VEJA revisitou brasileiros cuja realidade havia melhorado em 2010 e constatou na vida real o que as estatísticas registram no papel: a fome voltou a rondar as mesas, e os sonhos, como o de fazer faculdade, deram lugar ao medo do desemprego
A
previsão constava de um estudo do Ipea feito em 2010: em 2016, dizia, a
miséria daria traço no Brasil - a pobreza extrema estaria "praticamente
superada" e se transformaria em uma insignificância estatística. Havia
razão para tanto otimismo. Naquele ano, o último do segundo mandato de
Luiz Inácio Lula da Silva, o crescimento do PIB havia fechado em 7,5%, o
maior desde 1986. Mais de 13 milhões de brasileiros já tinham
desembarcado da extrema pobreza, e o poder de compra do salário mínimo
havia aumentado quase 10% ao ano, no período compreendido entre 1995 e
2008. Passados seis anos, no entanto, o Brasil anda de marcha a ré.
Novos estudos, estes coordenados por Marcelo Neri, do Centro de
Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), indicam que os
miseráveis - aqueles que não deveriam mais existir em 2016 - estão, na
verdade, prestes a aumentar.
Um dos dados que mostram a iminência desse fenômeno é a queda inédita
e simultânea de dois índices importantes no último trimestre de 2015: o
da renda da população e o da "taxa de equidade", que mede quanto o país
está mais igual - e, portanto, menos desigual. Ambos compõem o índice
de bem-estar social da FGV. As duas quedas, da renda e da equidade,
decorrem dos mesmos fatores, afirma Neri: "A inflação leva dois terços
da culpa e a falta de emprego, incluindo o informal, é responsável pelo
outro terço".
Até o fim de 2016, a renda per capita dos brasileiros deve recuar
quase 10% em relação a 2014, aponta outro estudo da FGV. Será a segunda
maior queda em 116 anos. Pior que esse tombo, apenas o do triênio
1981-1983, também marcado por uma crise econômica grave. Segundo um
estudo da consultoria Tendências, a derrocada vai levar 7,8 milhões de
brasileiros de volta à pobreza e seu entorno. Se o país não voltar a
crescer até 2018, haverá mais pessoas nessa situação do que em 2005,
ainda nos primeiros anos do governo Lula, prevê a consultoria.
No mês passado, VEJA percorreu cidades do Ceará, Bahia e Minas Gerais
para revisitar brasileiros que em 2010 falaram à revista sobre seus
planos e esperanças. O título da reportagem era "A vida melhorou". Nesta
apuração, no entanto, o que se viu foi a confirmação, na vida real,
daquilo que registram os indicadores econômicos. Para todos os
entrevistados, a vida piorou.
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