Você precisa puxar apenas um fio para desemaranhar toda uma trama: o
fio certo. Aquele que se implica em todos os outros e, ao ser pinçado,
desembaralha suas ligações. Não é à toa que a investigação da Polícia Federal na Petrobras
revelou uma teia de corrupção envolvendo diversos partidos políticos e
as maiores empresas do Brasil. A maior operação policial contra
corrupção e lavagem de dinheiro da nossa História pinçou um nó poderoso,
que alimenta esquemas de corrupção aqui e no exterior: o petróleo.
Ao revelar os esquemas fraudulentos com que empreiteiras conseguiam contratos com a Petrobras, a Operação Lava-Jato condenou corruptos e corruptores, expondo também a fragilidade de um sistema político em que nossos representantes são financiados por interesses privados. Os fios da Operação Lava-Jato saem da Petrobras e se ligam a outras obras polêmicas. Há menos de um mês, a controversa obra da usina hidrelétrica de Belo Monte foi citada em delação premiada de executivo da construtora Andrade-Gutierrez. Sua licitação teria se dado não por competição, mas por um acordo entre as empreiteiras que compõem o consórcio construtor - as mesmas citadas na Lava-Jato. Segundo Ricardo Abramovay, professor de Economia da FEA-USP, “as empresas que compõem este núcleo central [investigado pela Lava-Jato] respondem por parcela significativa dos investimentos de longo prazo no país e elas têm poder extraordinário em influir sobre o que é e será a própria infraestrutura do crescimento econômico.”
Não é só no Brasil. Inglaterra e Estados Unidos carregam anos de investigação ligadas a petroleiras e lidam com capas de jornal embaraçosas, como a do The Guardian de 23/03/2015, que traz provas de como a British Petroleum - uma das sete maiores petroleiras do mundo - patrocinava políticos americanos negacionistas do aquecimento global. Na China, o ex-presidente da CNPC (China National Petroleum Corporation), Jiang Jiemin, está preso desde 2013 e responde pelos crimes de suborno e corrupção. A CNPC aparece como 4a maior empresa do mundo em 2015 pelo Global Fortune 500. Indonésia, Índia e Austrália também investigam esquemas de corrupção envolvendo empresas extrativistas de petróleo, carvão e gás.
O setor está entre os mais corruptos do mundo, segundo relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Em estudo que analisou 41 países entre 1999 e 2013, a organização aponta como se distribui a corrupção entre 14 setores da cadeia produtiva: 20% dos repasses fraudulentos se concentram no setor da construção civil, seguidos por 15% no setor de extração (onde se inclui a exploração de combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás). Juntos, são os dois maiores corruptores da última década.
Entre as razões para o negócio dos combustíveis fósseis figurar no topo
do ranking da corrupção, o especialista no setor Sefon Darby aponta que
esse ramo proporciona maior facilidade para desvios em comparação a
outras atividades, pois a concentração de dinheiro é altíssima em
relação a um baixo controle de pessoas e de espaço físico, assim como
baixas fiscalização e aplicação de impostos.
Em última instância, o abundante fluxo de dinheiro vindo da exploração
de fósseis ainda ameaça democracias. Países ricos nesses recursos tendem
a se tornar, no longo prazo, mais pobres e corruptos. É a chamada
“maldição dos recursos”. Com tanto dinheiro vindo do subsolo, a
dependência dos impostos pagos pelo povo diminui e, com isso, a
população passa a ser ignorada nas tomadas de decisão de interesse
público. “Olhe para a lista de países com os Chefes de Estado há mais
tempo no poder e você vai ver o petróleo em toda parte - Brunei,
Bahrein, Omã, Camarões, Guiné Equatorial, Angola e Irã, para citar
apenas alguns”, arremata Darby.
Não somos governados por maldições. É a escolha política de como
administrar nossas riquezas naturais que abre espaço para a corrupção.
Ela só é possível em um modelo de desenvolvimento baseado em exploração.
Na década em que as mudanças climáticas foram promovidas de “ameaça”
para “iminência”, a continuidade de investimentos e subsídios para
exploração de combustíveis fósseis fica cada vez mais difícil de se
justificar. E, como defende a Oil Change International, “quando você tem
um argumento ruim, corromper o processo de tomada de decisão é o único
jeito de ganhar.”
A direção do desenvolvimento sustentável aponta a substituição do
modelo exploratório pelo paradigma do cuidado. A mudança não é fácil.
Robin Chase, fundadora da empresa de commpartilhamento de veículos
Zipcar, comparou nosso momento com o fim da escravidão nos Estados
Unidos: “um século e meio atrás, os combustíveis fósseis substituíram os
escravos como fonte barata de energia para mover o crescimento
econômico americano. Hoje, nossa dependência econômica torna o mesmo
tipo de mudança difícil, apesar da incontestável realidade de que esse
sistema está profundamente errado.”
O redesenho econômico mais do que vale a pena: pode fortalecer nossas
democracias e nos garantir mais condições de sobreviver às mudanças
climáticas. É tempo de abolição e, dessa vez, os escravos somos todos
nós.
*Ana Carolina Amaral é jornalista, mestra em Ciências Holísticas
pelo Schumacher College (Reino Unido) e moderadora da Rede Brasileira de
Jornalismo Ambiental.
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