O número
representa menos de 8% do total de postos como os de presidente, premiê ou
monarca
No dia 8 de
março de 2017, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) promove o 40º Dia
Internacional pelos Direitos da Mulher, há 25 mulheres exercendo cargos de
chefes de Estado ou de Governo no mundo.
Esse número,
que iguala o de 2014, é o maior desde 1960, quando Sirimavo Bandaranaike, foi a
primeira mulher escolhida como primeira-ministra de um país, o Sri Lanka.
De acordo
com a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, essa evolução
gradativa na representatividade da mulher nos governos nacionais "é
produto da luta das mulheres, sobretudo nos últimos quarenta anos, e de acordos
internacionais que tem buscado promover democracias igualitárias ao redor do
mundo, por meio de cotas para estabelecer uma participação mínima de mulheres
em partidos e parlamentos". Ela destaca que a região da América Latina
está entre as que registraram mais avanços e hoje tem, em média, 25% de
mulheres nos parlamentos do subcontinente. Nesse contexto, contudo, o Brasil é
exemplo negativo, com apenas 10% de representatividade parlamentar feminina,
ficando à frente apenas de Haiti e Belize. A América Latina possui quatro
mulheres chefes de Estado ou de Governo, três das quais governam ou representam
países caribenhos. Na porção continental da região, apenas o Chile tem uma
mulher presidente, a socialista Michelle Bachelet.
Índice é
baixo
O aumento da
presença feminina nos postos máximos de poder, nas quase 200 nações do mundo,
contudo, ainda representa um percentual muito aquém do que seria possível,
considerando o total de cargos como esse à disposição.
São cerca de
350 chefes de Estado ou de governo, no total, o que significa dizer que menos
de 8% deles são ocupados por mulheres. Em contrapartida, no conjunto da
população humana, as mulheres representam pouco mais de 49% do total.
Segundo a
socióloga e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Clara
Araújo, "as mulheres, historicamente, não tinham participação política até
muito pouco tempo atrás e o padrão dos sistemas políticos na maior parte do
mundo ainda é essencialmente machista". Ela se diz favorável ao sistema de
cotas para participação feminina na política, com algumas ressalvas, mas
acredita que desenvolver ações para promoção da igualdade de gênero e promover
uma maior democratização dos espaços políticos, de um modo geral, pode ser mais
efetivo para que mais mulheres ascendam aos postos de comando em seus
respectivos países.
"As
ações afirmativas têm proporcionado experiências benéficas na América Latina,
para que elas possam competir em condições mais igualitárias, por exemplo. Mas
a Suécia nunca teve cotas e lá há um parlamento bem mais igualitário que aqui.
Na Suécia, as crianças têm aulas de atividades domésticas, por exemplo. Então é
algo que será resolvido na base social".
Já a
defensora pública, presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-CE e membro
do Comitê Latino-Americano e do Caribe dos Direitos da Mulher, Mônica Barroso,
considera que as mulheres que chegam a cargos de poder sofrem tanto ou mais com
o fenômeno do machismo que as demais mulheres e cita os exemplos dos
impeachments das presidentes do Brasil, Dilma Roussef, e da Coreia do Sul, Park
Geun-hye, como processos políticos que afloraram manifestações misóginas.
"As sociedades machistas não admitem mulheres no poder", afirma.
Ela também
defende o uso de políticas afirmativas para aumentar a representatividade da
mulher no poder. "Nos países onde existem os sistemas de cotas, temos a
participação média de 21,7% de mulheres nos parlamentos, naqueles que não tem
esse sistema, temos 11,8% de representação feminina".
Entrevista
com Clara Araújo (Socióloga e professora da Uerj)
A que pode
ser atribuído o aumento no número de mulheres exercendo cargos de chefes de
estado ou de governo no mundo, nas últimas seis décadas?
O avanço que
ocorreu nas últimas décadas, eu não tenho dúvida de que foi muito em
decorrência da luta das mulheres da luta feminista. Elas colaboraram não apenas
por meio do voto, mas realmente conquistaram esse espaço com ações que se
intensificaram, principalmente na década de 1960. Aliás, uma das marcas mais
fortes que tivemos no século XX foi a luta feminista.
Então, o
aumento no número de mulheres na política e em postos de poder vem da luta
delas. Aqueles que estão em condições de exclusão são os que mais tem interesse
em transformar a sociedade. Nesse contexto, acho que duas ideias marcaram essa
luta no mundo. A primeira foi a de direitos iguais que deu a ilusão de que a
cultura machista não fosse tão arraigada.
Você entrou no século XX, com o um crescimento grande da participação
feminina no mercado de trabalho, por exemplo, mas isso não significa que elas
não sofram os efeitos dessa cultura no trabalho. A outra ideia era da chegada
ao poder, mas a questão central do poder dito como democrático é que ele envolve
processos de disputas. Nesse contexto, algumas questões afetam direta ou
indiretamente as mulheres.
As
feministas pensavam que essa dimensão cultural tivesse menos impacto no
contexto da disputa de poder, mas ela ainda se manifesta porque as sociedades,
de um modo geral, ainda têm muito forte os valores de divisões de papéis, de
quais são os papeis de homens e de mulheres. E às mulheres ainda é muito
imputado o papel de cuidar casa, como se isso não fosse uma responsabilidade
também dos homens. Então, nessa divisão as mulheres acabam avaliando essa
relação custo-benefício antes de entrar na política, porque quando elas entram
na política ou no mercado de trabalho acabam ficando com mais horas trabalhadas
que os homens.
Como uma
mulher entra na política? Quanto menos democrático for um processo de inserção
política, mais familista será essa entrada da mulher na política. Serão as
mulheres, as filhas de políticos que entrarão para a vida pública na concepção
de herdeiras.Esse é um caminho pelo qual muitas mulheres tem entrado na
política.
O outro
caminho é através da participação em alguma atividade social, como em um
sindicato, associação empresarial, ou na vida religiosa. Aqui no Brasil, por
exemplo, é muito forte a inserção de pastoras que acabam enveredando pela
carreira política. Mas nos dois casos essas mulheres se defrontam com muitos
obstáculos. Se ela trabalha politicamente, ela ainda tem que cuidar de casa.
Então, do ponto de vista da ocupação de espaço político ainda há muitas
dificuldades que as mulhere enfrentam.
Outro
aspecto é o financeiro. Ainda que você nao tenha uma militância ou que não seja
herdeiro de uma tradição familiar política, se você tiver dinheiro pode ter uma
oportunidade de entrar na políticas, mas esse dinheiro também não é distribuído
de forma igual entre homens e mulheres. Os próprios esquemas de distribuição de
dinheiro nos partidos, por exemplo, são menos democráticos em relação as
mulheres. Quando você analisa as prestações de contas no Brasil, geralmente nas
campanhas das mulheres é gasto menos dinheiro. Do ponto de vista histórico, o
dinheiro não era acessível às mulheres até muito pouco tempo atrás, na maior
parte do mundo, então as mulheres, em média, permanecem tendo menos dinheiro
que os homens. A proporção de mulheres muito ricas é menor.
Um outro
complicador é o sistema de votação. Os sistemas parlamentaristas permitem maior
rotatividade que o presidencialismo. Então, há uma tendência de que em sistemas
parlamentaristas haja uma inserção maior da mulher na política.
Em resumo,
porque as mulheres não ocupavam espaço político no passado, na medida em que
elas largaram com desvantagem em relação aos homens elas ainda não conseguiram
uma inserção maior nos espaços políticos hoje. Além disso, como as mulheres,
historicamente, não tinham participação política até muito pouco tempo atrás o
padrão dos sistemas políticos na maior parte do mundo ainda é essencialmente
machista
Como os
países e a sociedade, de um modo geral, pode incentivar e aumentar a participação feminina na política?
Porque ainda é tão pouco expressiva a quantidade de mulheres em cargos como os
de ministras, senadoras, deputadas, vereadoras, governadoras, prefeitas e
juízas no mundo.
A política
não é matemática. Embora dê para fazer estatísticas sobre a inserção da mulher
do ponto de vista parlamentar e criar mecanismos para aumentá-la, os países em
que as mulheres tendem a ter desempenho melhor são aqueles cujas sociedades
vivem em contextos de maior igualdade de gênero.
As ações
afirmativas têm proporcionado experiências benéficas na América Latina, para
que elas possam competir em condições mais igualitarias, por exemplo. Mas a
Suécia nunca teve cotas e lá há um parlamento bem mais igualitário que aqui. Na
Suécia, as crianças têm aulas de atividades domésticas, de economia doméstica.
Então é algo que não será resolvido só na cupula da estrutura política, mas na
base da sociedade.
Em geral, as
crianças veem nas propagandas de carro e de celular, por exemplo, uma imensa
maioria de figuras masculinas. Quer dizer, isso está muito arraigado nas
diversas sociedades. A política não é um elemento isolado, você reproduz o
mundo exterior no sistema político. E outra coisa fundamental para ampliar a
inserção da mulher é a democratização da política, que passa por uma maior
desmonetarização das campanhas. Esse excesso de dinheiro nas campanhas tem
afetado todo mundo e em especial as mulheres.
Além disso,
a política está bastante desacreditada e com isso só entra nela ou quem tem
algum interesse escuso ou uma parte menor que está realmente comprometida com a
vida política.
Esse
afastamento das pessoas da política, impacta ampliando uma desigualdade de
gênero que já existe na sociedade.É preciso fazer as pessoas acreditarem na
política.
Quando a
mulher passa pela política, ela enfrenta além do descrédito que a classe
política já sofre, a reprodução da desigualdade de gênero e do machismo. É fato
que você tem um conjunto de países que são extremamente conservadores, em que o
modelo de familia é uma família tradicional e que nessa família haja uma
divisão de papeis. Em nível global, há um sentimento conservador muito grande e
a questão do machismo se inclui nesse processo.
Essa
campanha dos EUA, por exemplo, foi muito marcada pelo machismo. Você tinha um
indivíduo extremamente machista como candidato e ele ainda acabou vencendo.
Isso se insere em um processo conservador mais amplo. O gallup fez uma
pesquisa, quando o Obama foi eleito perguntando se as pessoas preferiam votar
em um negro ou em uma mulher e a maior parte do eleitorado preferia votar em um
candidato negro.
Pelo menos
dois grandes países governados por mulheres sofreram ou estão sofrendo
processos de impeachment, o Brasil e a Coreia do Sul. Em alguma medida, esses
processos tiveram contaminação ou influência de fenômenos sociais machistas? A
mulher chefe de estado ou de governo também é sujeita ao machismo que as demais
mulheres enfrentam?
Quanto a
essa questão, eu não tenho dúvida. Elas chegam ao poder através do voto e da
eleição, mas continuam enfrentando o machismo mesmo depois disso. O processo em
que ocorreu o impeachment da ex-presidente Dilma tem que ser muito estudado e é
estarrecedor porque a crítica à presidente nao ocorreu fundamentalmente por
conta de uma desqualificação dela como política competente ou não, mas esteve o
tempo inteiro associada ao fato de ela ser mulher.
As charges
que fizeram sobre ela foram mais que sexistas foram pornográficas. O Trump, por exemplo, é objeto de caricatura,
mas não uma caricatura relacionada ao fato de ele ser homem, mesmo ele
representando uma figura extremamente machista. Já as caricaturas contra a
Dilma eram representações que marcavam o corpo dela como não sendo aquele com o
padrão ideal de beleza, era retratado com aspecto masculino e chegou-se a apelar
para o mau gosto da pornografia.
Na Coreia do
Sul, embora a presidente tenha sido acusada de corrupção, me parece que é como
se houvesse um nível de exigencia dobrada. Um nível que se cobra a mais que
aquele que se cobraria se fosse um homem envolvido. É como se as mulheres
tivessem que fazer mais. O nível de exigência se eleva para que elas possam
obter o mesmo nível de reconhecimento que os homens.
Np caso da
Cristina Kirchnner, na Argentina, embora ela não tenha sofrido impeachment, mas
ela sofreu muita pressão política. Em um primeiro momento ela foi retratada
apenas como uma mulher que substituiu o marido. Depois passou a ser mostrada
como uma perua, como uma pessoa que se vestia de forma exagerada.
Por Adriano Queiroz - Editor-assistente
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