Profissionais envolvidos no combate e fiscalização entrevistados foram unânimes ao falar sobre a dificuldade em lidar com a exploração ou utilização do trabalho infantil, sobretudo no ambiente familiar e em cidades do interior
A continuidade da exploração do trabalho infantil
pode alimentar um ciclo difícil de quebrar. Um exemplo disso está na
Região Nordeste, onde cerca de 90% dos adultos resgatados do trabalho
escravo são egressos do trabalho infantil, segundo a juíza do Trabalho
Rosimeire Fernandes.
“São grandes os prejuízos
que o trabalho infantil causam, sobre o aspecto físico, emocional,
intelectual e social da criança, que é um ser em formação. Perpetua o
ciclo de pobreza e miséria e não promove a criança para a sociedade”,
diz a juíza.
Devido a esse tipo de prática,
ainda comum no Brasil, sobretudo no Nordeste, a data de hoje – 12 de
junho – foi instituída como o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil.
Profissionais envolvidos no combate e fiscalização entrevistados pela
Agência Brasil foram unânimes ao falar sobre a dificuldade em lidar com a
exploração ou utilização do trabalho infantil, sobretudo no ambiente
familiar e em cidades do interior.
“Na Bahia, existe um alto índice de trabalho infantil, de acordo com o Censo do IBGE, de 2010. Somos um dos estados com o maior número de municípios com alto índice. São 125 cidades com mais de 400 casos, cada uma. Inclusive, a maior parte desses municípios é de pequeno porte, o que caracteriza uma presença de mais de 60% desse tipo de atividade, vinculado à agricultura familiar, na zona rural, com cadeias produtivas. Além disso, temos crianças e adolescentes utilizadas para o tráfico de drogas”, afirma a vice-presidente do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente da Bahia (Fetipa), Ivana Luna.
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Segundo Ivana, esse tipo de trabalho é considerado invisível, já que, em muitos casos, a fiscalização pode não detectar. “Existe o trabalho infantil doméstico, que deixa as crianças vulneráveis à violência sexual e a outros tipos de violência, mas é um trabalho invisível. Há uma subnotificação, porque é difícil de identificar, e há muitas crianças envolvidas com resíduos sólidos, além de feiras livres, que já são mais comuns. Nesse caso, a fiscalização é mais eficaz”, completa.
O trabalho de crianças e
adolescentes em feiras livres é apontado como grave e “bastante
característico” no estado da Bahia pelo superintendente regional do
Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, Flávio Nunes. Para ele,
os carregadores de compras, por exemplo, enfrentam condições degradantes
e que fazem mal à saúde, além de terem pouco tempo para se dedicar a
atividades que incentivem o conhecimento e o lazer.
“Essa
realidade, a gente não encontra apenas nas grandes cidades, mas nas
pequenas do interior também. Aqui no estado da Bahia, verificamos o
trabalho infantil nos mais diferentes setores da economia. Mas, nas
feiras livre, isso existe quase que como cultura: o adulto faz uma
compra e paga a criança ou adolescente para carregá-la até o seu carro
ou sua casa. Isso não é bom, não é correto, é ilegal. Porque não
entendemos apenas que a criança não pode trabalhar, mas que não pode
trabalhar com isso, porque faz mal à saúde”, destaca o superintendente.
Segundo
o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e
Proteção ao Adolescente Trabalhador, o trabalho infantil está ligado às
“atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem
finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou
adolescentes em idade inferior a 16 anos, ressalvada a condição de
aprendiz a partir dos 14 anos, independentemente da sua condição
ocupacional”. O documento foi elaborado pela Comissão Nacional de
Erradicação do Trabalho Infantil, do Ministério do Trabalho.
Este
ano, o Dia Mundial contra o Trabalho Infantil tem como tema “Não ao
trabalho infantil na cadeia produtiva”. Segundo a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 168 milhões de crianças, em
todo o mundo, são submetidas ao trabalho, principalmente nas cadeias
produtivas da agricultura, indústria e construção.
Menor Aprendiz
A
Constituição Federal proíbe a realização de qualquer tipo de trabalho
por menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14
anos. Também é vedada a realização de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de 18 anos.
“A lei
estabelece uma série de regras e limitações. Por exemplo, um adolescente
pode trabalhar na condição de aprendiz, mas não na operação de máquinas
ou na coleta de lixo, por exemplo. Isso é atribuição de adulto. Quando a
gente verifica isso, mesmo em um contrato supostamente regular, nós
temos que agir e combater esse tipo de prática”, completa o
superintendente regional do trabalho, Flávio Nunes.
Penalidades
As
punições contra pessoas ou empresas que exploram essa atividade são
consideradas insuficientes. Com isso, mesmo com a constatação do
trabalho infantil em determinada situação, as penalidades são
consideradas brandas pelos especialistas.
“Na
Justiça do Trabalho, quando chega um processo, na maioria das vezes o
trabalho infantil já aconteceu ou, pior, um acidente envolvendo uma
criança ou adolescente. No caso do menor aprendiz, além do
reconhecimento de vínculo, há a assinatura de Carteira de Trabalho e
todas as verbas indenizatórias, porque [o adolescente] estava na
condição de empregado. Mas há ações civis públicas, em que o trabalhador
usa essa prática do trabalho precoce, antes da idade permitida, e pode
responder, inclusive, por dano moral coletivo. Nesse caso, são
indenizações mais vultosas e mais pesadas para corrigir a situação”,
ressalta a juíza Rosimeire Fernandes.
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Para o
superintendente Flávio Nunes, em alguns casos, como as ocorrências em
ambiente familiar, a orientação e o aconselhamento são mais eficazes.
“São
duas situações distintas: uma é quando o auditor-fiscal se depara com
uma criança sendo explorada pelo empregador. A outra é quando você
encontra uma criança sendo utilizada pelos pais, prefiro não chamar de
exploração, na venda de pipoca, na venda de produtos, numa feira, por
exemplo. O empregador você pune com base na lei, porque ele está
cometendo uma irregularidade, explorando aquela criança. Nós resgatamos a
criança e a encaminhamos aos conselhos tutelares para cuidarem dela”,
diz. “No caso dos pais, é o trabalho de convencimento, porque não se
pune o pai por utilizar o filho. Temos que convencer as famílias que o
mais importante é cuidar da educação da criança”, completa Nunes.
Conscientização
Segundo
o superintendente, o caminho para a erradicação do trabalho infantil
passa pela junção de forças de instituições de combate e fiscalização e
requer ainda ações na área de educação e uma mudança cultural.
Distribuição de cartilhas, campanhas publicitárias, reportagens e
orientações a multiplicadores, como professores, podem ser uma
ferramenta eficaz contra o trabalho infantojuvenil, de acordo com Flávio
Nunes.
“Esse problema do trabalho infantil não
se resolve apenas com a fiscalização. Há algo muito mais amplo, nós
temos que mudar uma cultura. Em algumas oportunidades, a gente verifica
que essas crianças trabalham com os próprios pais. No carnaval de
Salvador, por exemplo, a gente encontra muitas crianças vendendo
cerveja, o que é totalmente ilegal e prejudicial para a formação dessa
criança”, diz o superintendente.
Agência Brasil
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