Assessor de Delcídio conta detalhes de suborno por silêncio de Cerveró




Além de contar como foram os pagamentos, testemunho de Diogo Ferreira fala de articulações para barrar a Lava Jato no STJ

     Por: ANA CLARA COSTA


Uma caixa de sapatos com um buraco, dentro de uma sacola, revelava os maços de dinheiro, R$ 50 mil ao todo. Era a terceira parcela de uma operação de compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Delator em potencial da Operação Lava Jato, Cerveró ameaçava envolver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no escândalo do petrolão. Nem mesmo a voz grave de Lula nos grampos pedindo pressão sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é tão comprometedora quanto a ação para calar um delator. Os detalhes do suborno vieram à tona na semana passada, com a homologação da delação de Diogo Ferreira, ex-chefe de gabinete do senador Delcídio do Amaral, que fora escalado pelo ex-presidente para orquestrar a obstrução à Justiça. Trata-se de uma peça tão recheada e comprometedora que os depoimentos de Ferreira foram incorporados ao texto da denúncia que a Procuradoria-Geral da República apresentará contra Lula, no início de maio.

A delação de Ferreira narra as duas vias pelas quais o governo atuava para tentar sabotar a Operação Lava Jato. Em ambas, segundo o delator, Delcídio era o protagonista e agia sob o comando dos dois principais símbolos petistas, Lula e a presidente Dilma Rousseff. Apesar de não participar das reuniões em que os desmandos eram formulados, Ferreira era informado por Delcídio sobre tudo o que ocorria. Ficava sob sua responsabilidade agendar os encontros para que Delcídio pudesse colocar suas missões em prática. Essa atribuição o fez deslocar-se em três ocasiões a São Paulo, em 2015, para intermediar o pagamento à família de Nestor Cerveró. A descrição minuciosa das incursões ao mundo do suborno é digna de um roteiro de filme policial, com direito a encontros fortuitos em estacionamentos, lobby de hotel e carros em movimento. Foram três repasses de R$ 50 mil entre junho e agosto, patrocinados pelo empresário Maurício Bumlai, filho do pecuarista José Carlos Bumlai, ligado a Lula e preso em Curitiba.

Ferreira relatou com detalhes os encontros ocorridos no perímetro do aeroporto de Congonhas. No primeiro, ele pegou os valores com o motorista de Bumlai, de nome Almeida. O dinheiro estava dentro de uma caixa de vinho no assoalho do carro, estacionado na área de embarque. No segundo, Ferreira encontrou Bumlai no hotel Ibis, em frente ao terminal, de acordo com o relato do delator. Eles foram a uma agência do Bradesco a 20 minutos dali. Bumlai entrou no banco e voltou com um envelope timbrado. Dentro dele estava a mesada da família Cerveró. Uma sacola apareceu na terceira empreitada, em que Ferreira se encontrou com um emissário de nome Alexandre, que o levou a um estacionamento e fez a entrega. Nas três ocasiões, depois de pegar o dinheiro, Ferreira, segundo sua própria narrativa, permanecia nas imediações do local para fazer o repasse do dinheiro a Edson Ribeiro, advogado de Cerveró. Ferreira disse que Delcídio em pessoa chegou a fazer uma entrega a Ribeiro no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo.

Ferreira contou ainda que, em determinado momento, a família pediu a suspensão dos pagamentos porque Cerveró havia decidido delatar. A decisão desencadeou tratativas para dissuadir Cerveró. Ferreira disse que havia outros apoiadores da estratégia, como o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, que segundo Ferreira estava preocupado com a delação de Cerveró, devido a seus negócios com o embandeiramento de postos de combustíveis em São Paulo e operações na África. O BTG adquiriu, em 2013, metade da operação de exploração da Petrobras na África, por US$ 1,5 bilhão, enquanto o mercado calculava o preço em US$ 4 bilhões. Conforme ÉPOCA revelou, a delação do lobista Hamylton Padilha, que participou das negociações, deverá esclarecer a diferença de valores. André Esteves esteve preso, assim como Ferreira e Delcídio.

Ferreira também oferece alguns detalhes que faltaram nos relatos de Delcídio sobre a indicação do desembargador Marcelo Navarro ao STJ, a pedido da presidente Dilma Rousseff. Segundo o depoimento, Delcídio relatou a Ferreira que Dilma dissera a ele, no Palácio da Alvorada, que articulava a nomeação de Navarro ao posto de ministro com o intuito de usá-lo para sabotar a Lava Jato. Ferreira disse ainda que Delcídio citava nominalmente Marcelo Odebrecht como maior beneficiário da estratégia da presidente. O delator narra três visitas de Navarro a Delcídio, além de diversas ligações, deferência que não foi dispensada a nenhum outro candidato da lista tríplice.
Trecho da delação de Diogo Ferreira  (Foto: Reprodução)
Ferreira, que não participava das reuniões dentro do gabinete de Delcídio, relatou que durante um encontro de Delcídio com o então ministro da Justiça e hoje advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, ele foi chamado à sala para informar os números dos habeas corpus dos ex-diretores da Petrobras Nestor Cerveró e Renato Duque. Terminada a reunião, Delcídio disse a Ferreira que a intenção era obter parecer favorável de Navarro, já ministro do STJ, em relação aos habeas corpus. Pouco tempo depois, quando Navarro foi ao gabinete do senador, ao se despedir, disse a Delcídio: “Não se preocupe, está tudo entendido”.  Navarro efetivamente votou a favor da soltura de Marcelo Odebrecht – mas  foi derrotado por 4 a 1.

A defesa de Maurício Bumlai disse que não comentaria declarações de Diogo Ferreira porque não teve acesso ao conteúdo da delação premiada. Já o ministro do STJ, Marcelo Navarro, negou interferência do governo e afirmou que os contatos que teve com o senador foram para “expor minha trajetória profissional em todas as funções que exerci”.

Fonte: Época.com
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