O juiz federal Sergio Moro, que conduz os processos da Operação
Lava, criticou nesta quinta-feira, 27, dois projetos de lei em
tramitação na Câmara dos Deputados, que impedem o fechamento de acordos
de delação premiada com alvos presos e que alteram a nova regra jurídica
que prevê a prisão de réus condenados em segundo grau, como um
retrocesso no combate à corrupção e aos crimes do colarinho branco no
País.
“Eu fico me indagando se não estamos vendo alguns sinais de uma
tentativa de retorno ao status quo da impunidade dos poderosos”, afirmou
Moro, em conferência no XII Simpósio Brasileiro de Direito
Constitucional, evento da Academia Brasileira de Direito Constitucional,
na noite de quinta, em Curitiba.
“Em determinado ponto, a Mãos Limpas (operação italiana similar à
Lava Jato), perdeu o apoio da opinião pública. E a reação do poder
político foi com leis, como as que proibiam certos tipos de prisão
cautelar ou que reduziam penas.”
Projetos. Os alvos das críticas de Moro foram dois
projetos de lei propostos este ano pelo deputado federal Wadih Damous
(PT-RJ), um dos interlocutores gravados em conversas com o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, em março, tentando obstruir as investigações
da Lava Jato.
Um deles é o projeto de lei 4577/2016 que altera decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF), que estipulou a prisão de réus condenados após a
decisão final no segundo grau, ainda cabendo recursos no processo. “Se
pode comentar que essa exigência do trânsito em julgado não tem por
objetivo proteger necessariamente os acusados mais abastados, mas todos.
Mas a grande verdade, isso é inegável, é de que a proteção aqui não é
dirigida ao João da Silva, mas sim a uma gama de pessoas poderosas que
por conta de regras dessa espécie, por muito tempo foram blindados de
uma efetiva responsabilização criminal nas nossas cortes de Justiça.
”O segundo tema abordado por Moro na palestra foi a proposta de lei
4372/16, que quer a proibição de colaboração premiada por pessoas que
estejam presas. “Será que nós podemos de uma maneira consistente, qual o
direito da defesa na nossa Constituição, negar ao colaborador, por
estar preso, o recurso a esse mecanismo de defesa? Como é possível
justificar isso?”, questionou juiz.
“Eu fico pensando ‘mas isso é consistente com o direito a ampla
defesa?’. Será que a colaboração premiada não tem que ser analisada de
duas perspectivas? Na do investigador que quer colher as provas, mas
também na perspectiva do acusado e do investigado e sua defesa?”
Moro não citou o nome do deputado, autor das propostas, falou em
“coincidência” que os dois projetos sejam de uma mesmo autor membro do
PT.
“Quando nós escutamos essas questões nós temos que ter em mente que
não estamos discutindo conceitos jurídicos abstratos, mas realidades de
vida. Precisamos pensar o nosso direito penal e o processo penal de
maneira que eles funcionem. Não com objetivo de alcançar condenações
criminais, mas naquelas casos em que for provado no devido processo a
prática de um crime, tem que existir consequências, e tem que ser
proporcional à gravidade do crime.”
“Como chegamos a esse ponto? O que deu errado?” Para Moro, o processo
penal da Justiça brasileira tem sua parcela de culpa. “Talvez essa
leniência seja um dos fatores para chegar ao quadro atual, que é
realmente muito preocupante”, disse. “A corrupção existe em qualquer
lugar do mundo. Mas é a corrupção sistêmica não é algo assim tão comum.”
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