Nomeação do ex-presidente para o ministério, apesar das evidências acumuladas pela Operação Lava Jato, é um ato de desespero
Há algo errado quando o sistema político permite, e o modo de agir dos
políticos acha correto ou tolera, a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à posição de ministro-chefe da Casa Civil.
Basta olhar o fato por um ângulo impessoal. A presidente de um país
decidiu entregar o cargo mais importante de seu governo a um político
que é investigado, suspeito de receber favores de empresas participantes
de um esquema de desvio de recursos durante seu governo – e que, nos
últimos dias, foi acusado também de tentar atrapalhar as investigações
relativas a isso. No olhar dos políticos: tem problemas com a Justiça?
Consiga um cargo de ministro, guarde-se embaixo da asa do governo, para
ter o (pretenso) privilégio de seus possíveis desvios de conduta serem
examinados pelo Supremo Tribunal Federal. Mas o sistema legal permite
isso e, para os políticos brasileiros, é aceitável. É esquisito, mas
nós, os brasileiros, vivemos assim.
A nomeação de Lula é o que parece: um ato de desespero do governo Dilma. A presidente não tem mais a quem ou a o que recorrer. A missão dada a Lula é salvar o governo. Seu primeiro passo será entrar de cabeça na política e, num primeiro momento, tentar evitar que o PMDB abandone de vez o governo – algo muito difícil. As evidências levantadas pela Operação Lava Jato dilapidaram seu patrimônio político. Lula não tem mais aquela popularidade que desfrutava há um ou dois anos. Pior, o terreno está ruim. Até a parte do PMDB que relutava em sair do governo já está convencida que o governo Dilma está em estado terminal. Outros não querem nem ouvir falar nisso.
Lula também tem pouco a oferecer em termos econômicos, em um cenário de
crise. Sua ideia de liberar crédito, inundar o mercado com dinheiro
público para reativar a economia como foi feito em 2008, soa como
suicídio. Prova disso que o mercado financeiro – longe de ser um
oráculo, mas sempre um bom termômetro de expectativas – reage mal desde
ontem a essa possibilidade. Fazer isso é levar o governo ao erro que
jogou o Brasil na atual recessão. É difícil crer que Lula poderá evitar o
caminhar do processo de impeachment na Câmara. Como amante do futebol,
Lula sabe que entra tarde no jogo, com o joelho machucado, muito
marcado, seu time é fraco, o técnico é interino e a partida acontece na
casa do adversário contra uma torcida selvagem.
A primeira consequência dentro do governo é que Dilma se tornará uma figura decorativa. A presidente, que até aceita a mudança para o regime semiparlamentarista, passará a viver assim a partir desta quarta-feira. Difícil acreditar que alguém obedecerá Dilma dentro do Palácio do Planalto,
se Lula está naquele gabinete do 4º andar. Ele resolve. Ninguém no
Congresso falará com Dilma, sempre refratária à política, se pode tratar
diretamente com Lula, o homem que manda no PT do modo que quiser. Na
prática, Dilma deixa de ser presidente para voltar a ser ministra de
Lula. Os brasileiros que nela votaram tem de ter essa consciência. A
aparência indica que Dilma e alguns à sua volta acreditam que é melhor
sujeitar-se a isso que sofrer o impeachment. No caso, nem isso está garantido.
Fonte: globo.com
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