James Gathany/Centers for Disease Control and Prevention via AP

Um ano após ter sido considerado emergência global pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), em meio a um surto no Nordeste brasileiro, o
vírus Zika volta a ser uma preocupação para pesquisadores.
A
doença causada pelo vírus, a zika, raramente leva à morte, mas, em
mulheres grávidas, pode causar malformações no feto - e foi ligada ao
nascimento de milhares de bebês com microcefalia desde o segundo
semestre de 2015, principalmente na região Nordeste.
Novas
descobertas sobre o comportamento do vírus, divulgadas na revista do
Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano (CDC), indicam que o
Nordeste poderia ter um novo surto de grandes proporções ainda este
ano.
"Havia uma percepção de que a maioria da população estaria
imune ao vírus após o primeiro surto, mas agora isso caiu por terra.
Devemos acender o alerta", disse à BBC Brasil Carlos Brito, membro do
Comitê Técnico de Arboviroses do Ministério da Saúde.
Até agora,
os pesquisadores consideravam que, ao entrar em contato com uma
população ainda não exposta a ele, o vírus Zika tinha a capacidade de
atacar cerca de 80% das pessoas - o que significaria, em teoria, que a
maior parte da população estaria imunizada contra um segundo ataque.
A estimativa, feita pela OMS e utilizada pelo Ministério da Saúde, se
baseava em um estudo sobre o surto de zika nas ilhas Yap, na Micronésia
que, segundo Brito, não parecia correto.
"Aquele estudo tinha
muitas lacunas de metodologia e de amostra. Com base na nossa observação
cotidiana dos casos já percebíamos que aqueles dados não eram
coerentes."
Uma revisão dos dados da epidemia na Polinésia
Francesa feita por cientistas franceses e polinésios, mostra que, na
verdade, o vírus ataca cerca de 49% de uma população no primeiro
contato.
"Esse resultado significa que metade da população
entrou em contato com o vírus e a outra metade ainda está exposta. O
medo agora é que em 2017 ou 2018 possamos ter um retorno da doença para
esses 50% que ainda não foram atingidos", explica Brito.
"E
ainda não temos evidências concretas de que as pessoas que já foram
infectadas ficam realmente imunes. É o que geralmente acontece com as
arboviroses (doenças transmitidas por mosquitos), mas ainda não há
certeza no caso do Zika."
Sem sintomas?
Outra
estimativa inicial da OMS, também baseada nas estatísticas da Micronésia
e agora questionada pelos novos dados, é a de que 80% das pessoas que
contraem a doença não apresentam sintomas.
"Neste novo estudo
sobre a Polinésia, eles já dizem que só 56% das pessoas que tiveram a
doença não apresentavam sintomas. Ainda não temos um novo percentual
definitivo, eu vejo um percentual até menor na clínica, mas já sabemos
que é bem menos que 80%", afirma Brito.
"Nós analisamos 87 gestantes que tiveram Zika e 70% delas tinham sintomas, especialmente o rash (vermelhidão e coceira no corpo). No surto aqui, as emergências ficavam lotadas com pacientes com o mesmo sintoma."
Se o Nordeste, que já foi atingido fortemente pelo vírus, não está
imune, outros Estados brasileiros têm ainda mais razões para se
preocupar, segundo o pesquisador.
"Nem sempre se tem um surto
grande em todo o país quando um vírus entra. Os surtos ocorrem com
intensidades diferentes em locais diferentes. A dengue está no Brasil há
30 anos e só agora consideramos que São Paulo teve um surto expressivo,
por exemplo", diz.
O Brasil ainda não tem, segundo ele,
estimativas da soroprevalência do vírus em cada Estado. Por isso, ainda
não é possível saber quantas pessoas foram infectadas no primeiro surto
em cada local.
"É um grande erro achar que o Zika e a microcefalia foram um problema só de Pernambuco. Ou só do Nordeste."
'Para ficar'
No segundo semestre de 2015, quando médicos registraram um aumento
incomum no número de bebês nascendo com microcefalia em Pernambuco,
Carlos Brito foi o primeiro especialista a levantar uma possível conexão
entre as malformações e o vírus Zika.
Começavam a aparecer as
consequências mais graves do surto da doença, que tinha atingido pela
primeira vez o Estado, e que teve um pico entre março e abril daquele
ano.
Com o aumento de casos de microcefalia - uma malformação no
cérebro - e de outras complicações causadas pelo Zika, que também
chegava a outros países das Américas, a OMS declarou, em 1º de fevereiro
de 2016, que o vírus era uma "emergência global".
Nos meses seguintes, o vírus chegou a 75 países e passou a circular em todos os Estados brasileiros.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil teve 214 mil casos prováveis de
Zika desde fevereiro de 2016, quando a notificação dos casos tornou-se
obrigatória, até 17 de dezembro. Cerca de 11 mil infecções em gestantes
foram comprovadas.
Em novembro do ano passado, o status
emergencial foi retirado pela OMS, mas em entrevista coletiva, o
diretor-executivo do Programa de Emergências de Saúde do órgão, Pete
Salama, disse que o vírus "veio para ficar".
No Nordeste,
especialmente em Pernambuco, o surto de Zika foi seguido pelo forte
ataque do vírus da febre chikungunya, também transmitido pelo mosquito Aedes aegypti.
Os vírus da dengue, da chikungunya e da zika competem entre si dentro
do mosquito, de acordo com Carlos Brito. Isso explica por que os surtos
não ocorrem ao mesmo tempo e também indica que um retorno do Zika pode
estar próximo.
"Os Estados do Nordeste que tiveram agora surtos
de chikungunya tendem a ser atacados por outro arbovírus em seguida.
Geralmente é assim que ocorre. E o número de casos de dengue aqui tem
sido baixo, porque o vírus já circula há 30 anos. Por isso, o Zika é
novamente o principal candidato."
"Imaginamos que, com os três
vírus circulando, uma nova epidemia de Zika não seria tão grande quanto
em 2015, mas ainda não podemos afastar essa possibilidade. A população
não está protegida dos casos de microcefalia e de complicações
neurológicas", afirma.
Sudeste
Pelo mesmo motivo, a
região Sudeste, especialmente São Paulo, também pode estar mais
vulnerável aos vírus da zika e da chikungunya, diz ele.
"Baixamos um pouco a guarda na vigilância e o mosquito está disseminado.
Tanto é que batemos recordes de casos de dengue em 2015 e em 2016. Em
São Paulo tivemos o primeiro surto expressivo de dengue em 30 anos. Este
ano, zika ou chikungunya são candidatos fortes."
De acordo com o
Ministério da Saúde, o Brasil teve quase 1,5 milhão de casos de dengue
de janeiro a 24 de dezembro de 2016 - o surto foi maior na região
Sudeste.
No início de janeiro, o Ministério da Saúde afirmou ter
repassado R$ 178 milhões a Estados e municípios para ações de
vigilância e combate ao Aedes aegypti.
A pasta também
anunciou que será obrigatório para todos os municípios de mais de 2 mil
habitantes realizar o Levantamento Rápido do Índice de Infestação para Aedes aegypti (LIRAa),
que identifica os locais onde há focos do mosquito. Até então, os
municípios podiam escolher se aderiam ou não ao levantamento.
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