Obra chega ano que vem aos cinemas
Zeneida (Carolina Oliveira) e Antonio (Thiago Martins) se apaixonam no filme “Encantados”
SOURE, PARÁ. O relógio marcava pouco mais de 19h na praça Independência, em Soure, e as 850 cadeiras reservadas para os moradores do município, situado na ilha de Marajó, no Pará, já estavam quase todas ocupadas. Meia hora depois, não se viam mais assentos disponíveis, e a solução era trazer acomodações de casa ou ficar em pé por ali mesmo. Houve quem resolvesse, inclusive, assistir à pré-estreia do filme “Encantados” atrás do telão em que foi projetada a película.
Tamanha atenção à obra não era para menos. No último sábado (18), a cidade, com cerca de 25 mil habitantes, recebeu pela primeira vez uma sessão de cinema de grande estrutura. A estimativa é que cerca de 2.000 pessoas tenham comparecido à exibição do longa da diretora gaúcha Tizuka Yamasaki (“Aparecida: O Milagre” e “Xuxa Popstar”). Depois de Soure, o filme estreia no dia 7 de dezembro, em Belém, capital paraense, e deve chegar às salas de cinema do resto do país, inclusive Belo Horizonte, no primeiro trimestre do ano que vem.
Mas aquela não foi uma sessão de um filme qualquer. A maior parte da obra, coproduzida pela Globo Filmes e pela Scena Filmes, foi filmada em Soure, onde só é possível chegar via embarcação. A cidade fica a duas horas de lancha de Belém e é conhecida pela indescritível beleza da costa de areia branca banhada pelo rio Pará, a oeste da foz do rio Amazonas. É nesse reduto de belezas naturais que nasceu e mora a mulher que inspirou a produção: a pajé dona Zeneida Lima, 83.
“Encantados” narra a história real de Zeneida, interpretada por Carolina Oliveira, que, ainda na adolescência, descobre-se pajé. O filme acompanha as transformações na vida da garota, que vão desde sua própria incompreensão sobre seus dons, passando pela não aceitação da família diante de sua misticidade, até a descoberta de seu primeiro amor. Na trama, Zeneida é uma das oito filhas de Zezé (Letícia Sabatella), que, acompanhadas da empregada Cotinha (Dira Paes), precisam se mudar de Belém para Soure sob ordem do pai, o advogado Angelino (José Mayer).
Lá, Eneida conhece o misterioso Antonio (Thiago Martins), por quem se apaixona, precisa escapar das investidas do capataz Fortunato (Anderson Müller) e recebe ajuda para descobrir a pajelança por meio dos ensinamentos de mestre Mundico (Ângelo Antônio), um dos pajés da ilha de Marajó. “Eu já fiz curupira, padre, budista, espírita… Então, já estou habituado a esse tipo de papel. Mas, para fazer esse tipo de papel, é preciso estar completamente dentro da crença. Não se pode trabalhar com força física, tem que trabalhar com emoção”, diz Antônio. O artista, aliás, foi o único do elenco a comparecer à pré-estreia.
Demais atores, como Dira Paes e Thiago Martins, estão envolvidos em outros trabalhos e gravaram vídeos exibidos antes da sessão como forma de justificar a ausência.
Munidos de pipoca, o público acompanhava o filme sem desviar o olhar. Entre uma cena e outra, era possível ouvir um burburinho de quem reconhecia o lugar exibido na tela ou de quem se surpreendia com a atitude de um ator ou outro. E se alguém que estava de pé esperava que outra pessoa sentada se levantasse e deixasse a cadeira livre, não pôde contar com essa atitude: o público acompanhou em peso a obra, sem se deixar abater pelo calor úmido ou pelos mosquitos que ali rondavam.
Força da natureza. Tizuka usou o livro “O Mundo Místico dos Caruanas da Ilha do Marajó”, autobiografia de Zeneida, como ponto de partida para a construção do filme. A diretora conta que, no primeiro momento que teve acesso à obra, não deu importância. “A Zeneida me viu em uma entrevista na televisão, me deu o livro, mas eu dei uma desprezada. Até que o Anderson Müller me mostrou o samba-enredo que a Beija-Flor fez para a Zeneida e me levou até a casa dela. Saí de lá e falei: ‘vou fazer esse filme’”, relembra Tizuka, em coletiva de imprensa realizada em Soure.
“Na época, choveu muito, e minha casa encheu-se de lama. Hoje, eu acho que foi a Zeneida quem mandou aquela chuva, porque, até então, eu não tinha sensibilidade para esse universo que envolve a natureza”, pontua.
A cultura indígena é pano de fundo do filme, e a relação entre ser humano e natureza é apresentada durante toda a narrativa da obra. Zeneida é neta de uma indígena e descobre seus dons por meio das visões que têm dos caruanas, força da natureza manifestada nas águas, quando tinha apenas 11 anos. A obra de Tizuka representa essa fase na vida de Zeneida por meio de metáforas. Ianga, por exemplo, a maior força da natureza, é representada por uma borboleta azul. “Eu queria que o filme não fosse didático, porque o didático é chato. Por isso, o filme foi muito difícil em termos de concepção. Quem lê o livro, não encontra as cenas dele no filme. A minha preocupação era passar o lado místico”, pontua Tizuka.
A diretora conta também que a água foi o principal elemento para preparar o elenco para a obra. “Os atores precisavam ter esse sentimento com a água. O Thiago (Martins), por exemplo, estudou movimentação corporal para isso. A Carol (Oliveira) também fez uma série de preparações. No momento em que vi os atores já brincando dentro da água, pensei: ‘estou no caminho certo’”, comenta a diretora.
LAURA MARIA
ENVIADA ESPECIAL
A jornalista viajou a convite da produção do filme.
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