Quando assumiu a presidência interina da República, Michel Temer já havia formado seu governo há alguns dias. Mesmo a lista de ministros não sendo mais surpresa, nesta quinta-feira (12) a falta de diversidade de gênero chamou a atenção e se tornou alvo de críticas.

A imagem de Dilma Rousseff durante seu discurso ao deixar o cargo, cercada de colaboradores, boa parte deles mulheres, destoa do governo que tomou posse poucas horas mais tarde. A foto que ilustra a equipe de Michel Temer revela que todos os 21 ministros nomeados pelo presidente são homens, em uma configuração que não era vista no Brasil desde o governo de Ernerso Geisel, nos anos 1970.

“É bastante simbólico. Com o lema ‘Ordem e Progresso’, que poderia ser chamado de ‘Ordem e Regresso’, esse governo é um verdadeiro retrocesso”, ironiza a professora de direito econômico da FMU e membro da associação Artemis para o direito das mulheres. “Não ter ministras é como fechar as portas para aquilo que lutamos desde os anos 1970”, comenta a advogada, que também nota a falta de diversidade étnica em um governo que, segundo ela, “não representa o Brasil”.

A questão da presença de mulheres na política brasileira e o sexismo camuflado por essa ausência não é novidade no país. No entanto, o tema vem sendo levantado com mais frequência por militantes desde a eleição de Dilma Rousseff, antes mesmo do processo de impeachment. “Desde o começo do mandato ou até durante a campanha ela sofreu agressões que um homem não sofreria no lugar dela”, afirma Luise Bello, gerente de conteúdo da ONG Think Olga, uma organização pelo empoderamento feminino por meio da informação.

Para ela, esse não é um fenômeno que começou por causa do processo de impeachment, mais foi potencializado por ele. “Dilma foi vítima de ofensas que são pessoais e com uma ironia muito forte”, ressalta a militante, lembrando o episódio de uma capa da revista Isto É, ilustrada com imagem de uma presidente aparentemente nervosa. “A matéria dizia basicamente que ela é uma pessoa descontrolada, que tem acessos de fúria e ataques de raiva, algo típico do princípio conhecido como Gaslighting, que consiste em afirmar que as mulheres são loucas, muito passionais, emocionais ou fora de controle”, explica. Mas no caso de Dilma, por trás dessa ironia, segundo a militante, a mídia de oposição faz uso de estratégias machistas para atingir a presidente.

Parlamentares e organizações internacional se mobilizaram
O tema chegou a ser lembrado durante o voto do processo de impeachment na Câmara dos Deputados. A ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, agora do PSOL, disse que era contra a destituição “pelo empoderamento das mulheres”. Já Jean Wyllys, do PSOL, qualificou o processo de “farça sexista”. Para Louise, as declarações são carregadas de simbolismo, “principalmente em um momento em que olhamos para uma Câmara tomada por homens. As mulheres e outras minorias não encontram espaço nesses lugares”. O problema, de acordo com a militante, é que “há uma negação com relação ao machismo no Brasil. Acham sempre que é exagero e que, se fosse um homem, seria a mesma coisa”.

No caso dos ataques visando Dilma, a virulência dos comentários chocou inclusive organizações internacionais, como as Nações Unidas. Em março, a ONU Mulheres no Brasil divulgou uma nota na qual condenou os ofensas de ordem sexista contra a chefe de Estado. "Nenhuma discordância política ou protesto pode abrir margem ou justificar a banalização da violência de gênero", explicou à RFI a representante da entidade em Brasília, Nadine Gasman. “Identificamos coisas extremamente agressivas nas redes sociais, que mostravam um grau muito importante de misoginia. Isso, para todas as mulheres, é uma mensagem de que é arriscado estar em uma posição de poder”, analisa.

“A sociedade tem ainda que trabalhar e evoluir para olhar as mulheres como iguais em todos os âmbitos, incluindo a política”, finaliza a representante das Nações Unidas.