Em delação premiada, Marcelo Odebrecht diz que fez pagamentos ao ex-presidente Lula em espécie, segundo revela reportagem de Débora Bergamasco, Mário Simas Filho e Sérgio Pardellas, da revista IstoÉ que circula neste fim de semana. . Os recursos faziam parte do montante de aproximadamente R$ 8 milhões destinados ao petista pela empreiteira. Leia a reportagem:
Nos últimos meses, o ex-presidente Lula foi emparedado pela Lava
Jato. Virou réu três vezes por práticas nada republicanas: obstrução de
Justiça, ocultação de patrimônio — ao omitir um tríplex no Guarujá —,
lavagem de dinheiro, corrupção passiva, organização criminosa e tráfico
de influência no BNDES, em razão do esquema envolvendo a contratação de
seu sobrinho Taiguara Rodrigues dos Santos. Ou seja, já há uma fartura
de provas contra o petista, ao contrário do que costuma alardear sua
defesa. Nada, no entanto, pode ser mais categórico e definitivo como
conceito de corrupção, na acepção da palavra, do que o recebimento de
pagamentos de propina em dinheiro vivo. Por isso, o que ISTOÉ revela
agora acrescenta um ingrediente potencialmente devastador para o
ex-presidente.
Num dos 300 anexos da delação da Odebrecht, considerada a mais
robusta colaboração premiada do mundo, o herdeiro e ex-presidente da
empresa, Marcelo Odebrecht, diz ter entregue a Lula dinheiro em espécie.
Nunca uma figura pública que chegou a ocupar a presidência da República
demonstrou tanta intimidade com a corrupção. Os repasses foram
efetuados, em sua maioria, quando Lula não mais ocupava o Palácio do
Planalto. O maior fluxo ocorreu entre 2012 e 2013. Foram milhões de
reais originários do setor de Operações Estruturadas da Odebrecht – o já
conhecido departamento da propina da empresa. Segundo já revelado pela
Polícia Federal, aproximadamente R$ 8 milhões foram transferidos ao
petista. Conforme apurou ISTOÉ junto a fontes que tiveram acesso à
delação, o dinheiro repassado a Lula em espécie derivou desse montante.
Os pagamentos em dinheiro vivo fazem parte do que investigadores costumam classificar de “método clássico” da prática corrupta. Em geral, é uma maneira de evitar registros de entrada, para quem recebe, e de saída, para quem paga, de dinheiro ilegal. E Lula, como se nota, nunca se recusou a participar dessas operações nada ortodoxas. O depoimento agora revelado por ISTOÉ é a prova de que, sim, o petista não só esteve presente durante as negociatas envolvendo dinheiro sujo como aceitou receber em espécie, talvez acreditando piamente na impunidade. Se os repasses representavam meras contrapartidas a “palestras”, como a defesa do ex-presidente costuma repetir como ladainha em procissão, e se havia lastro e sustentação legal, por que os pagamentos em dinheiro vivo?
Os pagamentos em dinheiro vivo fazem parte do que investigadores costumam classificar de “método clássico” da prática corrupta. Em geral, é uma maneira de evitar registros de entrada, para quem recebe, e de saída, para quem paga, de dinheiro ilegal. E Lula, como se nota, nunca se recusou a participar dessas operações nada ortodoxas. O depoimento agora revelado por ISTOÉ é a prova de que, sim, o petista não só esteve presente durante as negociatas envolvendo dinheiro sujo como aceitou receber em espécie, talvez acreditando piamente na impunidade. Se os repasses representavam meras contrapartidas a “palestras”, como a defesa do ex-presidente costuma repetir como ladainha em procissão, e se havia lastro e sustentação legal, por que os pagamentos em dinheiro vivo?
Na Odebrecht, as entregas de recursos a Lula sempre foram tratadas
sob o mais absoluto sigilo. Não por acaso, segundo apurou ISTOÉ, logo
que Marcelo Odebrecht foi preso, em junho de 2015, a empreiteira
presidida por ele, naquele momento vulnerável a buscas e apreensões da
Polícia Federal, acionou um esquema interno de emergência chamado de
Operação Panamá. Consistia em promover uma varredura nos computadores,
identificar os arquivos mais sensíveis e enviá-los para a filial da
empresa no país caribenho. O objetivo não era outro, senão desaparecer
com digitais e quaisquer informações capazes de comprovar transferências
de recursos financeiros da Odebrecht ao ex-presidente Lula. Àquela
altura, a empreiteira ainda resistia a entregar o petista, topo da
hierarquia do esquema do Petrolão. Mudou de planos premida pelo instinto
de sobrevivência.
Investigadores da Lava Jato vão querer saber, num próximo momento da
investigação, se os repasses em dinheiro vivo ao ex-presidente guardam
conexão com a operação desencadeada na última semana pela PF, sob o
epíteto de Dragão. Na quinta-feira 10, foram presos os operadores Adir
Assad e Rodrigo Tacla Duran, cujo papel era justamente oferecer dinheiro
em espécie para o sistema de corrupção. Pelo esquema, as empreiteiras
contratavam serviços jamais prestados, efetuavam o pagamento a Duran e,
ato contínuo, recebiam o dinheiro para pagar agentes públicos. A trama
só foi desbaratado graças à colaboração de um delator da Odebrecht:
Vinícius Veiga Borin. Ele contou à PF e procuradores como funcionava a
engrenagem da lavagem de dinheiro criada pelas empreiteiras: as contas
no exterior sob a batuta de Marcos Grillo, outro executivo da Odebrecht,
alimentavam o Departamento de Propina da empreiteira. Quando havia
necessidade de entregar valores em espécie no Brasil, eles recorriam a
offshores, controladas por Duran. A Lava Jato suspeita que o dinheiro
repassado a Lula possa ter integrado esse esquema.
Além de Marcelo Odebrecht, no corpo da delação da empreiteira Lula é
citado por Emílio Odebrecht, Alexandrino Alencar, ex-executivo da
empresa, e o diretor de América Latina e Angola, Luiz Antônio Mameri.
Faz parte do pacote de depoimentos relatos sobre uma troca de mensagens
eletrônicas entre Mameri e Marcelo Odebrecht. Nessas conversas fica
clara a participação de Lula para a aprovação de projetos da empreiteira
no BNDES. Em seu depoimento, o diretor confirmou as mensagens e disse
que as influências de Lula e do ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci,
hoje preso, foram decisivas para a aprovação de projetos definidos
exatamente como foram concebidos nas salas da Odebrecht, sem que fossem
submetidos a nenhum tipo de checagem. Mameri citou obras em Angola e
Cuba.
Nos últimos dias, a Procuradoria-Geral da República iniciou o estágio
da validação dos depoimentos, em que os 50 delatores e 32 colaboradores
lenientes da Odebrecht passaram a ler e confirmar o que já escreveram.
Tudo será gravado. A checagem de informações pode durar até o final
deste mês, uma vez que nem todos os executivos foram informados sobre a
data do encontro com os procuradores.
O ALCANCE DA DELAÇÃO
No total, a empreiteira vai reconhecer que pagou algo em torno de R$ 7
bilhões em propinas no Brasil e no exterior. Marcelo Odebrecht,
presidente da maior construtora do País, com 200 mil funcionários e um
faturamento anual de R$ 135 bilhões, só decidiu fazer delação premiada
depois de março desde ano, após ter sido condenado pelo juiz Sergio Moro
a 19 anos e 4 meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e
associação criminosa. Aos 48 anos, Marcelo se deu conta de que poderia
envelhecer na cadeia. Como o empreiteiro ainda é réu em várias outras
ações, seus advogados calcularam que ele poderia ser condenado a no
mínimo 50 anos. Com o acordo, suas penas reduzirão a dez anos de
reclusão. Como já cumpriu 1 ano e cinco meses, ficará detido até
dezembro do ano que vem. Depois, passará mais dois anos e meio em prisão
domiciliar e outros cinco anos em regime semi-aberto. As outras
condenações que vierem estarão englobadas no acerto.
As negociações se arrastaram por seis longos meses. A
Procuradoria-Geral da República só concordou com a delação para efeito
de abatimento de pena com a condição de que ele e os 80 executivos da
empresa relatassem crimes os quais a Justiça ainda não tinha comprovado.
Além da resistência inicial em implicar Lula, os executivos impuseram
outro dificultador: não admitiam que os repasses eram pagamentos de
propina. Queriam limitar tudo a caixa dois, mesmo diante de provas
inquívocas. A questão, no entanto, foi vencida depois que procuradores e
agentes federais endureceram o jogo. Sem as confissões de propina o
acordo voltaria à estaca zero, advertiram. Foi o suficiente para
imprimir velocidade às tratativas.
Todas as pessoas envolvidas no acordo ouvidas por ISTOÉ são unânimes
em afirmar que Lula é a estrela principal da delação. Recentemente, a
Polícia Federal associou os codinomes “amigo”, “amigo de meu pai” e
“amigo de EO” (Emílio Odebrecht) – que aparecem em planilhas de
pagamentos ilícitos apreendidas durante a Operação Lava Jato – ao
ex-presidente. Foi assim que a PF conseguiu rastrear o repasse de
aproximadamente R$ 8 milhões a Lula. Os pagamentos foram coordenados por
Marcelo Odebrecht e por Antonio Palocci. De acordo com o delegado
Filipe Pace, o dinheiro saía de uma conta corrente mantida pela
Odebrecht para pagamento de vantagens indevidas. O que Pace não sabia, e
a delação de Odebrecht conseguiu elucidar, era sobre os pagamentos em
espécie ao petista.
Evidentemente que os depoimentos dos executivos da empreiteira não
vão abarcar apenas os crimes praticados pelo ex-presidente Lula.
Envolverá também Dilma Rousseff (leia mais na pág. 36), integrantes do
governo do presidente Michel Temer, mais de 100 parlamentares e 20
governadores e ex-governadores. Os principais partidos atingidos pelas
delações da Odebrecht serão o PT e PMDB. É certo, no entanto, que
integrantes do PSDB também serão implicados pelos executivos da
empreiteira.
Para viabilizar os depoimentos, a Odebrecht utilizou serviços de 50
escritórios de advocacia de Brasília, São Paulo, Rio e Salvador, onde
depôs o empreiteiro Emílio Odebrecht, pai de Marcelo. Ao todo 400
advogados acompanharam os depoimentos. Como envolve políticos com foro
privilegiado, o acordo será assinado pelo ministro do STF, Teori
Zavascki. A expectativa é de que a homologação saia até o dia 21.
Paralelamente às delações premiadas, a Odebrecht fará um acordo de
leniência com a Controladoria-Geral da União (CGU), que deverá ser o
maior do mundo. O campeão até aqui era o da Siemens, celebrado com
autoridades dos Estados Unidos e vários países europeus em 2008. A
empresa alemã pagou US$ 1,6 bilhão em multas. Já no acordo de leniência
da Odebrecht com o governo brasileiro, a empreiteira poderá pagar uma
multa de R$ 6 bilhões. Com isso, a empreiteira poderá voltar a realizar
obras para o governo federal, hoje proibidas.
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