Estudo da revista 'Nature' abre perspectivas para novos tratamentos que ajudem pessoas com lesões na medula a restaurar os movimentos

O pesquisador Grégoire Courtine, líder da
pesquisa, mostra a interface neuroprotética que possibilitou que macacos
paralisados voltassem a andar. (Nature/Divulgação)
Um macaco com uma lesão parcial na medula, que
impedia o movimento da perna direita, voltou a andar com o apoio de um
implante cerebral, em apenas uma semana. O estudo, publicado nesta
quarta-feira na revista Nature,
é o primeiro a mostrar que os movimentos de primatas paralisados podem
ser restaurados por meio dessa tecnologia cérebro-máquina. De acordo com
a equipe de cientistas da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFF,
na sigla em francês), na Suíça, que realizou a pesquisa, os resultados
oferecem perspectivas promissoras para o tratamento de paralisia em
seres humanos.
“Pela primeira vez, posso imaginar um paciente completamente
paralisado capaz de mover suas pernas através dessa interface
cérebro-coluna”, disse Jocelyne Bloch, neurocirurgiã do Hospital
Universitário de Lausanne e uma das autoras do estudo, em um comunicado
da EPFL.
Interface neuroprotética
O novo dispositivo, chamado interface neuroprotética, é o
resultado de pelo menos uma década de pesquisas dos cientistas suíços
com o objetivo de restaurar movimentos prejudicados por lesões medulares
em modelos animais. Inicialmente, os pesquisadores mapearam a maneira
como os sinais cerebrais dos animais são enviados do cérebro à coluna e
desenvolveram um equipamento, sem fio, que pudesse recriar esse caminho.
O dispositivo consiste em um implante, colocado no cérebro dos macacos,
que recebe os sinais do córtex motor, responsável pelos movimentos das
pernas, e os envia a um computador. Em seguida, o computador decodifica
esses sinais, em tempo real, transmite-os a um equipamento que recebe os
impulsos e os leva aos eletrodos implantados na coluna. São esses
eletrodos que estimularam os nervos que comandam os movimentos das
pernas.
Para os testes, dois macacos rhesus tiveram o movimento da
perna direita paralisado, por meio de um procedimento cirúrgico na
coluna. Após o uso da interface, um deles voltou a andar apenas seis
dias após a lesão. O outro precisou de duas semanas para conseguir
caminhar, de acordo com o estudo da Nature.
Procedimentos semelhantes, com implantes que decodificam
sinais cerebrais já permitiram que um paciente humano movesse uma mão
protética ou robótica. Contudo, a utilização de uma interface
neuroprotética para ativar um músculo complexo da perna em um primata
foi um feito inédito.
Novos tratamentos
Segundo Grégoire Courtine, pesquisador da EPFL e líder do
estudo, são necessários outros testes clínicos antes que a tecnologia
possa ser usada em humanos – nossa mente é mais complexa e a
decodificação dos sinais, mais difícil. Além disso, é necessário levar
em consideração o ritmo e a coordenação dos passos, aspectos
fundamentais para que alguém com paralisia volte a caminhar.
Especialistas ouvidos pela Nature, porém, acreditam
que o estudo pode ajudar na criação de novos tratamentos que ajudem a
restaurar os movimentos em pessoas com lesões medulares.
“O estudo abre caminhos para estudos e novas opções de
tratamentos bioeletrônicos para pacientes que vivem com paralisia”,
afirmou à Nature o bioengenheiro Chad Bouton, que pesquisa
dispositivos médicos para pessoas com lesões medulares no Instituto
Feinstein para Pesquisas Médicas, nos Estados Unidos.
Em um comentário que acompanha o artigo publicado, o
neurocientista Andrew Jackson, da Universidade de Newcastle, no Reino
Unido, afirmou que as pesquisas com interfaces cerebrais que recuperem
os movimentos após lesões medulares começaram nos anos 1970, mas tiveram
extraordinários avanços neste século.
“É possível que os primeiros ensaios clínicos de interfaces
cérebro-coluna em humanos possam ser realizados até o fim desta década,
especialmente porque os componentes utilizados pelos cientistas neste
estudo já tiveram a aprovação para uso”, afirmou.
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