Um dos condutores da Operação Lava Jato, o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima
evita fazer juízos definitivos, mas não esconde a convicção a que
chegou a força-tarefa que investiga o esquema de corrupção que corroeu a
Petrobras. “Há uma linha de investigação que aponta Lula na cadeia de comando”, afirma nesta entrevista a ÉPOCA.
Negociador-chefe dos acordos de delação premiada, Carlos Fernando não
tem boas notícias para quem ainda busca esse entendimento: como já se
sabe quase tudo sobre o caso, há cada vez menos espaço para novos
delatores; quem quiser reduzir sua pena terá de contar algo muito
valioso aos investigadores. “Precisamos punir as pessoas, não é possível
fazer acordo com todo mundo”, diz Carlos Fernando. “Vai ter de trazer
uma coisa muito extraordinária.”
ÉPOCA – Qual a distância que a Lava Jato tem a percorrer para alcançar o chefe da quadrilha do petrolão?
Carlos Fernando dos Santos Lima – Temos claro hoje que
a pessoa do ex-presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) tem uma
responsabilidade muito grande nos fatos. Há uma linha de investigação
que aponta ele na cadeia de comando. Temos indicativos claros de que
havia conhecimento dele a respeito dos fatos e o governo dele era o
principal beneficiado do financiamento da compra de base de apoio
parlamentar. Infelizmente não estamos com esse processo aqui. O tempo
será dado pelas circunstâncias da decisão do Supremo de mandar para
Curitiba as investigações ou não.
ÉPOCA – No caso de Lula, há convicção de que houve
crime na reforma do sítio de Atibaia e no caso do apartamento tríplex em
Guarujá? Lula é, de fato, dono do sítio?
Carlos Fernando – Infelizmente o material está fora
daqui e não podemos fazer essa afirmação hoje. Existem diligências que
não pudemos fazer. Há diligências que deveriam ser feitas, e não foram
feitas. Não temos dúvida de que ele era a pessoa que tinha usufruto
daquele sítio. Mas ainda precisamos fazer uma série de diligências. No
tríplex é a mesma situação. Não temos nenhuma dúvida.
ÉPOCA – A repercussão da condução coercitiva de Lula atrapalhou a operação?
Carlos Fernando – Toda decisão envolvendo o
ex-presidente teria repercussões. Insistimos que nós conduzimos 116
pessoas antes do ex-presidente – mas somente a do Lula gerou esse tipo
de discussão. Qualquer coisa que fosse feita seria usada politicamente,
porque a única defesa possível nesse caso é a defesa política. A
condução foi baseada na verificação da interceptação telefônica, de que
havia a montagem de um esquema de resistência a qualquer ato de nossa
parte. Nossa preocupação foi tirá-lo do local para evitar o risco a ele,
aos nossos agentes, e também impedir essa movimentação. Chegaram a
dizer que algumas pessoas iriam acampar na frente do prédio para evitar
qualquer tipo de atitude nossa. A condução se baseou em fatos concretos
que indicavam a dificuldade de cumprir medidas.
ÉPOCA – Vários acusados estão presos, mas os políticos
estão sendo processados em velocidade mais lenta. Não há risco de a
população se frustrar?
Carlos Fernando – O foro privilegiado é o principal
fator que causa essa disparidade de velocidade. É natural que o Supremo
Tribunal Federal não esteja preparado para um número tão grande de
pessoas. Não creio que o STF, por maior que seja a boa vontade, tenha
condições de chegar à velocidade de um juiz de primeiro grau.
Gostaríamos que houvesse uma discussão em nível constitucional sobre a
reforma dessa questão do foro. O Brasil é um dos países com a maior
quantidade de pessoas com foro privilegiado. Eu, por exemplo, tenho foro
no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e não creio que isso seja
republicano. Esses empecilhos só são superáveis se houver reforma
constitucional.
ÉPOCA – O novo ministro da Justiça criou alguma dificuldade para a Lava Jato?
Carlos Fernando – Salvo a primeira manifestação dele,
que pode ter sido mal compreendida ou não foi exatamente muito feliz,
não tenho nada de concreto a falar.
ÉPOCA – Há risco para as investigações em um eventual governo Michel Temer?
Carlos Fernando – Nós não temos nenhuma opinião
formada sobre essa ou aquela posição política. O doutor Temer é
professor de Direito Constitucional e entende os limites republicanos no
país. Cremos que não haverá nenhum perigo ou tentativa de limitar o
alcance das investigações.
ÉPOCA – Vocês estão preocupados com o cerceamento da Polícia Federal?
Carlos Fernando – Temos essa preocupação porque é uma
equipe muito produtiva e eficiente. A Lava Jato surgiu por uma
investigação deles e depois se transformou no que é. E eles (os
policiais) têm uma estrutura mais hierarquizada e com menos garantias
que a nossa (procuradores). Temos também preocupação com tentativas de
assassinato de reputação do juiz Sergio Moro, porque, seja qual for a
decisão que ele tomou, tomou dentro de seu poder como juiz. Então
tentativas de desqualificá-lo são inaceitáveis. Há ainda um risco de
segurança e ele deve se proteger. É bom deixar claro que as
investigações não são conduzidas pelo juiz: juiz tem apenas a função de
tomar determinadas decisões. Investigações são feitas pelo Ministério
Público e pela Polícia Federal.
ÉPOCA – Pelo menos cinco empreiteiras negociam acordos de leniência e de delação premiada. Esses acordos podem não sair?
Carlos Fernando – Nós temos a função primordial de
fazer acordos de leniência. (Mas) Nós entendemos que não é possível um
acordo (de delação) com mais do que uma grande empreiteira. Estamos
dispostos a conversar com aquela empreiteira que trouxer o melhor para o
interesse público: mais provas, mais fatos novos e o maior valor de
ressarcimento possível. Só há lugar para mais uma empreiteira.
Precisamos punir as pessoas, não é possível fazer acordo com todo
mundo.
ÉPOCA – Só cabe mais um sócio ou executivo de empreiteira nas delações?
Carlos Fernando – Sobre sócio ou executivo, isso vai
ser analisado em conjunto com a Procuradoria-Geral da República. Não vou
dizer que só há lugar para mais um, porque a questão é analisar o que
cada um pode ajudar. Chegamos a uma fase em que nós estamos com tantas
provas que realmente pouca novidade pode aparecer. Aquele que atender ao
interesse público pode ganhar um acordo. Vai ter de trazer uma coisa
muito extraordinária.
ÉPOCA – Quase um terço dos réus da Lava Jato são delatores. Existe uma quantidade máxima?
Carlos Fernando – Não existe número mágico. O número
hoje de delatores corresponde a um terço, mas também temos um
represamento de denúncias, porque não podemos inundar a 13a Vara Federal
do Paraná com todas as denúncias ao mesmo tempo. Posso deixar bem
tranquilo que essa proporção vai aumentar bastante com o tempo. Vai
chegar um momento em que não vamos ter delatores e vamos ter
oferecimento de denúncias na sequência. Não está fácil fazer acordo.
Tanto é que acordos recentes são pequenos ou pontuais, com pessoas fora
do radar, ou são tão grandes a ponto de gerar mudança de patamar nas
investigações.
ÉPOCA – Há uma tentativa de deslegitimar a Lava Jato?
Carlos Fernando – Há medidas no Congresso que são
incentivo à corrupção, como a lei do repatriamento, a medida provisória
do acordo de leniência, tentativas de mudar o entendimento de que é
possível executar pena com decisão só de segundo grau. Vamos denunciar
isso. Estamos vacinados.
ÉPOCA – Até quando vai a Operação Lava Jato?
Carlos Fernando – Eu creio que, do mais importante,
talvez até dezembro já tenhamos um panorama bem completo. Mas vamos ter
anos e anos de acusações criminais com o material que temos. Temos uma
série de filhotes da Lava Jato que vão se espalhar pelo Brasil.
ÉPOCA – Como vocês lidam com as críticas de que poupam a oposição das investigações?
Carlos Fernando – Enchem tanto a gente por conta
disso... Para investigar, qualquer procurador tem de partir de um fato
concreto – não posso abrir investigação para pegar fulano etc. e tal.
Temos os limites da lei, não podemos sair e falar: “Agora quero pegar o
governo do FHC”. Se aparecer crime do governo FHC, vou analisar se está
prescrito ou não, daí podemos investigar. Boa parte dos crimes já está
prescrita. E o mais importante: a maior parte do que aconteceu nos
últimos 13 anos está na responsabilidade de um grupo de partidos. São 13
anos de um mesmo grupo político no poder, não temos como escapar disso.
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