Em estudo elaborado para o site de VEJA com exclusividade, Confederação Nacional do Comércio identifica escassez de profissionais em áreas como TI e agronegócio
O
desemprego é uma das faces mais visíveis -- e um dos reflexos mais
danosos -- da atual recessão econômica brasileira, a mais severa desde,
pelo menos, o início da década de 1930. No trimestre encerrado em maio, 11,4 milhões de pessoas estavam sem ocupação,
ou 11,2% da força de trabalho do país, segundo a edição mais recente da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas a falta de
trabalho não impede que alguns setores ainda penem com um mal que
parecia um fenômeno restrito aos dias em que o Brasil viveu um cenário
de pleno emprego, com taxa de desocupação inferior a 5%: a escassez de
profissionais.
Em um levantamento exclusivo, elaborado a pedido do site de VEJA, a
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
mostra que esse mal persiste -- e que, em setores importantes, a falta
de qualificação ainda impede o preenchimento de vagas. Resultado: mesmo
depois de ver sua economia encolher 3,8% em 2015
e ter retração superior a 3,5% projetada para este ano, o Brasil é um
dos cinco países que mais têm dificuldade para contratar, segundo
pesquisa da consultoria americana ManpowerGroup.
O agronegócio, uma das forças do comércio externo brasileiro e setor
em que a mecanização e o uso de tecnologia só fazem crescer, é um dos
que têm tido dificuldade para contratar. Segundo o estudo da CNC, nos
últimos doze meses (até abril), foram geradas 380 vagas para a produção
das chamadas plantas fibrosas, entre as quais aparece o algodão. Mesmo
com um aumento salarial oferecido a esses profissionais - responsáveis
por preparar o solo, executar o plantio e efetuar reparos e manutenção
em máquinas e equipamentos - de em média, 144% ao longo desses doze
meses, nem todas vagas foram ocupadas.
Olmiro Flores, diretor da Agrosul Máquinas, localizada no polo
agrícola de Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, atesta o
fenômeno. A baixa qualidade da mão de obra e a resistência de alguns
profissionais de mudar para cidades do interior do Brasil ajudam a
explicar a dificuldade para preencher os postos, afirma. E há também uma
espécie de fenômeno geracional, avalia Flores. "O pessoal que acabou de
se formar quer ganhar um salário alto logo de cara, o mesmo que recebe
uma pessoa com mais experiência", diz ele, conhecido no oeste baiano
como Chico. "Isso é um problema. Esses jovens querem sair da faculdade
como se fossem superiores. Tem que trabalhar, tem que aprender, tem que
se submeter."
Chico diz sentir um assédio muito grande sobre seus funcionários.
"Quando eles atingem um certo nível de qualificação, há concorrência das
grandes empresas", afirma "Já perdi umas oito pessoas para
multinacionais."
Fábio Luis Ribeiro, de 27 anos, funcionário da Agrosul Máquinas há
cinco, assente. "No grupo de WhatsApp que tenho com alguns colegas,
comentei que a maioria está trocando mais de empresa do que eu de
roupa", brinca. "Um pessoal que veio comigo para cá saiu para outras
companhias. Já pensei em ir também, mas cheguei a um acordo com a
empresa e resolvi ficar." Ribeiro mudou-se de Rondonópolis, em Mato
Grosso, outro importante polo agrícola, para Luís Eduardo Magalhães em
2011.
O jovem é engenheiro agrônomo e gerente de departamento da Agrosul e
está na empresa desde 2011. Ele pertence à segunda leva de
recém-formados do programa Futuro Técnico Agrosul, projeto criado pela
empresa em parceria com a Associação Baiana dos Produtores de Algodão e a
fabricante de máquinas agrícolas John Deere. Ele trabalha com
colheitadeiras de algodão e outras máquinas modernas, uma função que
exige boa qualificação, justamente um dos calcanhares de aquiles de
setores que não conseguem contratar "Trabalhamos com máquinas de 1,5
milhão de reais", explica o agrônomo.
Profissionais | Vagas geradas* | Variação da ocupação* | Variação % salarial* |
---|---|---|---|
Produtores agrícolas na cultura de plantas fibrosas | 380 | +330,43% | +144,09% |
Mantenedores de equipamentos de parques de diversões e similares | 59 | +3,79% | +39,21% |
Professores de música, artes e drama do ensino superior | 57 | +1,05% | +31,22% |
Músicos compositores, arranjadores, regentes e musicólogos | 45 | +0,96% | +63,52% |
Árbitros desportivos | 36 | +7,59% | +33,22% |
Técnicos da inteligência | 22 | +5,00% | +63,00% |
Profissionais da inteligência | 14 | +1,93% | +32,09% |
Produtores de especiarias e de plantas aromáticas e medicinais | 13 | +21,67% | +25,03% |
Professores de matemática, estatística e informática do ensino superior | 12 | +0,06% | +33,69% |
Técnicos em necrópsia e taxidermistas | 7 | +0,81% | +25,21% |
Promotores, defensores públicos e afins | 6 | +0,06% | +123,81% |
Como o estudo foi feito - No estudo encomendado pelo
site de VEJA, a CNC considerou as 604 profissões listadas pela
Classificação Brasileira de Ocupações, do Ministério do Trabalho e
Emprego, e buscou entre elas as que estavam registrando crescimento na
oferta de vagas nos últimos doze meses (até abril). Depois dessa
primeira triagem, restaram 94 ocupações.
A partir daí, Fábio Bentes, economista sênior da entidade e
responsável pelo levantamento, analisou se entre essas 94 profissões
havia alguma que tivesse apresentado um aumento real (acima da inflação
do período) de salário. Apareceram 41 ocupações com ganho superior a
9,3% no último ano. Dessas, onze registraram aumentos salariais duas
vezes maiores que a inflação, número considerado pela CNC para a
identificação dos setores com evidências de falta de trabalhadores.
"Fizemos a análise pensando no papel do empregador", explica o
economista. "Se ele está oferecendo aumento duas vezes superior à
inflação, é porque está desesperadamente tentando contratar."
No estudo, o mesmo critério foi adotado para todos os anos a partir
de 2010. Em abril de 2012, mês em que a taxa de desemprego no Brasil foi
de 6%, por exemplo, 91 segmentos mostraram evidência de dificuldade
para preencher vagas. Naquele ano, o país teve uma de suas menores taxa
de desemprego na história, de 5,5%. "A diferença é que há quatro anos
isso era um problema bom, porque a economia estava crescendo e tinha de
contratar gente qualificada para ocupar as vagas que surgiam", diz
Bentes. "Naquele cenário, a contratação era um investimento."
Escassez em TI - Tecnologia da informação e áreas correlatas também mostram sinais de escassez de mão de obra, segundo o levantamento da CNC (ver quadro).
Assim como na mecanização do agronegócio, o problema tem relação direta
com a baixa qualificação. "Em setores em que a exigência por
qualificação é muito grande, a formação de pessoas com capacitação
técnica não acompanha a velocidade do aumento da demanda", diz Luís
Testa, diretor de marketing do site de classificados de emprego Catho.
"Agronegócio e tecnologia da informação são exemplos disso."
Sergio Sgobbi, diretor de relações institucionais da Associação
Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação
(Brasscom), explica que o setor de TI tem aumentado seu espectro de
atuação porque também o número de pessoas com acesso a novas tecnologias
tem crescido - e isso amplia a demanda por profissionais. "A
necessidade de gente qualificada tem crescido, mas também o rigor no
processo de contratação e as exigências técnicas para trazer novos
funcionários", diz. "É por isso que falta gente."
E mais: a tecnologia está criando profissões que não existiam até
pouco tempo atrás. Formar essas pessoas leva tempo. "Há três anos,
analista de mídias digitais era uma profissão que não existia",
exemplifica Sgobbi. "O profissional de TI tem que ter clareza de que
será eterno refém do aprendizado."
Há, claro, algumas profissões que dão sinais de escassez de mão de
obra por serem segmentos de nicho - casos, por exemplo, de produtores de
especiarias e taxidermistas - ou por serem relativamente recentes.
Nesses, um aumento pontual na oferta de vagas deixa evidente a falta de
profissionais porque não são atividades com formação em grande escala de
pessoas para essas funções. "Quando você busca um profissional para a
área administrativa, as chances de achar alguém são maiores, mas quando
você precisa de uma pessoa mais técnica, há dificuldades", diz Kiko
Campos, que comanda a Across Gestão de Carreiras.
Fábio Bentes, da CNC, afirma que em mais de 80% das profissões há
hoje mais demissões que contratações. Esse quadro só vai mudar se
surgirem sinais mais enfáticos de melhora da conjuntura. "Os
investimentos estão diretamente relacionados à confiança - e emprego é
um investimento caro", afirma o economista. "Enquanto a crise não
passar, não vamos investir."
(Com reportagem de Luís Lima)
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