Depois de Santa Luzia, tem São Sebastião, no dia 20 de janeiro; e São José, em 19 de março. Até lá, muita fé
Iguatu. A principal pergunta que se faz no sertão
cearense é se haverá ou não inverno em 2017. Nos açudes não há mais
água, a mata secou, o cenário é de aridez. A preocupação de todos é com a
possibilidade de um sexto ano seguido de chuva abaixo da média. Os
profetas das chuvas, que observam as plantas, animais, ventos, nuvens,
estrelas, o horizonte, a lua, segundo reza a tradição, começaram com o
ciclo de experimentos, neste dia 13, dedicado a Santa Luzia.
Na madrugada de ontem, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos
Hídricos (Funceme) registrou chuva em nove municípios. A maior
precipitação foi em Viçosa do Ceará, com 14,8mm. Nos últimos dias a
intensidade do céu nublado começou a aumentar, sobretudo nos municípios
do Interior.
Segundo o meteorologista da Funceme, Raul Fritz, as precipitações desta
terça-feira foram as primeiras do que é considerada a pré-estação
chuvosa, período que, conforme explica, deve se intensificar. "Dezembro
costuma ter uma frequência maior de chuvas a partir da segunda quinzena,
apesar de não serem muito regulares", disse. No período, as
precipitações registram uma média histórica de 32mm no Estado. Até
ontem, as primeiras precipitações já registraram 6,5 mm. "Até o fim do
mês pode ser que cheguemos próximo dessa quantia", sinaliza Raul.
Ele explica que as chuvas são consequência de fenômenos meteorológicos
oriundos da Bahia, e que podem atuar com mais intensidade no Sul do
Ceará. O principal fenômeno da pré-estação, os vórtices ciclônicos de
altos níveis, também colaboram. Raul adianta que ainda nesta semana,
caso se confirmem, os fenômenos devem trazer novas chuvas. "Temos uma
tendência razoável, de que a partir de sexta-feira venham mais chuvas, a
se confirmar nos próximos dias".
Pedras de sal
Da noite do dia 12 para o dia 13, alguns sertanejos mantêm a tradição
de colocar pedras de sal nos parapeitos das janelas, que recebem umidade
durante a madrugada. Ontem, cedinho, verifica-se que as pedras estavam
molhadas. São seis. Cada uma representa um mês de janeiro a junho.
O agricultor Francisco Domingos Dias, 74, morador do Sítio Açude do
Governo, no distrito de José de Alencar, em Iguatu, mantém a tradição e,
a cada ano, faz a sua experiência predileta: coloca as pedras de sal.
Neste ano, ele contou com a sobrinha, Maria Carvalho. Conhecido por
Chico de seu João, Francisco Dias, disse que a experiência foi boa. "Os
melhores meses foram janeiro e abril, que deverão ter mais chuva. Junho
vai ser melhor que maio", conta. A próxima experiência será observar a
barra (horizonte) no Natal.
O poeta Patativa do Assaré deixou o poema "A triste partida", que foi
musicado na voz de Luiz Gonzaga. A música fala do sofrimento do
sertanejo em meio à seca que se agrava e a fé nas experiências místicas
dos agricultores. "A 13 do mês/ ele fez experiência/ perdeu sua crença/
nas pedras de sal".
Barra do Natal
Outra crença em que o sertanejo se agarra é na barra do Natal. É a
esperança e o esforço do agricultor em encontrar indicações da natureza
para se saber se as chuvas serão abundantes, tardias ou irregulares e
escassas. O agricultor Francisco Dias enfrentou anos de seca com os
pais, passou fome e viu muita gente morrer em 1958, quando uma estiagem
intensa castigou o Ceará. Ainda hoje ele fica emocionado quando recorda
as dificuldades para conseguir trabalho e alimento para a família. "Só
tinha água no pote. Depois o governo colocou frentes de serviço nas
estradas e entregou de comer", recorda.
As experiências, aprendeu com o avô, que veio da Paraíba. "Antes havia
mais agricultores que observavam muitas coisas, mas hoje esse costume
está se perdendo entre os jovens. Além disso, acho que o tempo está
virado, uma experiência aponta para um caminho, outra diz diferente",
afirma. Na casa do agricultor Francisco Dias, mulher, filhos e nora
acompanham as experiências. Depois de cinco anos seguidos de reduzida
chuva, o produtor rural mostra confiança em 2017. "Espero um bom
inverno, pois já é tempo".
Fonte: Diário do Nordeste
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