No complexo
I do Instituto Penal Professor Olavo Oliveira (IPPOO II), em Itaitinga, muitas
esposas visitam seus companheiros às quartas e aos domingos ( JL Rosa )
"Quem
diz que não tem como se comunicar com preso lá dentro, está mentindo. Eu falo
com o meu marido pelo menos uma vez todo dia, quando ele pega celular
emprestado". A fala de Cláudia (nome fictício) mostra que o diálogo entre
detentos e familiares vai além dos dias de visita e é mais fácil do que
aparenta, "basta ter dinheiro que consegue", complementa a
companheira do interno.
De acordo
com a Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus), em 2016 foram 4.473
celulares apreendidos no interior das unidades prisionais do Estado. Embora o
número ainda seja muito elevado, caiu 22% em comparação com o ano de 2015,
quando foram recolhidos 5.752. Mesmo com a redução progressiva dos números, que
em 2014 se mostravam ainda maiores somando 6.580, a permanente utilização
ilegal dos aparelhos pelos detentos que são custodiados nas unidades prisionais
do Ceará preocupa e se mostra um desafio no Sistema Penitenciário.
Os efeitos
causados pelo uso do celular nos presídios é tema recorrente entre os
especialistas que trabalham em prol do combate à violência. O presidente do
Conselho Penitenciário do Ceará, Cláudio Justa, alega que há uma forte atuação
das facções criminosas, por meio dos aparelhos que ultrapassam o limite das
muralhas.
"Nós do
Conselho percebemos que essas entradas são facilitadas por conta das facções
criminosas. Há uma coparticipação de agentes do Estado que ajudam nisso. Se as
facções não forem isoladas, dificilmente será resolvido algum problema. A
transferência dessas lideranças para presídios federais de segurança máxima
deve ser pensada com muita seriedade. O Estado precisa tomar o controle das
unidades para não se intimidar e não continuar a viver essa vulnerabilidade",
ressaltou Justa.
Conforme o
coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade
Federal do Ceará (UFC), César Barreira, o celular ocupa local central na
articulação dos crimes: "É uma cultura fortalecida a ser barrada. Já vemos
que, hoje, existe uma política de controle mais forte do que há alguns anos. A
própria corrupção, que é um dado presente e precisa ser lembrado, já está em
menor escala devido ao controle dessas práticas".
Cláudia, que
espera o marido cumprir uma condenação de sete anos por homicídio, revela que o
aparelho está diretamente ligado à influência que o preso tem no cárcere.
"Tem preso que comenta que tem dois, três telefones e ficam emprestando
uns para os outros. Tem preso que tem até WhatsApp. Esses celulares simples é
uns R$ 800. Um desse melhor, que tem internet, já é R$ 2 mil, R$ 3 mil. Isso se
ele comprar lá dentro, porque quem tem poder de botar para vender põe o preço
que quer. Meu marido nunca me pediu para tentar entrar com um, porque ele sabe
que não tenho coragem. Morro de medo, mas vamos ajeitar", conta a jovem,
que faz das visitas sua rotina há seis anos.
Bloqueadores
Mesmo
reclusos, diversos criminosos permanecem com o poder de interferir na Segurança
Pública se comunicando através dos telefones móveis com seus comparsas que
estão soltos. A importância das ordens que vêm das unidades prisionais para as
ruas do Ceará pode ser vista durante a sequência de rebeliões promovida no fim
do primeiro semestre de 2016, quando muitos dos detentos tiraram proveito do
caos instaurado para eliminar desafetos e fazer exigências.
Conforme a Polícia,
por meio de celulares já partiram do presídio ordens para que ônibus fossem
incendiados, bancos fossem atacados, pessoas fossem mortas e até para que um
carro-bomba fosse colocado em frente à Assembleia Legislativa do Ceará, em
represália ao anúncio do Governo que o sinal nos presídios seria bloqueado.
Questionada
sobre a discussão da necessidade de instalar bloqueadores que interrompam o
funcionamento do sinal nas prisões, a Sejus informou, por meio do coordenador
do Sistema Penitenciário, Edmar Santos, que o bloqueio não foi descartado, e há
um processo judicial em andamento junto às operadoras de telefonia.
"Só uma
tecnologia bloqueia outra com eficiência. Praticamos as vistorias gerais, mas a
gente sabe que isso é um processo rudimentar. Entendemos que há toda uma
estrutura de análise a ser feita", disse Santos.
Já o
presidente do Sindicato dos Agentes e Servidores Públicos do Sistema
Penitenciário do Estado do Ceará (Sindasp), Valdemiro Barbosa, acrescentou que
"as operadoras trabalham para fornecer sinal e não para bloqueá-lo".
"Cabe à Justiça Federal implementar uma lei que abranja todo o País",
considera.
Fiscalização
Em março de
2014 chegaram às penitenciárias da Região Metropolitana de Fortaleza os seis
primeiros body scanners, com a promessa de evidenciar irregularidades no
transporte de objetos proibidos. Comprovada a eficácia inicial, em junho de
2016 a Sejus informou que o aparelho estava disponível nas 11 grandes unidades
do Estado.
De lá para
cá, a entrada dos aparelhos pelas portas da frente se tornaram mais inibidas,
mas a fiscalização com os body scanners não se mostrou suficiente para barrar o
ingresso dos celulares, pois em contrapartida, a Sejus constatou um aumento nas
tentativas de 'rebolo' (jogar por cima das muralhas objetos ilícitos para
dentro dos presídios).
Conforme o
coordenador do Sistema Penitenciário da Sejus, Edmar Santos, a eficiência do
body scanner unido ao processo de segurança feito nas buscas pontuais e à
interferência de outras tecnologias implementadas pela Sejus junto ao
Ministério da Justiça, os criminosos se deram conta que podiam recorrer a outro
gargalo na segurança, desta vez mais visível: as muralhas.
"Fechamos
uma janela, eles tentam abrir outras. Perceberam uma falha na segurança das
muralhas devido ao pouco contingente humano. Para evitar esse 'rebolo',
solicitamos que a PM ocupe o máximo de guaritas possível e fazemos rondas
internas motorizadas com os próprios agentes", destacou o coordenador do
Sistema.
O presidente
Sindasp-CE, Valdemiro Barbosa, lembra que a vinda dos equipamentos tecnológicos
propiciou uma melhor e mais completa atuação dos agentes penitenciários. Para o
representante da categoria, o ganho também foi das visitantes, já que o momento
da revista se torna menos constrangedor para ambas as partes.
"Os
bandidos aqui fora conseguem enviar para os bandidos lá de dentro por 'rebolo'.
Pela porta da frente não entra, o equipamento é eficaz, mas algumas unidades
prisionais têm dezenas de guaritas, e só uma ou duas estão ocupadas. Os
presídios estão cheios de grades serradas e isso facilita os 'rebolos'", contou.
Sobre as
ondas de radiação emitidas que poderiam prejudicar a saúde de quem tenha
contato demasiado com os scanners, o presidente do Sindasp-CE e o coordenador
do Sistema Penitenciário convergem e dizem que a restrição é apenas para
gestantes e pessoas com problemas cardíacos que apresentem laudo médico.
Por Emanoela
Campelo de Melo Repórter
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