Ao receber da Câmara o processo de impeachment, o presidente do Senado ganha poder sobre o tempo de sobrevivência de Dilma – e dele próprio
Por: MARCELO MOURA
"Nós não podemos agilizar o processo de tal forma que pareça atropelo
ou delongar de tal forma que pareça procrastinação”, disse José Renan
Vasconcelos Calheiros (PMDB-AL) ao receber as 12.044 páginas do pedido
de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff. Como presidente do Senado, cabe a ele conduzir a partir de agora o processo aprovado pela Câmara dos Deputados com 367 votos (72% do total). Entre o atropelo e a delonga vai oscilar, nos próximos meses, o relógio de Renan Calheiros.
Sob sua condução, a Casa pode arquivar o impeachment ou afastar a
presidente, provisoriamente ou de vez. Está em suas mãos o tempo de
Dilma à frente do país.
Na Câmara dos Deputados, conduzida pelo presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
o tempo voou. Cunha marcou sessões plenárias às segundas e
sextas-feiras, dias pouco usuais no calendário do Congresso, para correr
o prazo da defesa. Virou madrugadas – a discussão do parecer do
impeachment se deu na sessão mais longa da história da Casa, com 35
horas. Marcou a votação do impeachment para um domingo. Entre a eleição
da comissão do impeachment e a votação que carimbou a faixa
presidencial de Dilma, passou-se um mês. Cunha pediu pressa a Renan, seu
desafeto, ao entregar o processo ao Senado. “A partir do momento em que
a Câmara autorizou a abertura, a demora é prejudicial ao país, porque
você está com um governo que é um meio governo. Ou ele vira de novo o
governo ou deixa de ser governo”, afirmou Cunha. “Quanto mais o
presidente da Câmara tentar interferir no ritmo de andamento do processo
no Senado, sinceramente, ele só vai atrapalhar”, disse Renan. Ninguém
deve esperar do Senado a mesma rapidez da Câmara. Como o país viu pela
televisão durante a votação histórica, os 513 deputados formam um
colegiado jovem e de densidade política relativamente baixa. O Senado
forma uma casta distinta. Em suas 81 cadeiras há ex-governadores,
ex-ministros e um ex-presidente. São menos sensíveis à influência das
ruas ou às pressões do presidente da Casa, seja para acelerar ou atrasar
o passo. Ao determinar o rito do impeachment, o Supremo Tribunal
Federal (STF) reduziu a margem de interferência de Renan a um ajuste
fino. Ainda assim, o ajuste fino conta muito.
O passo mais célere tende a favorecer o vice-presidente, Michel Temer, do PMDB de São Paulo, que mantém uma disputa com Renan em relação ao futuro do partido. Temer já começou a sondar nomes para seu ministério. Dilma, se pudesse, faria o tempo parar – ou voltar... A votação final do impeachment será conduzida pelo presidente do STF – Ricardo Lewandowski, até agosto, ou Cármen Lúcia, considerada mais linha-dura, a partir de setembro. A demora na cassação de Dilma pode dar tempo para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgar – e, eventualmente, cassar – não apenas Dilma, mas também Temer, por crime eleitoral. Se ocorrer em 2016, a cassação da chapa levará à convocação de novas eleições diretas. Se ocorrer a partir de 2017, levará a eleições indiretas, com um presidente escolhido pelo Congresso. É tudo uma questão de tempo. E o tempo está nas mãos de Renan. Dilma sabe disso e convidou o presidente do Senado para uma conversa a portas fechadas, por dez minutos, uma hora e meia depois de ele receber o processo no qual ela é acusada. Os dois disseram ter conversado sobre o rito do impeachment. Se o assunto era apenas esse, Dilma poderia conhecer o cronograma pela imprensa. Ou os dois poderiam se encontrar de porta aberta, para evitar a impressão de que estavam acertando ponteiros.
O passo mais célere tende a favorecer o vice-presidente, Michel Temer, do PMDB de São Paulo, que mantém uma disputa com Renan em relação ao futuro do partido. Temer já começou a sondar nomes para seu ministério. Dilma, se pudesse, faria o tempo parar – ou voltar... A votação final do impeachment será conduzida pelo presidente do STF – Ricardo Lewandowski, até agosto, ou Cármen Lúcia, considerada mais linha-dura, a partir de setembro. A demora na cassação de Dilma pode dar tempo para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgar – e, eventualmente, cassar – não apenas Dilma, mas também Temer, por crime eleitoral. Se ocorrer em 2016, a cassação da chapa levará à convocação de novas eleições diretas. Se ocorrer a partir de 2017, levará a eleições indiretas, com um presidente escolhido pelo Congresso. É tudo uma questão de tempo. E o tempo está nas mãos de Renan. Dilma sabe disso e convidou o presidente do Senado para uma conversa a portas fechadas, por dez minutos, uma hora e meia depois de ele receber o processo no qual ela é acusada. Os dois disseram ter conversado sobre o rito do impeachment. Se o assunto era apenas esse, Dilma poderia conhecer o cronograma pela imprensa. Ou os dois poderiam se encontrar de porta aberta, para evitar a impressão de que estavam acertando ponteiros.
Na primeira semana do impeachment no Senado, houve delongas. O rito aprovado pelo Supremo definiu que a comissão seria instalada na mesma sessão em que fosse feita a leitura. Ou seja, na terça-feira, dia 19. Mas não foi assim. A bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) pediu tempo para escolher seus representantes, como se tivessem sido pegos de surpresa pela aprovação do processo na Câmara. Renan achou uma brecha do regimento interno e concedeu um prazo de 48 horas. Mais a quinta-feira, um feriado. Mais a sexta-feira, o fim de semana e a segunda, porque, afinal, no Senado a semana é “TQQ”: terça, quarta e quinta. A oposição protestou. “O Brasil trabalha às segundas”, disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG). Renan concordou em retomar os trabalhos na segunda-feira, dia 25, seis dias após o previsto no rito do Supremo. “Vamos usar até os últimos minutos”, disse o líder do governo no Senado, Paulo Rocha (PT-PA), embora ele assegure que “ninguém quer procrastinar”.
Aparentemente, o pêndulo da condução do impeachment no Senado balança
para o lado de Dilma. Apenas aparentemente. Se hoje Renan parece aliado
da presidente, é em grande parte pela atávica incapacidade do PMDB de
ficar longe do poder, mesmo que seja um poder minguante, e pela
decorrente incapacidade de ficar de um lado só. Se o vice-presidente,
Michel Temer (PMDB-SP), e o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), declararam guerra a Dilma, alguém do partido tinha de
ficar ao lado dela, para a remota possibilidade de o impeachment não
passar. “Foi um movimento pouco calculado”, disse Renan, no fim de
março, sobre a decisão do partido de romper oficialmente e entregar os
cargos no governo – o que não ocorreu por completo até hoje.
Cria do PMDB desde os anos 1970, quando a sigla do partido ainda era
MDB, Renan representa a essência do peemedebismo. Quase nunca à frente e
sempre perto do poder. No governo Fernando Collor, em
1990, foi líder do governo na Câmara. Quando se sentiu traído, acusou o
tesoureiro PC Farias de tocar um governo paralelo no Planalto, abrindo
caminho para o impeachment. No governo Itamar, foi vice-presidente de
uma subsidiária da Petrobras. No governo Fernando Henrique Cardoso,
foi ministro da Justiça. No governo Lula, foi presidente do Senado.
Deixou o posto em 2007, para escapar de seu primeiro grande
escândalo.
No relógio de Renan, há incontáveis complicações. Em 2007, ele foi acusado de receber ajuda financeira de lobistas ligados a construtoras. Entre as despesas, o aluguel de um apartamento e pensão alimentícia para uma filha, nascida de um relacionamento extraconjugal com a jornalista Mônica Veloso. Renan escapou de perder o mandato em uma sessão fechada, com votação secreta. Pediu licença médica, renunciou à presidência da Casa e saiu do holofote. Voltou a presidir o Senado no governo Dilma. Só no âmbito da Operação Lava Jato, Renan tem contra si nove inquéritos por corrupção. Eduardo Cunha, o presidente da Câmara brigado com Dilma, tem três inquéritos na Lava Jato. Por unanimidade, o Supremo votou por tornar Cunha réu. Renan, ainda não. No dia 12, a Procuradoria-Geral da República informou ao Supremo que parte dos crimes atribuídos a Renan no caso Mônica Veloso prescreveu. É tudo uma questão de tempo. E o tempo está nas mãos de Renan.
Fonte: Época.com
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