O tom mutável da pele deve-se a uma reação fisiológica comandada por uma camada de células contendo nanocristais que mudam o comprimento de onda da luz refletida
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Em termos da assombrosa variedade de traços anatômicos esquisitos, poucos animais se comparam aos camaleões.
A língua é bem mais comprida que o próprio corpo, agarrando insetos
numa fração de segundo. Os olhos têm visão telescópica, girando de modo
independente em protuberâncias em formato de abóboda. Nas patas, os
dedos se fundem uns aos outros em garras desajeitadas como luvas de
boxe. Chifres se projetam da testa e do focinho. Há adereços nasais com
jeito de calombos. Uma dobra de pele ao redor do pescoço mais parece
gola de renda da época renascentista.
De todas essas estranhezas, há uma que sempre é associada ao camaleão: a alteração de cor na pele.
Um mito muito difundido é o de que os camaleões ficam com a coloração
do que tocam. Embora algumas dessas mudanças contribuam para que se
confundam com o ambiente, o tom mutável da pele deve-se, na verdade, a
uma reação fisiológica cuja função é sobretudo comunicativa. Trata-se do
uso pelo réptil de uma linguagem expressiva, marcando sua posição
naquilo que mais o interessa: procedimentos de acasalamento, competição e
estresses ambientais.
Pelo menos, essa é a opinião mais corrente hoje. “Mesmo que venham
chamando atenção há séculos, o fato é que ainda estão envoltos em muito
mistério”, comenta o biólogo Christopher Anderson, da Universidade Brown
e especialista em camaleão. Nos últimos tempos, os cientistas fizeram
descobertas importantes sobre a fisiologia desses répteis graças à
observação dos animais em cativeiro. Por outro lado, na natureza, seu
futuro é agora bastante incerto.
Em novembro de 2014, quando a União Internacional para Conservação da Natureza
(IUCN, na sigla em inglês) divulgou uma nova Lista Vermelha sobre os
camaleões, metade das espécies estava nas categorias “ameaçada” ou
“quase ameaçada” de extinção. Christopher Anderson é membro do Grupo de Especialistas em Camaleões da entidade, assim como a bióloga Krystal Tolley, bolsista da National Geographic Society cujas expedições pela África meridional revelaram novas espécies e registraram como os seus hábitats vêm se tornando mais restritos.
Na língua africâner, há dois nomes comuns para o camaleão. Um deles é verkleurmannetjies, que significa “homenzinhos coloridos”. O outro, trapsuutjies,
é traduzido como “andando com cuidado”, em alusão ao lento gingado com
que se movem – mas também pode ser entendido como um apelo para a
preservação dessa espécie e do ambiente em que lhe é permitido
sobreviver.
Cerca das mais de 200 espécies conhecidas vivem no ambiente isolado de Madagascar.
E quase todas as restantes são achadas no continente africano. Graças a
testes de DNA, foi possível distinguir entre camaleões que pareciam
quase idênticos. E mais de um quinto das espécies foi identificado
apenas nos últimos 15 anos.
Lingua mortal
O biólogo Christopher Anderson registra a alimentação dos camaleões em
detalhes. Com a ajuda de uma câmera de vídeo que capta 3 mil quadros por
segundo, ele transformou um episódio de 0,56 segundo no qual um
camaleão devora um grilo em um vídeo de 28 segundos sobre as
características da projeção da língua.
Armazenado na bolsa da garganta do lagarto fica um osso da língua
envolto em bainhas de tecido elástico e colagenoso no interior de um
acelerador muscular tubular. Ao avistar um inseto, ele estende a língua
para fora da boca, o músculo se contrai, espremendo as bainhas, que
então se projetam, como se tivessem sido acionadas por molas. E o
formato da ponta da língua tem um design que atua como uma cápsula de
sucção úmida, agarrando a presa. A língua é recolhida, e o banquete está
servido.
Mudanças de cor
O entendimento da coloração dos animais também se alterou no decorrer
do tempo – e de forma dramática no princípio de 2015, quando foi
divulgado o estudo de Michel Milinkovitch. Havia muito tempo, os
pesquisadores consideravam que eles mudavam de cor quando pigmentos nas
células da pele se difundiam por extensões celulares parecidas com
veias. Para o biofísico e geneticista evolutivo Milinkovitch, essa
hipótese não se sustenta, uma vez que em muitos camaleões verdes não se
constata pigmentos dessa cor nas células da pele.
Portanto, Milinkovitch e os seus colegas na Universidade de Genebra
passaram a “combinar a física e a biologia”, explica ele. Sob uma camada
de células dérmicas pigmentadas, os cientistas notaram outra camada de
células contendo nano-cristais, dispostos em uma rede triangular. Ao
submeter amostras de pele de camaleão a pressões mecânicas e substâncias
químicas, os pesquisadores descobriram que os cristais podiam ser
submetidos a um “ajuste fino”, de modo a alterar o espaçamento entre
eles. Isso, por sua vez, afeta a cor da luz refletida pela trama. Com o
aumento progressivo da distância entre os cristais, as cores refletidas
passam do azul ao verde e ao amarelo e depois ao laranja e o vermelho.
Aos 7 anos de idade, Nick Henn ganhou o seu primeiro camaleão. Vinte
anos depois, o entusiasta e criador desses lagartos mantém 200 deles no
porão da sua empresa, na cidade de Reading, no estado americano da
Pensilvânia. Fileiras de gaiolas com tela de arame contêm plantas que
podem ser escaladas e áreas arenosas em que as fêmeas põem os ovos.
Luzes e vaporizadores simulam o clima de seus hábitats originais. Para
evitar que se irritem uns contra os outros, Henn coloca as fêmeas onde
não conseguem ver os machos, e eles, ali onde não avistam nem as fêmeas –
nem os machos rivais.
Ember, jovem camaleão-pantera macho, pertence ao grupo conhecido como
“faixa vermelha”, variedade nativa do norte de Madagascar. O tronco
exibe faixas vermelhas e verdes, além de uma listra horizontal
azul-piscina em ambas as laterais. Quando Henn abre a gaiola, o lagarto
“fica emburrado”. Henn sabe disso pois as faixas vermelhas de Ember
ficam mais reluzentes.
Henn então leva o réptil até o canto onde está a gaiola de Bolt, um
camaleão-pantera adulto de faixas azuis, e o maior lagarto desse
colecionador. Quando ele abre a portinhola, e Bolt avista Ember, a
reação é imediata. As faixas verdes de Bolt ganham um tom intenso de
amarelo. As órbitas oculares, a garganta e a espinha pontiaguda mudam do
verde ao laranja-avermelhado. Ember enrubesce. Mas, em termos de
espetáculo, o do camaleão Bolt é mais exuberante. Para que não reste a
menor dúvida, assim que se aproxima devagar, Bolt escancara a boca,
exibindo o seu interior amarelo-vivo.
Henn leva Ember de volta à gaiola. Se não tivesse feito isso, Bolt
podia tentar golpear ou morder o macho mais jovem, cuja pele teria
adquirido um tom pardacento, reconhecendo a derrota. (Em 2014, um estudo
constatou que os camaleões aperfeiçoaram essa capacidade de sinalizar a
submissão, através do desbotamento da pele, em função da “sua lentidão,
em geral, que restringe a capacidade que têm de escapar com rapidez e
segurança de indivíduos dominantes”.)
Após estes camaleões-pantera machos brigarem por uma fêmea, o vencedor
exala cores vivas. O derrotado assume tons escuros de submissão - Foto:
Christian Ziegler
Embora todos os camaleões mudem de cor, algumas espécies não passam por
alterações tão dramáticas com o objetivo de se impor. Todavia, quase
todos os camaleões dispõem de outro recurso de intimidação física: podem
modificar o corpo e dar a impressão de que são bem maiores. Eles
reduzem a largura e aumentam a altura do corpo esticando as costelas,
dispostas em forma de V e conectadas, de modo a elevar a coluna
espinhal. Também conseguem parecer mais maciços apertando os segmentos
da cauda e usando o aparelho lingual para expandir a garganta. Exibindo
esse corpo alterado diante de uma ameaça, o lagarto consegue se mostrar
mais assustador.
Nas gaiolas em que Henn mantém as fêmeas, uma delas, conhecida como
Katy Perry (que exibe um tom rosado de salmão, já que está na época de
acasalamento), é vizinha de outra, batizada de Peanut (também rosada mas
com faixas escuras, pois acabou de acasalar), que está grávida e
carregada de ovos. Se for abordada por um macho capaz de impressioná-la
com as cores de cortejamento e a dança gingada, Katy se deixa ser
impregnada. Todavia, se o mesmo macho se aproximar de Peanut, o corpo
desta última vai ficar mais escuro, com pontos reluzentes, e ela vai
escancarar a boca de modo ameaçador. Caso ele insista, começará a
sibilar ou a morder.
Tanto os machos quanto as fêmeas são polígamos. A maioria das espécies
se reproduz pondo ovos, mas há também aquelas cujos filhotes vêm ao
mundo em sacos transparentes, similares a casulos. Como não há criação,
os filhotes devem se virar desde a hora em que eclodem os ovos ou rompem
os casulos.
Para evitar aves e serpentes predadoras, os camaleões desenvolveram
formas inusitadas de disfarce. Quase todas as espécies são arbóreas e,
como reduzem a largura do corpo, ficam estreitos a ponto de se
esconderem no lado oposto de um tronco ou galho. Ao avistar um predador,
os que vivem no solo podem recorrer à camuflagem de “folha”, retorcendo
o corpo de modo a parecer folha amassada. Eles também conseguem
despistar ameaças, mas não têm como fugir das técnicas agrícolas com
queimadas que destroem seus hábitats. Na lista da IUCN, nove espécies
estão “em perigo crítico”, 37 “em perigo”, 20 “vulneráveis” e 35 “quase
ameaçadas”.
Krystal Tolley e seus colegas já identificaram, desde 2006, 11 novas
espécies de camaleão na África do Sul, Moçambique, Tanzânia e República
Democrática do Congo. Originária do estado americano de Massachusetts, a
professora estuda esses lagartos na África desde 2001, como
pesquisadora do Instituto Nacional Sul-Africano de Biodiversidade,
sediado na Cidade do Cabo. Quando exames genéticos confirmam que um
camaleão pertence a uma nova espécie, “sentimos que não estamos só
escrevendo mais um artigo científico que ninguém lerá”, diz Krystal.
“Mas que lidamos com um conhecimento sólido, que durará para sempre.”
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Sem perder o fôlego, ela completa: “Ao mesmo tempo que a gente pensa
‘Uau, que incrível!’, também tem um lado ruim. Não há como deixar de
pensar nos pequenos camaleões agarrados aos galhos enquanto a floresta
está sendo derrubada”. Ao tocar nesse assunto, é evidente o lamento em
sua voz. “Não consigo tirar isso da cabeça, talvez fosse melhor nem ter
topado com eles”, confessa. “Pois, se continuar assim, logo mais eles
estarão extintos.”
Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL ONLINE
| Por: Patricia Edmonds
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