Davi Soares
Radjalma Tenório Cavalcante é um nome comum a atos de covardia que
mudaram a vida de três famílias pobres do interior de Alagoas. Após
mais de 18 anos foragido, o fazendeiro de 56 anos de idade foi preso no
último dia 10 em seu apartamento da Ponta Verde, área nobre da capital
alagoana, com arma e munições. Ele é acusado de matar seu próprio
vaqueiro, em 1998, para forjar sua própria morte e receber seguro de
vida de aproximadamente R$ 500 mil. E mesmo com mandado de prisão, abriu
empresa e conta bancária em 2006, cujos cheques foram utilizados pelo
seu filho, o advogado Antônio Pimentel Cavalcante, para executar o que
seus clientes denunciam como um golpe no repasse de indenizações a duas
famílias que tiveram filhos eletrocutados.
A crueldade é fator comum às denúncias que envolvem a família do homem que ficou conhecido como o “fazendeiro morto-vivo” em Alagoas. De acordo com os autos da ação penal nº 0300054-68.1998.8.02.0053 Radjalma pode ser submetido a júri popular pela acusação de ter planejado a morte de seu funcionário, o marchante Josival Luís Pereira, que trabalhava para o pecuarista e foi encontrado carbonizado dentro do veículo em que havia viajado em companhia patrão, na rodovia AL-101 Sul, em São Miguel dos Campos. O corpo foi encontrado com objetos pessoais do acusado e foi identificado e sepultado pela família do fazendeiro, que suspendeu a missa de 7º dia após a “descoberta” de que Radjalma estava vivo.
No caso do golpe atribuído ao filho de Radjalma, a desumanidade está
no fato de as vítimas serem famílias pobres dos municípios sertanejos de
São José da Tapera e Pão de Açúcar, que além de terem perdido duas
crianças eletrocutadas até a morte por um cabo de distribuição de
energia, foram ludibriadas pelo repasse de cheques da conta encerrada da
empresa Transportadora Boi Gordo LTDA EPP, pelo advogado Antônio
Pimentel Cavalcante.
Respectivos pais das crianças Geane Fontes Leandro e José Vânio
Oliveira Silva, Antônio Leandro dos Santos e José Fernando Alves da
Silva venceram batalha judicial de mais de dez anos e obtiveram o
direito a indenizações que somavam R$ 1,3 milhão pagos pela Companhia
Energética de Alagoas (Ceal). Em 21 de junho deste ano, eles
formalizaram representação criminal contra o advogado Antônio Pimentel
Cavalcante, apresentando provas documentais que consideram ser
suficientes para demonstrar que o filho do “morto-vivo” apropriou-se
indevidamente de valores dos representantes.
Para o advogado das vítimas, Welton Roberto, Antônio Pimentel
repassou, voluntariamente, cheques de uma conta encerrada da empresa
aberta pelo seu pai, para ludibriar seus clientes e ganhar tempo,
incorrendo nos crimes de apropriação indébita dos valores descritos nos
cheques de R$ 91.291,76 para Antônio Leandro e de R$ 39.766,47 para José
Fernando. Além disso, o fato de os cheques terem sido assinados pela
mãe do advogado, Marta Maria Pimentel Cavalcante, em nome da conta
aberta pela empresa Transportadora Boi Gordo e de haver, nos versos dos
cheques, as inscrições “ref. indenização Ceal”, deixa clara a
tipificação de crimes de estelionato e fraude no pagamento por meio de
cheque, de acordo com a representação criminal apresentada à Delegacia
do 2º Distrito Policial de Maceió.
“As famílias são de pessoas analfabetas, pobres, e a gente acha que
pode ter mais valores de que ele se apoderou, sem repassar. Eles não
sabem quanto receberam no total. Por isso que pedi a instauração do
inquérito policial, para que a polícia se aprofunde e investigue para
saber quanto dinheiro ele sacou da conta judiciária e quanto foi
repassando para as famílias”, disse Welton Roberto.
Observe a cópia dos cheques da empresa do "morto-vivo" clicando nas imagens seguintes:
Morto na Justiça, vivo nos negócios
Radjalma Tenório Cavalcante teve mandado de prisão expedido pela
Comarca de São Miguel dos Campos ainda em 1998, e o processo e o prazo
prescricional foram suspensos em 2004, diante da ausência de prisão ou
comparecimento voluntário do acusado. Neste intervalo entre o crime e a
prisão, o pecuarista tornou-se empresário, ao formalizar, em dezembro de
2005, a sociedade com sua filha Annelise Pimentel Cavalcante, criando a
empresa Transportadora Boi Gordo, em janeiro de 2006, com sede na
Avenida Juca Sampaio, nº 3390, no Jacintinho, com atividade de
transporte de carga viva e locação de veículos.
Conforme certidão de inteiro teor obtida pelo Diário do Poder na Junta Comercial do Estado de Alagoas (Juceal), o “morto-vivo” era sócio majoritário com 60% dos R$ 20 mil em capital social, cujas operações comerciais e administrativas a empresa eram administradas formalmente por Radjalma, sócio administrador da empresa.
Questionado sobre a “vida normal” que possibilitou a Radjalma a
abertura de empresa e conta bancária em Maceió, o advogado criminalista
Welton Roberto explicou que, infelizmente, a Junta Comercial nem os
bancos são obrigados a fazer uma pesquisa criminal de quem se propõe a
ser empresário ou correntista. “A ausência de uma legislação no Brasil
para exigir certidão criminal dá margem à práticas de crimes de natureza
patrimonial por pessoas com condenações ou mandados de prisão em
aberto”, lamentou o advogado.
Em setembro do ano passado, o mandado de prisão foi renovado até o
ano de 2038, mantendo o processo suspenso até a captura do réu, que já
responde a novo processo de crime contra o sistema de armas, pelo
flagrante de uma arma e munições, ao ser preso em seu apartamento do
edifício Panamá, pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), na Ponta
Verde.
O secretário de Segurança Pública de Alagoas, coronel Paulo Domingos
de Araújo Lima Júnior, confirmou à reportagem que determinou a
designação de um delegado especial para conduzir o inquérito que
investiga o caso dos cheques da empresa do “fazendeiro morto-vivo”. Mas
até a publicação desta reportagem, o secretário não havia retornado o
contato para informar o nome do responsável pelo inquérito, conforme
prometido.
Outro lado
O advogado Antônio Pimentel Cavalcante casou no último final de
semana, em uma pousada de charme do Litoral Norte de Alagoas. Mas
interrompeu sua lua-de-mel para responder sobre a acusação ao Diário do Poder, por meio do aplicativo WhatsApp.
Questionado sobre o que teria a dizer em sua defesa e de sua família,
inicialmente questionou a relevância jornalística do caso. E acusou a
reportagem de ter recebido “release pré-formatado de alguém” que seria
seu inimigo e jornalista.
Tratou de afirmar que o processo no qual seu pai responde era
desconhecido, que ele não estava foragido porque o Judiciário “sequer
esgotou as possibilidades de citá-lo”. E garantiu que Radjalma é
suspeito de “algo que será esclarecido na instrução processual”, a
partir do reinício do processo que, para ele, “começa agora
praticamente”, após 18 anos da morte supostamente forjada.
Quanto ao caso dos cheques, o advogado Antônio Pimentel Cavalcante
disse apenas ter desconhecimento de qualquer inquérito, porque não foi
informado. E fez questão de afirmar que vai promover a responsabilidade
civil os meios de comunicação que estão se excedendo por casos que ainda
estão em curso, ao dizer que “avalia a exacerbação midiática dos
acontecimentos”.
Por fim, deu a seguinte declaração, acusando diretamente seu sócio de
estar envolvido diretamente nas denúncias, após promover suposto golpe
de R$ 200 mil. E voltou a ameaçar levar à Justiça quem se exceder na
cobertura midiática.
“Todos casos baseiam-se em vingança promovida por meu ex-sócio Joao
Luiz Valente Dias que após promover um golpe em vários clientes do
escritório Cavalcante Valente em valores de mais de R$ 200.000,00 e a
mim pessoalmente tem uma divida de mais de meio milhão de reais, cujos
processos estão judicializados. No intento de me atingir porque sabe de
sua responsabilidade até onde sabemos esta levando a imprensa situações
inverídicas para manchar a minha imagem e de minha família. Como disse
os excessos da cobertura midiática serão levados ao Judiciário. Só digo
que o processo contra meu pai esta em curso e ele ira respondê-lo porque
é suspeito dos fatos imputados. E quanto a qualquer procedimento
policial e judicial contra mim e minha família desconheço porque não fui
informado. E me chama muitíssimo a atenção esta cobertura dada pela
imprensa digo por situações que são meras conjecturas e caso haja
qualquer processo de que natureza for será esclarecido com o devido
processo legal com a oportunidade de defesa e contraditório”, respondeu
Antônio Pimentel Cavalcante.
"Confiança na Justiça"
Citado pelo acusado de aplicar golpe nas famílias das crianças
eletrocutadas até a morte, o advogado João Luiz Valente Dias foi
procurado pelo Diário do Poder e relatou que está sem receber honorários
advocatícios há muito tempo, que construiu sua reputação em Alagoas
agindo em prol da justiça e na luta pelos direitos sociais. E ressaltou
ainda que, ao longo de seus 46 anos jamais sofreu qualquer acusação. E
afirmou que as alegações de seu sócio “carecem da mais mínima prova”.
João Luiz considerou estranho que o acusado tenha, nos últimos três
anos, viajado ao exterior com uma frequência inusitada. “Turquia,
Grécia, Chile, Argentina são destinos que frequentou além do Paraguai.
Ninguém que sofre um desfalque viaja todos os meses ao exterior.
Realizou um casamento em uma pousada de luxo no fim de semana passado e
agora se encontra viajando de lua de mel. Os fatos falam por sí. Estou
me mantendo com as economias que fiz ao longo de toda minha vida.
Aguardo a investigação da polícia para representa-lo por calúnia. Confio
na justiça e no bom senso da sociedade”, respondeu João Luiz Valente
Dias, que afirmou estar impedido de ter acesso ao escritório Cavalcante
Valente após ter sido barrado por um segurança que teria sido contratado
com este propósito.
"Jamais suspeitei que ele fosse assim. Foi bom estudante e todos que o
conheceram estão surpresos com tudo que está acontecendo", concluiu
João Luiz.
O Diário do Poder apurou que existe procedimento
disciplinar tramitando desde o primeiro semestre deste ano na Seccional
Alagoana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AL), em razão da denúncia
de golpe nas famílias das crianças eletrocutadas e da dissolução
unilateral da sociedade no escritório de advocacia no qual Antônio
Pimentel Cavalcante e o advogado João Luiz Valente Dias eram sócios. Na
sede do escritório Cavalcante Valente, à Rua Sá e Albuquerque, em
Jaraguá, o sobrenome Valente foi arrancado da fachada do imóvel.
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