Rede de atendimento que não suporta a demanda
atual, assim como a falta de medicamentos considerados essenciais são
alguns dos problemas citados por quem convive com o vírus HIV no Estado.
Dia Mundial de Luta contra a Aids/HIV é celebrado no próximo dia 1º de
dezembro
Casada, mãe de dois filhos adultos e já avó, a coordenadora financeira
Credleuda Costa, aos 46, tem uma vida ativa. Trabalha de três a cinco
dias por semana, pratica exercício físico e gosta de sair para se
divertir com família e amigos. Diante de uma sociedade ainda
preconceituosa, pode até não parecer, mas Credleuda é soropositiva,
convivendo com o vírus HIV (vírus da imunodeficiência humana) há mais de
20 anos. Para ela, no entanto, o cenário de quem convive com a doença
no Estado está longe de ser favorável.
Com a proximidade de mais um Dia Mundial de Luta contra a Aids/HIV, com
data no dia 1º de dezembro, portadores do vírus ainda são obrigados a
lutar por direitos básicos a sua condição, como o acesso a uma
assistência médica de qualidade. Segundo aponta, a deficiência atinge,
inclusive, o Hospital São José, referência em tratamento. Atuando acima
da capacidade, quem precisa de atendimento muitas vezes é obrigado a
esperar mais do que o ideal pelas consultas, que podem chegar a um
intervalo de quatro meses ou mais, conforme conta Credleuda.
"Se descobre pessoas vivendo com o HIV todos os dias. O hospital São
José está lotado. Existem os SAEs (Serviço de Assistência Especializada
em HIV/Aids), mas que também não estão dando conta. Algumas unidades
aqui no Estado nem computadores têm, ainda utilizam fichas manuais. Isso
complica o atendimento e acaba gerando um atraso em todo o processo",
diz.
O coordenador da Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV/Aids
(RNP+Ceará), Vando Oliveira, estima que o Estado tenha, atualmente, 18
mil pessoas com o vírus, estando 60% desse público em tratamento no
Hospital São José. Além da lotação, a carência de medicamentos
utilizados para o combate às infecções oportunistas, conforme aponta, é
recorrente. "São antibióticos simples, que não deveriam faltar, mas que
faltam sempre. Tem paciente que passa até 30 dias esperando um
medicamento e que, não tendo, vai provocar a evolução do vírus".
Já são mais de 30 anos da doença no Estado, mas diante de uma patologia
grave e ainda sem cura, a falta de uma assistência integral, para o
coordenador do RNP+Ceará, é um dos motivos, até hoje, que impede a
redução do número de óbitos.
A gravidade, de fato, é refletida pelos números. De acordo com o último
boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), 138
pessoas no Ceará morreram somente neste ano (dados até junho) vitimadas
pela Aids. Até o último dia 16 de novembro, 585 novos casos foram
confirmados pela secretaria.
No Ceará, ainda conforme o levantamento, a maior ocorrência da doença
ocorre na faixa etária adulta de 30 a 39 anos, seguida dos adultos
jovens de 20 a 29 anos. A categoria de exposição com maior prevalência
dentre os casos notificados é a heterossexual, representando 44% das
notificações. Dentre os homens, entre os anos de 2007 e 2016, observa-se
um aumento de casos entre os homossexuais. Já entre as mulheres, é
predominante a categoria heterossexual, com margem acima dos 80% dos
casos na série histórica.
Retrocesso
O desafio de quem luta contra a doença também é visto como macro, na
avaliação de Dediane Souza, coordenadora do Grupo de Resistência Asa
Branca (GRAB), organização não-governamental que defende, entre as
causas, os direitos de pessoas vivendo com HIV/Aids. Segundo aponta, o
retrocesso nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) atinge
diretamente o tratamento das pessoas com HIV/Aids. "Se a gente fragiliza
o SUS, fragilizamos todos os tratamentos, os investimentos, a
assistência como um todo. Existe um grande mote das políticas municipais
e estaduais pelo Brasil, que é a despriorização das políticas de Aids.
Em nível estadual, nós tínhamos uma coordenação e hoje temos uma área
técnica. Em nível municipal, tínhamos uma área técnica e hoje é um grupo
de trabalho", explica.
A coordenadora ressalta, ainda, a necessidade de fortalecer o debate
sobre a prevenção primária, especialmente no ambiente escolar, assim
como as políticas de assistência às populações mais vulneráveis à
epidemia, como pessoas em situação de rua ou usuários de drogas. "O
governo federal tem uma prioridade central de testar e tratar, mas cadê o
debate central sobre a vulnerabilidade do sujeito? É preciso fortalecer
a política de assistência e a política de serviços, linkados com o
trabalho comunitário", comenta.
Trabalhar a prevenção a partir do viés educacional também é uma
estratégia defendida pelo coordenador do RNP+Ceará, Vando Oliveira. Para
ele, a falta de discussões e campanhas recorrentes sobre o tema
dificultam o esclarecimento da população, seja em relação à gravidade da
doença, ao diagnóstico, formas de prevenção, importância do tratamento,
entre outros aspectos. "Não existem campanhas frequentes falando da
importância das pessoas fazerem o teste, falando que o diagnóstico
quanto mais cedo melhor. Ainda há pouca informação, o que leva as
pessoas a terem um medo muito grande. Não dá para não se ter campanhas
numa epidemia que não está controlada e que só aumenta todo dia", diz.
Credleuda Costa, 46, acredita que reforçar a educação para além de
datas pontuais também é uma forma de combater o preconceito ainda
presente e que, aliado a uma assistência falha, contribui para o
agravamento do quadro de quem vive com a doença. "A pessoa com HIV tem o
direito de viver, de estar na sociedade porque ela é um ser humano. O
direito das pessoas com HIV são violados quase todos os dias,
principalmente quando um tratamento é interrompido, quando falta a
medicação. Isso é uma violação pois retarda o tratamento de uma pessoa e
o que a gente quer é que se tenha uma maior qualidade no atendimento a
essas pessoas. São mais de três décadas que o HIV está aqui e ainda se
precisa citar isso todos os dias".
Rede
O Ceará conta, hoje, com 26 unidades de saúde habilitadas para
atendimento a pessoas com o vírus HIV, segundo ressalta a técnica do
Núcleo de Vigilância Epidemiológica da Sesa, Telma Martins. Segundo
afirma, o número de serviços tem aumentado ano a ano, mas ainda segue
lento se levada em consideração a oferta de testes rápidos, em
crescimento maior e que, segundo diz, chega atualmente a 90% dos
municípios cearenses. "Em 2015, nós fizemos 192.710 testes rápidos. Em
2016, até novembro, nós fizemos 283.250 testes rápidos. Só nessa
metodologia de teste rápido, a gente já tem aumentado a cada ano o
numero de diagnóstico", afirma.
A estratégia, inclusive, é a grande meta da Secretaria, conforme
acrescenta, por avaliar que a utilização do teste rápido vai muito além
do que apontar um diagnóstico. A técnica explica que junto ao teste
sempre é realizado um trabalho educativo de prevenção. O diagnóstico
tardio é apontado por ela como dentre os motivos do Estado não conseguir
reduzir o índice de óbitos. "O número está estável, mas em um patamar
muito alto. A má adesão aos antirretrovirais, a resistência ao
tratamento, ou o próprio abandono, tudo colabora para essa mortalidade
ainda alta", explica.
Telma admite a necessidade de ampliar o ambulatório do Hospital São
José, mas defende a descentralização da assistência para outros
municípios. "O hospital deveria funcionar como referência para os casos
mais complexos e os outros casos encaminhados para unidades de menor
complexidade. A gente vem fazendo isso, mas ainda está muito aquém. Essa
decisão de implantar o atendimento é dos secretários municipais de
saúde. A rede precisa ampliar para as unidades básicas e esperamos que
em 2017 a gente tenha mais apoio para isso". Telma atribui, ainda, a
demora no repasse dos antibióticos a problemas com os fornecedores.
"Infelizmente esse é um problema que estamos tentando melhorar, mas não
está sendo fácil".
Ainda sobre a descentralização, a assessoria de comunicação da Sesa
informou que a Pasta trabalha na formação profissional para o
atendimento, também, nas policlínicas.
Por
Renato Bezerra - Repórter Diário do Nordeste
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