Para a Receita Federal, a legalização é porta de entrada para a lavagem de dinheiro e outros crimes

Pntidades ligadas à Receita, à PF e ao MP
avaliam que o Brasil não está preparado para combater crimes advindos da
legalização de jogos (iStock/Getty Images)
Com contas públicas no vermelho, a possibilidade de
nova fonte de receita impulsionou o debate sobre a legalização, e
consequente taxação, dos jogos de azar. O Congresso tem dois projetos
prontos para votação, um na Câmara e outro no Senado, mas entidades
ligadas à Receita Federal, à Polícia Federal e ao Ministério Público
avaliam que o Brasil não está preparado para combater crimes advindos da
legalização de jogos, como corrupção, sonegação e lavagem de dinheiro.
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Sem tradição de exploração do setor, a prática acabou se tornando um
tabu no país. “O tema é tratado com viés moralista e religioso no
Brasil, enquanto o mundo inteiro trata o jogo como uma indústria que
paga imposto para o Estado”, afirma Magno José, representante do
Instituto Jogo Legal e um dos principais lobistas do ramo em atuação no
Congresso.
Relator do projeto em tramitação no Senado, Fernando Bezerra Coelho
(PSB-PE) defende que a legalização não é a exceção, mas o padrão
internacional. “É preciso esclarecer que somos um dos últimos países a
tentar legalizar os jogos e, por isso, temos prejuízo. Poderíamos ter
uma indústria que cria emprego e desenvolvimento regional”, alega.
O relator calcula uma arrecadação anual de 30 bilhões de reais e
argumenta que 97% dos países integrantes da Organização para Cooperação e
o Desenvolvimento Econômico (OCDE) regularizaram os jogos. No G-20,
fora o Brasil, apenas a Indonésia e a Arábia Saudita não regulamentam a
atividade – são países islâmicos onde o jogo é proibido em caráter
religioso.
Para mudar essa realidade, o relatório de Bezerra Coelho permite a
legalização de cassinos, bingos e jogo do bicho, além de algumas
modalidades de apostas. O projeto é muito semelhante ao que tramita na
Câmara, relatado pelo deputado Guilherme Mussi (PP-SP). Sob o argumento
de estimular a economia regional, ficou determinado que, a cada dez
concessões para cassinos, quatro devem ser nas Regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste. A possibilidade de criação de cassinos resort chamou a
atenção das grandes redes hoteleiras nacionais e internacionais, que
também passaram a defender a causa.
Outro grupo diretamente interessado na legalização é justamente o de
casas de bingos, bicheiros e outros estabelecimentos que operam na
clandestinidade. A estimativa é de que o mercado ilegal do jogo já
movimente 20 bilhões de reais por ano. “Para eles, o custo de manter a
atividade ilegalmente ficou muito alto”, explica Magno José.
Controvérsias — A iniciativa tem o apoio de
parlamentares ligados ao núcleo do governo, mas é polêmica e já possui
forte rejeição. O deputado Roberto Lucena (PV-SP) organizou um grupo de
mais de cem parlamentares que conseguiram derrubar o caráter de urgência
do projeto na Câmara. “Quem defende a proposta traz números sedutores
de arrecadação e geração de emprego, mas poucos calculam o real custo
social da legalização dessa atividade”, afirma Lucena. O deputado se
preocupa com a ampliação do crime e com riscos de saúde ligados à
prática do jogo patológico.
Para a Receita Federal, a legalização é porta de entrada para a
lavagem de dinheiro e outros crimes. “É algo difícil de se controlar,
porque são apostas e prêmios feitos em pequenas quantias”, disse Kleber
Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores da Receita
(Unafisco). Ele alerta ainda para a possibilidade de legalizar lavagem
de recursos eleitorais e aponta falhas no projeto como a falta de
limitação da quantidade de cassinos em operação e uma determinação clara
de como será feita a autorização dos estabelecimentos.
Presidente da Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef),
Luis Bouens argumenta que a regulamentação precisa vir acompanhada de
uma preparação do Estado, dos órgãos de controle, sistema policial e
Judiciário. Ele não acredita que as instituições estejam preparadas
atualmente para investigar e julgar crimes ligados à legalização de
jogos. Entidades ligadas ao Banco Central e o Ministério Público também
já divulgaram notas de preocupação.
Por outro lado, Fernando Bezerra, relator do projeto, alega que a
proposta prevê o repasse de 2% da arrecadação para a instrumentalização
da Polícia Federal, além de estabelecer penas para o funcionamento
ilegal dos jogos e fraudes de resultados. A proposta determina ainda que
91% da arrecadação seja repassada para as áreas de seguridade social,
como saúde e assistência social, e ajude no combate do jogo patológico.
(Com Estadão Conteúdo)
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