Desde domingo, duas mulheres e dois homens foram atingidos por tiros em diferentes regiões e não resistiram. Uma das vítimas era cadeirante e havia sido baleada num assalto, cinco anos atrás. Governo diz não ter contagem oficial
Nos últimos 18 meses, hospitais gerenciados pelas secretarias
municipal e estadual de Saúde do Rio de Janeiro atenderam 4.053 vítimas
de PAF (projétil de arma de fogo). O número escandaloso foi revelado na reportagem especial
que ilustra a capa de VEJA desta semana. Mas num cotidiano de violência
sem fim, em que as autoridades perderam completamente o controle da
situação, esta contagem de baleados não para nunca. Nas últimas 48
horas, pelo menos outras sete pessoas engrossaram tragicamente as
estatísticas. Quatro delas morreram. Uma das vítimas, um rapaz que já
havia sido baleado durante um assalto cinco anos atrás, na Zona Oeste da
Cidade Maravilhosa.
“Estamos vivendo numa guerra diária. E esta história, se fosse um
filme, não poderia ser tão trágica”, desabafa o motorista particular
Wesley Lessa. Ele é primo de Vanderson de Jesus Lessa da Silva, de 25
anos, morto durante uma festa na madrugada da última segunda-feira,
próximo à Favela Vila Aliança, em Senador Camará. Há cerca de quatro
anos, depois de uma festa de São Jorge, em Padre Miguel, Vanderson
resolveu voltar pra casa mais cedo porque faria um curso no dia seguinte
de manhã. Quando desceu do táxi, quase na esquina de casa, foi atacado
por assaltantes que, após roubarem tudo, atiraram. A bala atingiu a
coluna cervical e Vanderson ficou paraplégico.
Foi uma recuperação sofrida, mas o jovem e sempre alegre rapaz deu a
volta por cima: “Todo mundo esperava que ele ficasse revoltado, mas não.
Ele nunca se fez de coitadinho, fazia esportes, malhava, enfim, vivia a
vida como qualquer jovem”, diz o primo. Em sua página no facebook
Vanderson aparecia sempre sorrindo, brincando com amigos e comemorando a
vida. Até que uma confronto entre policiais e bandidos o deixou sem
tempo de reação, na madrugada de segunda-feira. Uma bala perdida atingiu
seu ombro. Levado para o Hospital Albert Schweitzer, em Realengo, ele
foi operado, mas ao longo do dia seu quadro piorou. E Vanderson não
resistiu. Um amigo que estava com ele também foi baleado , mas passa
bem.
Neste momento, a família de Vanderson se juntava ao drama de outras
duas que, em situações semelhantes, já peregrinavam para enterrar seus
parentes. Na manhã de domingo, pouco depois das 7h, a diarista Cícera
Rodrigues da Silva, de 38 anos, saía de casa, na Favela Furquim Mendes,
no bairro Jardim América, na Zona Norte – às margens da Rodovia
Presidente Dutra – para à igreja, quando foi atingida por um tiro.
Socorrida para o Hospital Getúlio Vargas, na Penha, ela também acabou
morrendo. Na noite do próprio domingo, em Japeri, a vítima da vez foi
Sonia Maria Oliveira, dona de uma barraca de cachorro quente na Praça
Olavo Bilac. Durante um ataque de traficantes que disputam as bocas de
fumo da região, ela acabou ferida e morreu.
Na noite de ontem, a quarta vítima fatal foi o pedreiro Jessé Mendes
da Silva, de 52 anos. Morador do Morro da Chatuba, que conta com uma
Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) há quatro anos, ele esperava o
filho chegar do trabalho quando foi atingido por um disparo na cabeça,
por volta das 19h. A favela fica no Complexo da Penha, na Zona Norte,
onde na semana passada, enquanto VEJA produzia uma reportagem especial,
houve um dos mais intensos confrontos daquela manhã, deixando mãe e
filha feridas por balas perdidas, além de dois policiais militares da
UPP Vila Cruzeiro baleados. Dos 18 baleados registrados na contagem
feita por VEJA naquelas 48 horas, dez foram vítimas de balas perdidas,
sendo cinco em regiões consideradas pacificadas, como os morros do Borel
e do Andaraí, na Tijuca, e na Mineira, no Rio Comprido.
Ainda ontem, na Passarela 7 da Avenida Brasil, em frente ao Complexo
da Maré, a menina Marcele dos Santos Gomes, de apenas 11 anos, foi
ferida por dois tiros: um no braço esquerdo e outro no abdômen. Ela foi
operada e segue internada em estado grave no Hospital Geral de
Bonsucesso. E já madrugada desta terça-feira, em outra favela com UPP, o
Morro do Adeus, em Ramos, um morador de 22 anos foi ferido por um tiro:
Julianderson de Jesus Santos foi socorrido por policiais militares e
segue internado no Getúlio Vargas.
Apesar dos seguidos casos de balas perdidas, as autoridades do Rio de
Janeiro até hoje não fazem uma contagem oficial para tentar dimensionar
o problema. Ano passado a Polícia Civil chegou a anunciar que incluiria
em seu sistema de registros de ocorrência o campo ‘bala perdida’, mas
até hoje o Instituto de Segurança Pública (ISP) não conseguiu produzir
um dado. Uma contagem feita pela Rádio Bandnews registrou pelo menos 32
mortos e 120 feridos por balas perdidas somente em 2016.
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