produção agrícola é escassa. Sofre gente, sofre o bicho.
Até agosto de 2016, as mais de 6 toneladas de produção de alimentos
esperadas não chegaram a 3, gerando uma perda de 52,8% segundo dados da
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce),
além de um prejuízo de R$ 3,4 milhões para a economia local.
“O milho e o feijão não renderam. O arroz
que historicamente rendia bem, também não teve colheita. A banana foi
quem ainda salvou”, diz Joaquim Virgolino de Oliveira, coordenador
regional da Ematerce em Iguatu.
Neste ano, a chuva na cidade ficou 19% abaixo da média, que é de 933 milímetros.
De acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos
(Funceme), esse ano não foi dos piores, mas bem abaixo do volume de
precipitações de 2010, quando foram registrados 1.357 mm.
Em 2016, de julho a novembro, São Pedro nem sequer trabalhou, apesar de
os meses de janeiro e março terem registrados chuvas acima da média
mensal, que é de 128 mm.
Apesar tudo, a esperança começar a surgir. Nas localidades de Aroeiras e
Riacho da Areia, agricultores familiares já estão colhendo cebolinha,
cenoura, alface, beterraba e coentro. Além de ajuda na mesa, o bolso dos
agricultores vem ganhando alívio. Tudo isso por conta de um sistema de irrigação feito com palito de pirulito, prego e arame.
Palito, prego e arame
A inovação foi criada por estudantes do curso de Tecnologia em
Irrigação e Drenagem do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFCE) da cidade de Iguatu. Chamado de projeto Mudas,
o sistema é aplicado em comunidades rurais, associações e escolas
municipais, visando a melhoria da qualidade de vida, através de técnicas
de produção segura e sustentável, uso eficiente da água, redução na
perda de alimentos, promoção da educação nutricional e comercialização.
Após as pesquisas iniciadas em 2014, o Mudas já começou a transformar a
vida de agricultores da região. “Comandamos ações baseadas em um
planejamento que envolve capacitações técnicas, produção de alimentos,
comercialização de produtos além de um feito incrível que é a criação de
duas tecnologias inovadoras conhecidas como Pirotec e Irrigas, duas
maneiras mais baratas que o convencional de irrigar e controlar a
umidade no solo”, explica o líder do time Enactus IFCE Iguatu, Kevin
Brasil, técnico em Irrigação e Drenagem e também estudante de Química.
O Pirotec é o sistema em si produzido com prego, palito de pirulito e arame. Ele é 95% mais barato
que outros sistemas de irrigação de baixo custo disponíveis no mercado.
Já o Irrigas, é o sensor de umidade criado com madeira e seringas com
um custo de R$ 8.
Neste ano, a área de 502 metros quadrados irrigada com o projeto Mudas
já beneficiou 8 famílias com uma renda extra de R$ 880. Além disso, as
20 mulheres passaram por um treinamento de produção de polpas, doces e
geleias. Como ramificação do projeto, alunos da escola Marta Maria
Sobreira e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de
Iguatu receberam palestras sobre alimentação e reciclagem.
Para 2017, Kevin Brasil e sua equipe querem ir mais longe. “Iremos
mecanizar a produção de aves para essas famílias. Já desenvolvemos uma
chocadeira artesanal 25% mais barata que a de mercado. Outro fato
importante será o empoderamento das mulheres através de uma fábrica de
doces, polpas e geleias e, por último, iremos distribuir o Pirotec e o
Irrigas para mais de 3.000 famílias de todo Ceará”.
Composição
O projeto conta com a participação de 18 estudantes, 8 professores
conselheiros e 11 pessoas que fazem o suporte, todos do Instituto
Federal da cidade. Entre os colaboradores, está a estudante do curso de
Tecnologia, Irrigação e Drenagem, Anna Ysis de Gomes, de 23 anos, cuja
contribuição no projeto lhe rendeu, além de uma bolsa para estudar em
Portugal, uma premiação internacional.
“Ações como essas impactam no social com relação a distribuição de renda, no econômico com relação ao empreendedorismo e no ambiental com relação a preservação dos recursos naturais” Anna Ysis de Gomes, estudante
“Fui umas das primeiras integrantes do time Enactus, desde a fundação
até hoje, e faço parte não só no projeto Mudas mas de todos os outros
projetos desenvolvidos pelo time. Ter participado do concurso
internacional Pensamento Criativo realizado pelo IPB (Instituto
Politécnico de Bragança) em convênio com a Universidade da Geórgia (EUA)
foi um grande avanço, visto pelo lado de divulgação do projeto, do
nosso trabalho, da realização pessoal e da importância do voluntariado,
além de ter vencido trazendo o título para o nosso país e o
reconhecimento de todos”, comenta.
Vidas transformadas
Filha de agricultores, Anna Ysis acredita que o Mudas ajuda a empoderar
pessoas e melhorar a qualidade de vida daqueles que antes não tinham
condições de aumentar renda, pois não possuíam instrução técnica para
começar.
“A agricultura familiar é considerada de pequeno porte, e na maioria
das vezes, se conduzida de forma correta, é importante em razão do papel
dos pequenos produtores na produção de alimentos não só na comunidade,
mas no geral e da crescente preocupação da sociedade com os impactos das
atividades humanas no meio ambiente. "Ações como essas impactam no
social com relação à distribuição de renda, no econômico com relação ao
empreendedorismo e no ambiental com relação à preservação dos recursos
naturais”, explica a jovem estudante.
Para a estudante, projetos como este podem servir de incentivo para
outros alunos, dos mais diversos cursos. “Todos, independentemente da
formação, podem contribuir para o mundo se tornar melhor, fazer trabalho
voluntário melhora a qualidade vida do beneficiado e do que está
praticando a ação. Para mim, ser voluntária no time Enactus IFCE Iguatu,
me possibilitou ser uma pessoa melhor, fazer a vida de pessoas mais
felizes, pois elas veem que existem pessoas que se importam com elas, e
além disso me possibilita praticar tudo que aprendi na graduação”,
finaliza Anna.
Reconhecimento
Neste mês de dezembro, os jovens empreendedores sociais venceram o IV Prêmio Nufarm de Consciência e Ética no Agronegócio.
A equipe responsável pelo Mudas recebeu como prêmio R$ 5 mil além de um coaching da KPMG que auxiliará o time no próximo ciclo.
Os alunos de Iguatu concorreram com outros cinco projetos que chegaram à
fase final da competição. Universitários da Faculdade Leão Sampaio
levaram para o evento o projeto Viver da Terra ficando na segunda
colocação recebendo um prêmio de R$ 3 mil.
Já os alunos do IFCE Maracanaú mostraram em Fortaleza o SusAgri, e
ficaram na terceira colocação, levando um prêmio de R$ 2 mil além do
prêmio de melhor foto, que reconheceu a imagem que melhor representou a
premiação.
O quarto lugar ficou com a equipe da Universidade Federal do Cariri (UFCA) e o quinto com o IFCE Juazeiro do Norte.
Desenvolvimento
Para a professora e diretora de Pesquisa, Extensão e Produção do campus
Iguatu, Maria Eliani Coelho, o incentivo ao empreendedorismo e inovação
é uma forma de preparar o aluno para o futuro, porém, não só para si
mesmo, mas também para a sociedade.
Para o gestor de implantação da Incubadora de Empresas de Iguatu (INEI)
do IFCE Iguatu, Paulo Parente, o ensino na instituição atua inspirando,
mas também incentivando ideias de negócios, de cunho inovadores.
"O principal projeto de incentivo ao empreendedorismo inovador
refere-se às incubadoras de empresas. Hoje, há a incubadora de empresas,
no campus Fortaleza, no entanto há projetos de implantação de
incubadora de empresas nos campi de Acaraú, Aracati, Iguatu e Tianguá",
detalha. Segundo ressalta, em 2015, foram elaborados planos de negócios
com a proposta de criação de incubadora de empresas nos campi, que
tiveram planos de negócio aprovados. Atualmente, os campi já estão em
processo de implantação das incubadoras com editais abertos para
recebimento de propostas e/ou ideias de negócios inovadores.
O incentivo ao empreendedorismo e à inovação são marcas do IFCE (FOTO: Reprodução)
No atual período, quando a crise
econômica enxuga os empregos, a existência de uma universidade
empreendedora é uma grande oportunidade para jovens com ideias
transformadoras, evitando que o único destino de profissionais
recém-formados seja uma empresa privada, por exemplo.
“Parte representativa dos estudantes que
saem dos cursos técnicos e superiores se direcionam para o mercado de
trabalho, atuando, principalmente, em empresas privadas. De fato, há a
necessidade das instituições de ensino atuarem diretamente no processo
de fomento ao empreendedorismo. O empreendedorismo se torna mais
presente quando a demanda por emprego se apresenta muito superior à
oferta de emprego. Nesse sentido, as instituições de ensino podem
fomentar o empreendedorismo de diferentes formas. A forma mais econômica
para a instituição de ensino fomentar o espírito de empreendedorismo
nos estudantes refere-se à ampliação da utilização do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) para o desenvolvimento de planos de negócios ou
ideias empreendedoras inovadoras. Outra forma bastante comum são as
incubadoras de empresas, estas, por sua vez, representam uma ação de
cunho pedagógico, que oferece suporte aos alunos e egressos de cursos
regulares da instituição”, explica Paulo Parente.
Conforme ainda o gestor de implantação
da INEI, a incubação de empresas oriundas dos centros universitários tem
por objetivo o desenvolvimento de ideias e transformá-las em
oportunidade de geração de negócios inovadores, que intentem atender ou
induzir as demandas do mercado. Dessa forma, o fortalecimento de ideias
de negócio é realizado, majorando o empreendedorismo nos estudantes,
gerando novas empresas e gerando emprego, minimizando alguma
potencialidade de crise de empregabilidade.
No IFCE, segundo o diretor de ensino do campus Iguatu, Joaquim Branco, a
missão é produzir, disseminar e aplicar os conhecimentos científicos e
tecnológicos na busca de participar integralmente da formação do
cidadão, tornando-a mais completa, visando sua total inserção social,
política, cultural e ética. “A estrutura de ensino é voltada para
produção de tecnologia e processos que possam contribuir para resolução
dos desafios que se fazem presentes em nossa sociedade”, comenta.
Oportunidades
Atualmente, o Instituto possui parceria com outras instituições que
incentivam o empreendedorismo e a inovação. No momento, ele está
engajado com a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação (Embrapi). Essa
nova empresa, nos moldes da sua coirmã, EMBRAPA, vai se concentrar no
fomento à inovação.
Paralelamente, o IFCE, campus Iguatu, está implantando uma incubadora
de empresas, cujo público-alvo são especialmente os discentes em fim de
curso e público interessado.
Projeto Mudas promete colher mais frutos em 2017. (FOTO: Reprodução)
Por
Felipe Lima
Fonte: Diário do Nordeste
COLABORAÇÃO:
Fernanda Siebra - Edição de Vídeo
Wanessa Rodrigues - Programação
Ronaldo Freitas - Infografia
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