Presidente afastada usou discurso do medo em depoimento, por escrito, enviado à comissão do impeachment e disse que processo foi orquestrado para parar Lava Jato
A presidente afastada Dilma Rousseff encaminhou nesta quarta-feira depoimento por escrito
à comissão processante do impeachment no Senado, adotou o recorrente
discurso do medo entoado por hostes petistas e disse que não praticou
crimes de responsabilidade que justifiquem que ela seja retirada
antecipadamente do mandato presidencial. Em ataque direto ao presidente
interino Michel Temer e aliados do peemedebista, como o senador Romero
Jucá (PMDB-RR) e o presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), Dilma afirmou que a consolidação do processo de impeachment
representaria uma "ruptura institucional" e uma suposta interrupção do
processo democrático, declarou ser uma pessoa "honesta" e resumiu:
"devemos mostrar que sabemos dizer não a todos os que, de forma elitista
e oportunista, agindo com absoluta falta de escrúpulos, valem-se da
traição, da mentira, do embuste e do golpismo, para hipocritamente
chegar ao poder e governar em absoluto descompasso com os desejos da
maioria da população". "Um governo sem respaldo popular não resolverá a
crise porque será sempre, ele próprio, a crise", exagerou.
Embora os juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal
tenham recolhido provas de que ela praticou crime de responsabilidade ao
maquiar contas públicas por meio da liberação de recursos sem aval do
Congresso e de ter praticado as chamadas pedaladas fiscais no Plano
Safra de 2015, a petista atribuiu o andamento do processo de impeachment
ao fato de ela não ter cedido a "chantagens" do mundo político. "Sou
alvo dessa farsa porque, como Presidenta, nunca me submeti a chantagens.
Não aceitei fazer concessões e conciliações escusas, de bastidores, tão
conhecidas da política tradicional do nosso país. Nunca aceitei a
submissão, a subordinação e a traição dos meu eleitores como preço a
pagar pelos acordos que fiz. É por ter repelido a chantagem que estou
sendo julgada. Este processo de impeachment somente existe por eu ter
rechaçado o assédio de chantagistas", disse. Depois de ter se recusado a
comparecer ao Senado, onde invariavelmente teria de responder a
perguntas espinhosas dos parlamentares, Dilma usou parte do depoimento
desta quarta-feira a apelos emocionais. Lembrou o câncer que teve, a
tortura de que foi alvo na ditadura e falou na "dor igualmente
inominável da injustiça". "O que mais dói neste momento é a injustiça. O
que mais dói é perceber que estou sendo vítima de uma farsa jurídica e
política", atacou.
Ela afirmou ainda que a ação que deve consolidar a abreviação de seu
mandato está embasada em "pretextos jurídicos" de políticos que,
derrotados nas urnas em 2014 ou fora da cúpula de comando, teriam
buscado destitui-la do poder. "Partiu-se do desejo claro de que, por
razões puramente políticas, houvesse o meu afastamento da Presidência da
República, para então passar-se a procurar, de forma ávida, quaisquer
pretextos jurídicos que pudessem justificar, retoricamente, a consumação
desta intenção. Isso explica, aliás, a absoluta fragilidade das
acusações que constituem a denúncia por crime de responsabilidade contra
mim dirigida neste processo", disse ela no depoimento.
Dilma não poupou de ataques adversários políticos como o deputado
Eduardo Cunha, responsável pelo início formal da tramitação do
impeachment na Câmara dos Deputados, colocou em xeque a legitimidade do
governo de Michel Temer e afirmou que o impeachment tem como pano de
fundo também o fato de ela supostamente não interferir no andamento das
investigações da Operação Lava Jato. A presidente afastada voltou a
repetir a tese de que o processo de impeachment seria um "golpe", alegou
que a denúncia por crime de responsabilidade contra ela é baseada em
"frágeis acusações" e disse ser vítima de um "processo provocado pela
retórica jurídica e política daqueles que, sabendo que nos dias atuais
seria descabido articular golpes de Estado pela força das armas, criaram
pretextos para justificar um novo modus golpista".
A despeito de o processo de impeachment ser legítimo e previsto na
Constituição, a petista disse que a ação de impedimento violaria a
vontade popular expressa nas urnas em 2014, quando recebeu cerca de 54
milhões de votos. Ela classificou como "atos de rotina da gestão
orçamentária" as acusações de que cometeu atentados contra a Lei de
Responsabilidade Fiscal, não teve ingerência sobre a liberação de
recursos do Plano Safra e afirmou estar "sendo julgada, injustamente,
por ter feito o que a lei autorizava a fazer". A denúncia contra Dilma
Rousseff por crime de responsabilidade leva em consideração o fato de a
petista ter maquiado as contas públicas ao assinar decretos de liberação
de crédito extraordinário, sem aval do Congresso, para garantir
recursos e burlar a real situação de penúria dos cofres do governo, e de
ter atrasado deliberadamente repasses para o Banco do Brasil enquanto a
instituição financeira era obrigada a pagar incentivos agrícolas do
Plano Safra 2015. Neste último caso, o governo postergou o repasse de
3,5 bilhões de reais ao BB para pagamento de subsídios aos agricultores,
forçando a instituição a utilizar recursos próprios para depois ser
ressarcida pelo Tesouro. Essa operação de crédito, já que o governo
acabou por tomar um empréstimo de um banco estatal, como o BB, é
proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No caso dos decretos, o
ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo afirma que, embora
tenham sido liberados créditos de 95,9 bilhões de reais, a maior parte -
93,4 bilhões de reais - seria apenas remanejamento de recursos, e não
criação de novas despesas.
"Nunca, em nenhum país democrático, o mandato legítimo de um
presidente foi interrompido por causa de atos de rotina da gestão
orçamentária. O Brasil ameaça ser o primeiro país a fazer isto", disse
Dilma em seu depoimento. Em seguida, ela atacou o peemedebista Michel
Temer, que, embora tenha sido eleito com ela na mesma chapa tanto em
2010 quanto em 2014, foi falaciosamente classificado por ela como um
"governo sem voto". "O maior risco para o Brasil neste momento é
continuar a ser dirigido por um governo sem voto. Um governo sem voto
não será respeitado e se tornará, mais do que um entrave às soluções, a
própria causa do impasse. Interromper meu mandato de forma injusta e
irregular representará impor grande risco a todas as cidadãs e cidadãos
de nosso Brasil", exagerou.
Por: Laryssa Borges, de Brasília
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