Mariana Sanches e Mariana AlvimDa BBC Brasil em São Paulo
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Claudia é acusada pelo homicídio, em 2007, do ex-piloto da Força Aérea americana Karl Hoerig
Quando um avião fretado pelos Estados Unidos e repleto de agentes da Interpol tocou o solo americano, por volta das 23h desta quarta, Claudia Cristina Sobral Hoerig, de 53 anos, se tornou a primeira brasileira da história a ser extraditada para ser julgada no exterior.
A aeronave, que partiu do Brasil sob forte esquema de segurança e sigilo, levava Claudia de volta ao país ao qual ela se naturalizou e de onde, há dez anos, teria fugido logo após assassinar o marido, Karl Hoerig, ex-piloto da Força Aérea Americana.
A volta de Claudia é também um marco para a história das relações internacionais brasileiras e abre a possibilidade de que mais brasileiros que tenham obtido cidadania de outras nações possam enfrentar processos semelhantes ao dela.
O caso judicial de Cláudia se arrastou por mais de dez anos antes que ela entrasse no voo da Interpol.
A brasileira nasceu Cláudia Cristina Sobral, no Rio de Janeiro, mas se mudou para os Estados Unidos ainda nos anos 1990. Casou-se com o médico nova-iorquino Thomas Bolte e, graças à união, conseguiu o Green Card - a licença permanente para viver e trabalhar no país.
Nos Estados Unidos, se tornou contadora. Em 1999, já divorciada de Bolte, resolveu concluir o processo de naturalização como cidadã americana. A mudança facilitaria a atuação profissional de Claudia, que teria aumentado seus rendimentos em cinco vezes depois da alteração de nacionalidade, de acordo com o que disseram os advogados dela no processo brasileiro.
O que talvez Claudia ignorasse no momento em que tomou essa decisão é que, ao assumir a a cidadania americana, ela estaria necessariamente abrindo mão da brasileira.
Casamento e morte
Karl Hoerig e Claudia teriam se conhecido pela internet. Ele era um veterano das guerras do Afeganistão e do Iraque e, depois de voltar aos Estados Unidos, trabalhava como piloto comercial. Em 2005, eles se casaram, ela adotou o sobrenome dele e o casal foi morar em Newton Falls, um vilarejo de cerca de 5 mil habitantes em Ohio, onde Hoerig nasceu. O casamento, no entanto, não durou nem dois anos.
O corpo de Hoerig foi encontrado em 15 de março de 2007, na casa dos dois, com perfurações de balas nas costas e na cabeça. Apenas três dias antes, no suposto dia da morte do piloto, um vizinho do casal teria visto Claudia sair de casa com pressa.
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Ex-piloto serviu nas guerras do Iraque e Afeganistão
Naquele dia, ela voou para o Brasil, deixando para trás boa parte dos pertences pessoais. As investigações da polícia de Ohio concluíram que Hoerig havia sido alvejado por disparos de um revólver Smith & Wesson, calibre 357 - semelhante a um modelo que Claudia havia comprado apenas cinco dias antes da descoberta do homicídio.
Testemunhas disseram tê-la visto praticando tiro com a arma em um alvo próximo à casa. Para a polícia americana, ela se converteu na suspeita número um. Um pedido de prisão foi expedido.
A Interpol a incluiu na lista de procurados e o Estado americano entrou com um processo no Brasil para que ela fosse devolvida a território americano para ser julgada.
O processo
O caso causou comoção nos Estados Unidos, onde Hoerig é frequentemente retratado como herói nacional. No Facebook, um ex-colega de Forças Armadas do piloto criou uma página - intitulada Justice For Karl Hoerig - para divulgar notícias do caso e pressionar políticos americanos pelo retorno de Claudia.
Em documentário sobre o caso veiculado pela TV Americana CBS em novembro passado, a família do ex-piloto faz acusações contra ela.
"Eu descobri (que Karl havia morrido) quando o meu irmão mais velho me ligou e me contou. Ele simplesmente disse: 'Karl está morto'. Assim que ele disse "Karl está morto", eu já sabia quem tinha feito isto. Imediatamente, eu sabia que tinha sido ela", disse o irmão dele, Paul Hoerig, ao programa "48 hours", da rede CBS.
No mesmo programa, a família afirma que o casamento de Claudia e Karl Hoerig era tumultuado, marcado por brigas e discussões.
Até esta quarta, ela não havia mais pisado nos Estados Unidos. Constituiu advogados brasileiros que levaram o caso até o Supremo Tribunal Federal (STF), onde o assunto foi julgado em março de 2017.
Ao longo do processo, Claudia foi destituída da nacionalidade brasileira. Em julho de 2013, o Ministério da Justiça oficializou a anulação.
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Caso de Claudia Hoerig passou pelo STF brasileiro, que autorizou sua extradição
No Supremo, os ministros da Primeira Turma levaram em conta que, quando Claudia optou pela nacionalidade americana em 1999, sua nacionalidade brasileira estava definitivamente anulada.
Isso porque a Constituição brasileira prevê, em seu 12º artigo, a perda da nacionalidade brasileira quando outra é adquirida, com algumas exceções - nenhuma delas, para a corte, aplicável ao caso de Claudia.
"A Constituição é muito clara sobre a perda da nacionalidade brasileira. Mas o Brasil não costuma ir atrás das pessoas para retirá-la e alguns consulados brasileiros pelo mundo já chegaram a orientar que não haveria perda dela. Criou-se um clima de não crença na Constituição e isso foi corroborado por práticas administrativas", afirma Ana Flávia Velloso, professora de Direito Internacional no Centro Universitário de Brasília (Uniceub-DF).
Ela conclui: "A decisão do STF sobre o caso Claudia Hoerig indica o que a Constituição dizia e ninguém acreditava. Se a prática administrativa vai mudar em razão disso, só o tempo vai dizer", diz a especialista.
O resultado não foi unânime. O Ministro Marco Aurélio Mello protestou contra o entendimento dos colegas:
"Uma primeira vez tem que ser a primeira vez, até pela própria nomenclatura. Vejo que este colegiado (...) está para inaugurar a entrega de uma brasileira nata, ante extradição, a um governo irmão."
Foi voto vencido.
Apelações
Claudia tentou reaver a nacionalidade brasileira. Em entrevista ao portal de notícias G1, um dos advogados da contadora, Antônio Andrade Lopes, afirmou que, nos dez anos em que morou no Brasil, ela viveu na região serrana do Rio e voltou a se casar, desta vez com um brasileiro.
Apenas dois dias antes de embarcar no avião da Interpol, Claudia teve negado um mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que pedia novamente para voltar a ser oficialmente brasileira. A manobra impediria a extradição.
A BBC Brasil enviou mensagens aos advogados de Claudia, mas não obteve respostas.
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Primeira turma do Supremo decidiu pela extradição de brasileira em 2017 | Foto: STF
Penas
O Estado de Ohio possui previsão de pena capital e prisão perpétua, mas nenhuma das duas penas poderá ser aplicada à Cláudia caso ela seja condenada em um julgamento, cuja data ainda não está definida.
Em sua decisão, o Supremo concordou com a extradição de Claudia desde que lhe fosse aplicada, na pior das hipóteses, a pena máxima de 30 anos de prisão.
Consultado, o Ministério da Justiça afirmou em nota à BBC Brasil que "a efetivação da extradição só ocorreu após os EUA terem formalmente apresentado ao Brasil o compromisso de a extraditada não ser condenada à pena de morte ou de prisão perpétua".
De acordo com o órgão, "havendo uma condenação à pena superior ou que não seja aplicada pelo Estado brasileiro, o governo norte-americano compromete-se a substitui-la pela pena máxima aplicada no Brasil, que é a de 30 anos de prisão".
O Brasil não deve prestar assistência jurídica à Cláudia ou à sua família brasileira - que não foi localizada pela BBC Brasil. O país já não tem mais competência sobre o assunto.
Mas, mesmo admitindo que Cláudia não é mais brasileira e que os Estados Unidos são os legítimos julgadores do caso, o Brasil ainda pode fazer exigências sobre o tipo de pena que pode ser aplicada à ela, segundo Florisbal de Souza Del'Olmo, professor de direito da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI):
"Pelo simples fato do réu estar aqui no Brasil, e sendo o país aquele que vai extraditar, ele pode impor suas condições. Para os parâmetros internacionais, o não cumprimento destas condições pelo país de destino seria uma grave infração."
Consultado, o Ministério da Justiça afirmou em nota que "irá acompanhar o desenrolar do processo, a fim de verificar se os compromissos assumidos pelos Estados Unidos estão sendo cumpridos".
Claudia está agora em uma cela em uma prisão do condado de Trumbull.
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