NELSON ANTOINE/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO
O repórter fotográfico Chello mostra celular atingido por uma bala durante confronto

Já era um começo de tarde tenso na Cracolândia, região central de São Paulo, nesta quinta-feira, 23, por causa de um confronto entre policiais e uma multidão,
quando um grupo de fotógrafos começou a gritar em desespero. Uma poça
de sangue estava no chão, em uma calçada da esquina da Alameda Barão de
Piracicaba com a Rua Helvétia, e era possível ver um homem sendo
carregado, socorrido pelos moradores de um hotel instalado ali, ilhados
entre a troca de pedras e bombas feitas por policiais militares e os
frequentadores do "fluxo", a concentração de usuários de crack que
caracteriza a região.
"Acertaram o fotógrafo", "acertaram o
fotógrafo", gritavam os homens com câmeras na mão, andando a esmo
enquanto o confronto ainda continuava.
O homem sendo carregado
era o fotógrafo Dario de Oliveira, da agência Código 19. Segundo a Santa
Casa de Misericórdia, que o recebeu minutos depois, ele foi atingido
por "disparo de arma de fogo" na perna. Foi atendido, passou por exames
mas, até o fim da tarde, não tinha previsão de alta.
Oliveira
foi o único baleado por causa da sorte de um de seus colegas. Eram para
ser dois os feridos. Marcelo Chello, fotógrafo profissional que também
registrava a ação, foi atingido na mesma hora que Oliveira. A diferença é
que a bala que acertaria sua perna parou no celular, no bolso esquerdo
de sua calça jeans. A peça de roupa ficou furada. O celular, destruído.
Mas Chello estava bem.
"Deve ter ficado sim", disse, ao ser
questionado se a perna estava roxa. Ele ainda não tinha visto. Estava
preocupado com a câmera, instrumento de trabalho, que parecia quebrada. E
um tanto atônito. Pediu para dois colegas avisarem sua mulher que
estava bem.
Chello contou que não sabia de onde havia vindo o
disparo. Ele não sabia dizer se era do fluxo e suspeitava de um
segurança que havia visto instantes antes. Afirmou não saber se poderia
ser da PM, também, mas acreditava que não.
"A gente infelizmente
está sujeito a esse tipo de coisa quando trabalha", lamentou o
fotógrafo, enquanto conversava com os colegas de TV, de rádio, de
jornais e das agências de notícias nacionais e internacionais que
estavam lá para relatar o conflito. Brincou ser estranho virar
"personagem" -- jargão jornalístico que descreve as pessoas
entrevistadas durante uma matéria.
Tiros
A conversa calma de Chello ocorreu cerca de meia hora após o fim da
confusão. Quando os fotógrafos foram atingidos, no entanto, o clima
voltou a ficar tenso.
O disparo de arma de fogo fez os policiais
militares que atuavam na retaguarda do confronto mudar de postura. Uns
desabotoaram os coldres das armas, outros ficaram com pistola na mão. Um
deles ficou paralisado na frente dos carros, com uma metralhadora
amparada com os dois braços. Os agentes da linha de frente, com escudos,
continuavam atirando bombas de efeito moral e disparando balas de
borracha para fazer a turba recuar. Conseguiram, mas depois de levarem
pedradas e rojões. A multidão recuou pela Rua Helvétia, ficando mais
perto da Alameda Dino Bueno do que da Alameda Barão de Piracicaba.
Os policiais permaneceram agitados. Uma policial, com escopeta na mão,
gritava "tentaram acertar o tenente. O tiro era para acertar o tenente",
enquanto apontava a arma para os moradores da Helvétia que, da porta
das casas e de dentro dos bares viam, alguns até sentados, o confronto
todo. Os moradores reclamaram de verem a arma apontada para eles.
Com o fluxo forçado a voltar para o lugar de sempre, a coisa foi se
acalmando. A linha de frente de escudos de policiais recuou por volta
das 14h30, e de repente correu para a Avenida Rio Branco. De lá, passado
alguns instantes, foram embora, deixando apenas alguns policiais de
vigilância. Os confrontos, intercalados, já duravam quatro horas.
O fluxo já estava em seu lugar "normal" e os jornalistas passavam
retornos para suas redações, quando um grupo vindo do fluxo ensaiou uma
aproximação. Diziam que iriam devolver celulares.
Durante o
confronto, dois jornalistas tiveram seus celulares roubados. Um
correspondente estrangeiro da Agence France-Presse e um repórter do
portal G1. O primeiro teve o telefone roubado de dentro do bolso. O
segundo, teve o equipamento levado de suas mãos enquanto ele filmava a
ação.
"Vamos devolver o celular. Daqui para cá ninguém rouba
ninguém", dizia um rapaz, sem camisa e de bermudas, com várias
tatuagens. "O seu é o quê? É iPhone 6? É o 7?" perguntava. Pouco depois,
um dos celulares apareceu. Era o do correspondente. O portal G1 ficou
no prejuízo.
A entrega do telefone acalmou os ânimos. Os rapazes
do fluxo começaram a dizer que assistiam a alguns dos jornalistas que
estavam ali. Meninas apareceram e foram cumprimentar com beijos uma
repórter da Bandeirantes. "Sou sua fã", disse uma das garotas à jovem
repórter.
"E aí, acalmou?", perguntou um dos rapazes a um
oficial da PM que permanecia no local. "Da nossa parte sempre está
calmo. Acalmou para vocês?", devolveu o oficial. Havia acalmado.
Os frequentadores da área procuraram os repórteres para falar de
pessoas feridas pelas bombas. Falaram de uma mulher, que estava grávida,
que teria sufocado com os gases das bombas. Os policiais relataram sete
agentes feridos. À reportagem, o tenente-coronel Alexandre Gasparian,
comandante da área, confirmou cinco -- foram levados para o Hospital da
Polícia Militar. Mais tarde, a Secretaria Estadual da Segurança Pública
soltou nota falando de seis.
No meio da tarde, já pelas 15
horas, o fluxo --que se assemelha a um cardume de pessoas girando na
esquina da Helvétia com a Dino Bueno -- já voltava à rotina. Pelas
redondezas, os utilitários da Força Tática da PM ficaram circulando o
bairro devagar, esperando ver se havia acalmado mesmo.
Perto das
16h30, guardas-civis metropolitanos que também ficam na região chegaram
a atirar bombas em usuários de crack da área em um princípio de novo
confronto, que não se concretizou.
A Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) divulgou nota em que "repudia,
com veemência, as agressões sofridas por dois fotógrafos que faziam a
cobertura" do confronto.

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