“Quem conspira são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes da República”, afirmou (Foto: EBC)
O procurador da República Deltan Dallagnol,
coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, disse
ser "possível e até provável" que as investigações do maior escândalo de
corrupção do País acabem. “Quem conspira contra ela são pessoas que
estão dentre as mais poderosas e influentes da República”, afirmou.
Em entrevista ao Estado, Dallagnol disse que as
conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com o
presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), o ex-presidente José Sarney
(AP) e o senador e ex-ministro do Planejamento Romero Jucá (RR), todos
da cúpula do PMDB, expuseram uma trama para "acabar com a Lava Jato".
“Esses planos seriam meras especulações se não tivessem sido tratados
pelo presidente do Congresso Nacional”, disse o procurador.
Os áudios do delator Sérgio Machado tornados
públicos pela imprensa mais uma vez revelam movimentos para tentar
interferir nos andamentos da Operação Lava Jato. As investigações correm
algum risco?
As investigações aproximaram-se de pessoas com poder
econômico ou político acostumadas com a impunidade. É natural que elas
reajam. Há evidências de diferentes tipos de contra-ataques do sistema
corrupto: destruição de provas, criação de dossiês, agressão moral por
meio de notas na imprensa ou de trechos de relatório de CPI, repetição
insistente de um discurso que aponta supostos abusos jamais comprovados,
tentativas de interferência no Judiciário e, mais recentemente, o
oferecimento de propostas legislativas para barrar a investigação, como a
MP da leniência (medida provisória que altera as regras para celebração
de acordos entre empresas envolvidas em corrupção e o poder público).
Tramas para abafar a Lava Jato apareceram inclusive nos áudios que
vieram a público recentemente. A Lava Jato só sobreviveu até hoje porque
a sociedade é seu escudo.
É possível um governo ou o Congresso pôr fim à Lava Jato?
É, sim, possível e até provável, pois quem conspira
contra ela são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes
da República. À medida que as investigações avançam em direção a
políticos importantes de diversos partidos, a tendência é de que os que
têm culpa no cartório se unam para se proteger. É o que se percebe nos
recentes áudios que vieram a público. Neles, os interlocutores dizem que
alertaram diversos outros políticos quanto ao perigo do avanço da Lava
Jato. É feita também a aposta num "pacto nacional" que, conforme também
se extrai dos áudios, tinha como objetivo principal acabar com a Lava
Jato. Não podemos compactuar com a generalização de que políticos são
ladrões, porque ela pune os honestos pelos erros dos corruptos e
desestimula pessoas de bem a entrarem na política. Contamos com a
proteção de políticos comprometidos com o interesse público, mas não
podemos menosprezar o poder das lideranças que estão sendo investigadas.
Curitiba foi comparada à "Torre de Londres" nas gravações. É justa a comparação?
A comparação é absolutamente infundada. A Torre de
Londres foi usada para a prática de tortura. Na tortura, suprime-se o
livre arbítrio da vítima e se extrai a verdade por meio de tratamento
cruel. Na colaboração, respeita-se o livre arbítrio de quem, quando
decide colaborar, recebe um prêmio. Mais de 70% dos colaboradores da
Lava Jato jamais foram presos. Nos casos minoritários em que prisões
antecederam as colaborações, eram estritamente necessárias e não tiveram
por objetivo a colaboração, mas sim proteger a sociedade, que corria
risco com a manutenção daquelas pessoas em liberdade.
O que o conteúdo dos áudios demonstra, na sua opinião?
Os áudios revelam um ajuste entre pessoas que ocupam
posições-chave no cenário político nacional e, por isso, com condições
reais de interferir na Lava Jato. Discutiram concretamente alterar a
legislação e buscar reverter o entendimento recente do Supremo que
permite prender réu após decisão de segunda instância. Eles chegam a
cogitar romper a ordem jurídica com uma nova Constituinte, para a qual
certamente apresentariam um bom pretexto, mas cujo objetivo principal e
confesso seria diminuir os poderes do Ministério Público e do
Judiciário. Esses planos seriam meras especulações se não tivessem sido
tratados pelo presidente do Congresso Nacional, com amplos poderes para
mandar na pauta do Senado; por um ex-presidente com influência política
que dispensa maiores comentários; por um futuro ministro (do
Planejamento) e na presença de outro futuro ministro, o da Transparência
(Fabiano Silveira, também nomeado pelo presidente em exercício Michel
Temer e já fora do governo). Quando a defesa jurídica não é viável,
porque os fatos e provas são muito fortes, é comum que os investigados
se valham de uma defesa política. Agora, a atuação igualmente firme
contra pessoas vinculadas a novos partidos, igualmente relevantes no
cenário nacional, reforça mais uma vez que a atuação do Ministério
Público é técnica, imparcial e apartidária. Não vemos pessoas ou
partidos como inimigos. Nosso inimigo é a corrupção, onde quer que
esteja, e, nessa guerra, existe apenas um lado certo, o da honestidade e
da justiça. (AE)
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