As Viúvas – Vida roubada

Berenice de Lima perdeu o marido numa tentativa de assalto a um posto de combustível onde ele trabalhava. Cinco anos depois, as marcas do crime são perceptíveis


Berenice de Lima Tavares ouviu de casa os tiros que mataram seu marido, que trabalhava em posto vizinho (Foto: Fernanda Moura/Tribuna do Ceará)

Por Roberta Tavares

Deu para ouvir os tiros de casa. E bastou ir até a esquina para identificar o corpo do marido no chão. Berenice de Lima Tavares, de 55 anos, relembra com amargura a noite em que o barulho dos disparos que vitimaram o marido a fez acordar de um sonho.

“Eu estava deitada, quando ouvi os tiros. Saí correndo. Cheguei à esquina, vi muita gente no posto, olhei para o chão e vi o corpo dele. Ave Maria, não sei não, não enxergava mais nada na minha frente, não sei nem quem me tirou de lá”, desabafa.

Vigilante, Francisco de Assis do Nascimento, de 57 anos, havia acabado de chegar para mais um expediente no posto de combustível localizado a poucos metros de casa, no Bairro Santa Maria, em Fortaleza. Eram 11 horas da noite de uma terça-feira.

Dois homens em uma motocicleta abordaram o trabalhador em uma tentativa de assalto ao estabelecimento. Armado com um cassetete, teria esboçado uma instintiva reação quando foi baleado com um tiro na cabeça. Disparo que atinge profundamente o coração da viúva até hoje.

Há cinco anos e quatro meses, a certidão de casamento e o atestado de óbito se perdem em meio a dezenas de papéis. Com o semblante triste e monossilábica, Berenice ainda enche os olhos d’água ao comentar sobre o assunto. Criou uma espécie de barreira invisível.

Os cabelos grisalhos de saudade e o rosto marcado pelo sofrimento são características que a viúva carrega desde 14 de dezembro de 2010. Uma parte de Berenice parece ter morrido junto a Francisco. “Fiquei sentindo aquela coisa ruim, sabe? Ele era o meu grande companheiro, há 20 anos. É muito ruim não ter ele comigo”.

Sem apoio psicológico, passou dois anos dentro de casa permeada por lembranças, em choro constante, um estágio próximo à depressão. Para completar, recebe pensão de viúva de apenas cerca de R$ 800 por mês junto ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). À época, foi indenizada com R$ 5 mil. Ela desistiu de buscar os direitos por falta de força para sair de casa. Como se a vida estivesse suspensa, sem previsão de retorno.

Reergueu-se graças ao apoio da irmã (também viúva), das três filhas, dos três netos e da religião. “Eu rezo muito por ele. Peço que esteja em um bom lugar”. O deitar na rede à tarde e a batida na porta na chegada do trabalho são os pequenos atos que sente mais falta. “Dia de domingo de manhã, ele chegava do trabalho com as compras. Às vezes, eu fico só lembrando. Ele era muito bom para mim, não deixava faltar nada”.

“De vez em quando, olho para lá e penso que ele pode aparecer, mas lembro que isso não vai acontecer”

Na vã tentativa de querer o que já não existe mais, guardou durante anos as roupas de Francisco. Por insistência da irmã, teve de desapegar de tudo. Mas apenas uma conseguiu preservar: a preferida do marido. 
Uma camisa de botão de cor amarela. Com carinho, ainda lava a roupa, cheira, abraça e sorri. “Eu era muito ciumenta. Se tivesse a chance de falar com ele, diria que gostava muito, que era apaixonada por ele”.

Até hoje, evita passar na frente do posto de combustível, a fim de esconder a recordação da fatídica noite. “De vez em quando, olho para lá e penso que ele pode aparecer e vir para casa, mas lembro que isso não vai acontecer. Fiquei com trauma, porque o meu genro foi assassinado nessa rua”.

Agora, mãe e filha dividem o mesmo drama da viuvez dentro de casa. “Quando o marido dela morreu, senti o mesmo que ela. Era como se estivesse acontecendo tudo de novo. Para mim, vai doer para o resto da vida”.
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Sobre jaguarverdade

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