Produto desenvolvido por pesquisadores da USP interrompe ciclo de desenvolvimento do mosquito transmissor dos vírus da dengue, Zika e chikungunya
(A) larva sem o biossurfactante (B) Após 24 horas de
aplicação do biossurfactante - o destaque em vermelho mostra as
alterações no exoesqueleto da larva
– Pesquisadores da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP) desenvolveram um biolarvicida a partir do bagaço da cana-de-açúcar capaz de eliminar as larvas do mosquito Aedes aegypti – transmissor dos vírus da dengue, Zika e chikungunya – ao dificultar a respiração e destruir a cutícula (exoesqueleto) que as revestem.
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O processo de produção do biolarvicida, que foi patenteado, resulta do
projeto "Biossurfactantes como moléculas versáteis", feito com apoio da
FAPESP, e do trabalho de doutorado de Paulo Franco, realizado na
EEL-USP.
“Constatamos que o produto é capaz de matar as larvas do mosquito Aedes
aegypti em até 24 horas após ser diluído na água e destruí-las em até
48 horas”, disse Silvio Silvério da Silva, professor da EEL-USP e
coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
De acordo com Silva, que orienta o doutorado de Franco na área de
biotecnologia industrial, o produto é um surfactante – composto capaz de
reduzir a tensão superficial (elasticidade da superfície) dos líquidos e
emulsionar compostos com diferentes polaridades (eletronegatividade),
como as polares e as apolares.
Utilizados largamente na indústria, principalmente em produtos de
limpeza, como detergentes, por sua capacidade emulsionante – de unir
substâncias que não se misturam, como a água e o óleo –, a maioria dos
surfactantes encontrados hoje no mercado é derivada de petróleo e pode
causar graves problemas no meio ambiente, principalmente em ecossistemas
aquáticos, explicou Silva.
“Alguns estudos apontam que em ambientes com excesso de surfactantes
nota-se acúmulo de espuma nos rios, diminuição de oxigênio dissolvido na
água e da permeabilidade da luz. Além disso, esses compostos interferem
em processos biológicos, como o ciclo do nitrogênio, e sua degradação
pode aumentar as concentrações de compostos xenofóbicos [estranhos a um
organismo ou sistema biológico] e causar a mortandade de organismos”,
afirmou.
Ao tentar desenvolver uma alternativa de surfactante proveniente de uma
fonte renovável e com toxicidade baixa ou nula, Silva e Franco
conseguiram obter o produto a partir do bagaço da cana-de-açúcar, com as
mesmas propriedades de um surfactante sintético, produzido por síntese
química.
“Conseguimos obter o composto, que chamamos de surfactante ‘verde’ ou
biossurfactante de segunda geração, a partir de leveduras que produzem a
substância durante o processo de fermentação dos açúcares presentes no
hidrolisado hemicelulósico do bagaço da cana”, afirmou Silva.
Testes com Aedes aegypti
Uma vez que o composto tem as mesmas propriedades dos surfactantes
sintéticos de reduzir a tensão superficial dos líquidos e emulsionar
substâncias com diferentes polaridades, os pesquisadores tiveram a ideia
de testar sua aplicação no combate ao mosquito Aedes aegypti.
Os testes foram realizados em parceria com os professores Cláudio Von
Zuben e Jonas Contiero, da Universidade Estadual Paulista (Unesp),
campus de Rio Claro, e o estudante Vinicius Luiz da Silva, que realiza
doutorado na mesma instituição.
Os resultados dos testes indicaram que o biosurfactante causa a morte de larvas do mosquito Aedes aegypti.
Isso porque o composto interage com o sifão respiratório das larvas,
deixando a região – formada por moléculas apolares, com umidade
controlada e protegida pelo exosqueleto –suscetível à interação com a
água. Com isso, as larvas do mosquito sofrem asfixia.
Além disso, a presença do biossurfactante na água onde o mosquito
depositou seus ovos altera e dificulta o equilíbrio hidrostático das
larvas, o que as leva a ter um gasto energético exacerbado e à morte por
afogamento.
“As larvas não conseguiram respirar e morreram por asfixia até 24 horas
depois de entrarem em contato com o biossurfactante”, afirmou Silva.
Os pesquisadores também observaram um fato inédito na aplicação do
produto: em até 48 horas após o contato inicial com as larvas, o
biossurfactante desintegrou o exoesqueleto do inseto nesse estágio de
desenvolvimento.
Uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores para explicar os
efeitos do biossurfactante sobre o exoesqueleto das larvas do mosquito é
o fato de as moléculas do composto possuírem uma característica química
anfifílica, isto é, parte é solúvel em água e parte em solvente.
A estrutura química das moléculas do biossurfactante, assim como a dos
surfactantes sintéticos, possui uma região solúvel em meio aquoso
(polar) e outra região apolar, insolúvel em água, porém solúvel em
lipídeos e solventes orgânicos.
Essa característica permite que o composto possa interagir e, em alguns
casos, dissolver tanto substâncias polares e apolares, como no caso dos
detergentes, que por meio dos surfactantes podem se juntar à água e a
partículas de gordura removendo-as de utensílios de cozinha, explicou
Silva.
“Queremos verificar se esse mesmo comportamento ocorre nos hidrocarbonetos cuticulares das larvas do Aedes aegypti”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, há relatos na literatura científica de que
a cutícula de larvas do mosquito possui em sua composição alguns
hidrocarbonetos, que são compostos apolares de baixa solubilidade em
meio aquoso.
“Pretendemos realizar estudos no âmbito do projeto para determinar se
há alguma interação entre esses hidrocarbonetos cuticulares do mosquito e
os biossurfactantes”, disse Silva.
Outras doenças
Os pesquisadores realizaram testes com o produto na forma líquida e
avaliaram a dosagem ideal para aplicação em criadouros de Aedes aegypti.
Agora, pretendem desenvolver o produto na forma sólida (pó) e verificar
algumas propriedades físico-químicas da formulação e a melhor forma de
aplicação.
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“Iremos realizar novos testes a fim de desenvolver o produto em sua
forma sólida, avaliar novamente a dosagem, além de qual a melhor
formulação – se em líquido ou pó –, fazer a caracterização
físico-química do biossurfactante em pó e analisar qual a periodicidade
ideal de aplicação, de modo a resultar em um produto que possa ser feito
em escala industrial”, disse Silva.
A pretensão deles também é desenvolver outros biossurfactantes e
usá-los para o combate de outras doenças tropicais negligenciadas, como a
leishmaniose e a esquistossomose.
Por: Elton Alisson - Agência FAPESP
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