Queda de Dilma Rousseff põe o populismo e a corrupção no centro das preocupações nacionais

(Ricardo Stuckert/Instituto Lula)
O PT nunca se sentiu tão poderoso como em 2010. Naquele ano, o
presidente Lula terminava seu segundo mandato como recordista de
popularidade e lançava a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da
República. Havia dois objetivos. A curto prazo, a eleição da primeira
mulher pelas mãos do primeiro representante genuinamente popular a
chegar ao posto. Um simbolismo caro à esquerda. A longo prazo, comandar o
país por pelo menos vinte anos, justamente a meta traçada
anteriormente, e não alcançada, pelo PSDB. Entre os aliados de Lula e
Dilma, havia até quem trabalhasse com horizontes mais ambiciosos. O
ministro de Comunicação Social, Franklin Martins, dizia que “o ciclo
virtuoso de crescimento com inclusão social” renderia frutos duradouros.
Festejada na propaganda oficial, a nova classe média, dínamo do
crescimento de 7,5% em 2010, despejaria votos nos petistas por anos a
fio, talvez décadas: oito anos de Lula, oito anos de Dilma, a volta de
Lula, a consagração de Fernando Haddad… O roteiro estava traçado. Nele,
eternizar-se no poder não era mera figura de linguagem.
Publicidade
style="display:inline-block;width:300px;height:600px"
data-ad-client="ca-pub-1514761005057416"
data-ad-slot="1670073085">
Na quarta-feira passada, esse enredo foi dramaticamente abreviado.
Por 61 votos a 20, os senadores aprovaram o impeachment de Dilma e
encerraram um período de treze anos de governo do PT, atendendo ao
clamor de milhões de brasileiros que foram às ruas em manifestações
históricas. A sentença apareceu no painel eletrônico do plenário às
13h35. Uma hora depois, o senador Vicentinho Alves (PR-TO),
primeiro-secretário do Senado, chegou ao Palácio da Alvorada para
notificar Dilma de que ela se tornara o segundo presidente a ter o
mandato cassado desde a redemocratização. Na recepção, um segurança
orientou Alves, que votou a favor do impedimento, a estacionar na
garagem, “um lugar mais discreto”. O ex-ministro Jaques Wagner,
encarregado de recepcioná-lo, pediu para ver o ofício. “É melhor eu ir
sozinho para evitar atrito com o nosso pessoal que está lá com ela”,
disse. Alves explicou que não seria possível. Dez minutos depois, ele
foi autorizado a entrar. Dilma assinou o documento com um ar de
indiferença. Eram 15h05 quando ela atestou o óbito do ambicioso plano de
hegemonia política do PT. Um plano que, desde a chegada do partido ao
Planalto, estava assentado num pecado original, que não foi inventado
pelo PT, não foi implantado pelo PT, mas foi executado com rigor e
método nunca antes vistos neste país: a corrupção da classe política com
recursos públicos.
Em 2005, VEJA mostrou um funcionário dos Correios recebendo propina. A
estatal era fatiada entre PT, PMDB e PTB. Cada partido controlava uma
diretoria, recolhendo dinheiro sujo em sua área. A verba subornava
parlamentares no Congresso. Era o mensalão. “O governo acabou”,
sentenciou José Dirceu, o então poderoso chefe da Casa Civil, preocupado
com os desdobramentos do caso. Dirceu, dirigentes partidários,
deputados e empresários foram condenados à prisão. Mas o governo
sobreviveu. Lula declarou-se traído e inocente, de nada sabia.
Reelegeu-se em 2006, fez um governo aplaudido pelo eleitorado e ajudou
Dilma a conquistar dois mandatos. Seu plano era voltar a comandar o país
em 2018 e permanecer no posto até 2026. O obstáculo essencial, agora,
está no avanço inexorável da Lava-Jato. Deflagrada em 2014, a operação
descobriu um esquema de corrupção montado nos mesmos moldes do mensalão,
só que 200 vezes maior em volume de dinheiro roubado. Outra diferença: a
investigação, pelo menos até aqui, não tem poupado ninguém.
Os maiores empreiteiros do país foram presos e dividiram o espaço das
celas com mais um ex-tesoureiro do PT. Lula está indiciado por
corrupção, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. Ele e Dilma são
investigados por tentativa de obstrução da Justiça e acusados por
delatores de financiar suas campanhas com propinas derivadas de
contratos da Petrobras. Na semana passada, o ex-senador Delcídio do
Amaral prestou depoimento à Lava-Jato. Confirmou o que VEJA antecipara
em março: Lula era o chefe do esquema de corrupção.
Em pouco mais de cinco anos de mandato, Dilma jogou o país no
atoleiro. Sua tolerância à inflação, em nome do crescimento, deu fôlego
ao dragão, que voltou a superar a casa dos dois dígitos. A renda caiu, o
desemprego subiu e parte da nova classe média, que consolidou o PT no
poder e lá o manteria, voltou para a base da pirâmide social. Dilma
perdeu o mandato pelo conjunto da obra. Formalmente, o impeachment foi
aprovado porque ela cometeu crime de responsabilidade ao usar recursos
de bancos públicos para pagar despesas do Tesouro, prática conhecida
como pedalada fiscal, e ao liberar créditos suplementares sem a
autorização prévia do Congresso. É por causa da discrepância entre a
razão técnica (orçamentária) e a motivação real (corrupção e recessão)
que Dilma se diz vítima de um golpe parlamentar tramado por “desleais”,
“traidores” e “covardes”. Ao defender-se no Senado na segunda-feira,
numa sessão que durou catorze horas, ela jurou inocência, disse que não
cometeu crime de responsabilidade e afirmou que só o povo, por meio de
eleições livres e diretas, poderia destituir um mandatário devido ao
“conjunto da obra”. “Por duas vezes, vi de perto a face da morte. Quando
fui torturada por dias seguidos, submetida a sevícias que nos fazem
duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida. E quando uma doença
grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha existência.
Hoje, eu só temo a morte da democracia”, declarou.
Ela não impediu o impeachment, mas, graças a uma esdrúxula
articulação dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e do
Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, conseguiu evitar a
aprovação de sua inabilitação para o exercício de funções públicas.
Preservou, assim, o direito de assumir cargos públicos e disputar
eleições, ao contrário do entendimento adotado pelo STF no caso de
Fernando Collor, destituído da Presidência em 1992.
O presidente Michel Temer, agora em definitivo, tucanos e outros
expoentes do novo governo não gostaram dessa decisão, que já está sendo
contestada judicialmente. Dilma, mantida por enquanto no jogo político,
também recorreu ao STF para anular o impeachment e prometeu uma oposição
“enérgica e incansável”. De saída, citou Vladimir Maiakovski, o poeta
futurista da Revolução Russa: “Não estamos alegres, é certo, mas também
por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado.
As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las. Rompê-las ao meio,
cortando-as como uma quilha corta”. É belo, mas também um autêntico
réquiem.
Com reportagem de Laryssa Borges e Hugo Marques
0 comentários:
Postar um comentário