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No Brasil, infelizmente,
tornaram-se comuns vários problemas consequentes das chuvas ao longo dos
primeiros meses do ano em várias regiões do país. Enchentes,
desmoronamentos, destruição e vidas ceifadas em consequência dos fortes
temporais permeiam os noticiários nessa época, mas as causas dessas
tragédias não se revelam apenas pela compreensão da lógica dos fenômenos
naturais. As explicações são mais complexas e um olhar mais atento ao
processo de conformação dos aglomerados urbanos se faz necessário para
se esboçar uma compreensão mais ampla.
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A partir da segunda metade do século XX, o Brasil passou por uma
aceleração de seu processo de industrialização e, consequentemente, de
urbanização, momento no qual a população deixou de ser majoritariamente
rural para tornar-se urbana. Nesse sentido, os centros urbanos nos quais
se concentravam as indústrias e o comércio passaram a receber um enorme
contingente de pessoas vindas das mais diferentes regiões do país em
busca de melhores condições de emprego, de renda e de qualidade de vida.
Exemplo claro desse processo de migração e de êxodo rural é o que se
deu na região Sudeste do país, principalmente na cidade de São Paulo e
em sua região metropolitana, nas quais indivíduos vindos do Norte e do
Nordeste do país chegaram para o trabalho como operários das indústrias
ou como mão de obra na construção civil. Surgia, dessa forma, uma
demanda social por moradias, equipamentos e infraestrutura urbanos. No
entanto, restavam apenas as regiões periféricas que ao longo das décadas
formariam os chamados subúrbios, a grande maioria com deficiências de
infraestrutura fundamentais como água encanada, rede de esgotos, energia
elétrica, transporte público, além de terrenos nem sempre com condições
topográficas favoráveis à construção de casas.
Porém, nem mesmo imóveis em loteamentos com toda essa precariedade (a
despeito dos baixos preços) poderiam ser adquiridos por todos. Restava
como opção a ocupação de morros, encostas, margens de rios e córregos,
ora invadindo-se áreas públicas e privadas, dando-se origem às favelas
(hoje classificadas por aglomerados sunormais por instituições como o
IBGE), ora adquirindo-se terrenos em loteamentos irregulares ou
clandestinos.
Em um estudo realizado pelo CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento, em 1975, a pedido da Pontifícia Comissão de Justiça e Paz
da Arquidiocese de São Paulo, no qual nomes como Cândido Procópio F. de
Camargo, Fernando Henrique Cardoso e José Álvaro Moisés fizeram parte,
já se demonstravam dados e análises alarmantes quanto ao tipo de
crescimento desordenado que ocorria na região metropolitana da capital
paulista. Segundo o estudo, “o vertiginoso crescimento demográfico da
Região, que entre 1960-1970 foi de 5,5% ao ano, junto com o processo de
retenção dos terrenos à espera de valorização, levou ao surgimento de
bairros cada vez mais distantes. Amontoam-se populações em áreas
longínquas, afastadas dos locais de trabalho, impondo-se distâncias de
deslocamento cada vez maiores. Acentua-se o processo de criação de
‘cidades-dormitórios’, verdadeiros acampamentos desprovidos de
infra-estrutura” (CAMARGO, 1975, p. 29).
Obviamente, o processo de ocupação do solo e de fixação de residência
condicionava-se à classe social das famílias (e ainda hoje assim o é, a
despeito das importantes transformações do quadro social e econômico do
Brasil nas últimas décadas) o que explicava a alta concentração de
pessoas em locais de condições precárias de moradia e infraestrutura. “A
distribuição espacial da população na cidade acompanha, assim, a
condição social dos habitantes, reforçando as desigualdades existentes
[...]; Hoje [1975] em dia, a expressão ‘periferia’, que serve para
designar os bairros mais afastados do centro, tornou-se sinônima, em
certos meios, da noção de marginalização ou de exclusão social” (ibidem,
p. 23). Embora a pesquisa citada tenha quase quarenta anos, muito de
suas avaliações ainda é válido atualmente em pleno século XXI, pois,
segundo a Secretaria Municipal de Habitação da Prefeitura de São Paulo,
havia na cidade mais de 1600 favelas em 2008, o que sugere que as
habitações e moradias precárias ainda são um fenômeno recente.
A Câmara
Municipal da capital paulista publicou ao final de 2011 em seu site que o
déficit habitacional real para famílias que saem de áreas de risco que
estão em urbanização é hoje de 130 mil unidades. Além disso, a projeção
do crescimento populacional para 2024 aponta para um déficit de 610 mil
novas residências para famílias que surgirão até 2024 e cuja renda
deverá ser inferior a três salários mínimos.
Contudo, esse quadro não é uma exclusividade de São Paulo, mas se
repete em tantas outras regiões metropolitanas em todo o Brasil. Dessa
maneira, não de forma gratuita, chama-se atenção para esse problema da
ocupação irregular ou desordenada do solo nos grandes centros urbanos,
uma vez que esse fenômeno cria condições de risco, expondo milhares de
famílias à possibilidade de tragédias causadas pelas chuvas.

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Deve-se
considerar que a impermeabilização exacerbada do solo, o desmatamento de
encostas e regiões próximas ao que se considera como leito natural dos
rios e as constantes movimentações de terra que contribuem para o
assoreamento destes são outras consequências diretas do crescimento
urbano, e ao mesmo tempo complicadoras dos problemas advindos do período
de chuvas. Logo, é importante uma reflexão quanto aos fatores que
efetivamente acabam por problematizar esse quadro. É fundamental que, na
avaliação de mecanismos para o enfretamento de problemas dessa ordem,
considere-se em boa medida as consequências e influências diretas
resultantes da ação humana, principalmente do ponto de vista do uso e da
ocupação do solo de forma desordenada.
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Há uma relação direta entre o crescimento demográfico da população
urbana e o uso e a ocupação do solo de forma desordenada, com falta ou
ineficácia de planejamentos eficazes. Logo, é preciso considerar a
responsabilidade do Estado em todas as instâncias (municipal, estadual e
federal) no que diz respeito não apenas à simples fiscalização para
impedir a formação de moradias em locais de risco. Trata-se da
necessidade da formulação de políticas públicas mais amplas que deem
conta do déficit habitacional existente nas grandes capitais, regiões
metropolitanas e centros urbanos de maneira geral.
A mera conscientização dos indivíduos quanto aos perigos iminentes que existem em determinados locais como encostas, áreas de aterro e margens de rios e córregos não é suficiente diante da condição de exclusão social, fator limitante das possibilidades de escolha e de acesso a uma moradia digna e segura. Sabe-se que o processo de regularização dessas áreas não é nada simples, mas sim algo difícil por envolver muitos interesses conflituosos. Contudo, as dificuldades existentes não redimem ou diminuem a necessidade de ações efetivas por parte do Poder Público. Logo, não são apenas as questões naturais que tanto castigam a sociedade brasileira, mas, fundamentalmente, outras de caráter político e social.
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Paulo Silvino Ribeiro
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