Segundo estudos, os cães veem as famílias humanas como seu próprio grupo, onde encontram segurança, abrigo e alimentação
Um cão abandonado pelos donos aguarda há cerca de 15 dias pelo retorno da família que o deixou
e se mudou para outro bairro em Macapá, no Amapá. O cachorro, uma
mistura da raça golden retriever com vira-lata, foi visto vagando pela
rua e observando a porta da antiga casa, que ostenta uma placa de
“aluga-se”. Segundo a ONG Anjos Protetores, que resgatou o animal, ele
está fraco e debilitado. Extremamente sociáveis, mostrando sinais de
empatia e capazes de distinguir palavras e entonações como nós, os cães costumam sofrer com a separação dos donos – às vezes colocando a vida em risco.
“Muitos cães – talvez metade dos que vivem no Ocidente – que moram em
lares urbanos têm um grande problema ao serem deixados sozinhos em
algum momento de suas vidas”, explica o biólogo britânico John Bradshaw
em seu livro Cão Senso, que investiga o comportamento do
animal. “E esse problema pode durar semanas ou meses. Eles precisam da
companhia das pessoas. “
Evolução ao lado dos humanos
Isso acontece porque, após serem domesticados, cerca de 11.000 anos
atrás, a evolução dos cães aconteceu ao lado do homem. Inicialmente,
esses animais que viviam em matilhas chegaram aos acampamentos atrás de
restos de comida e foram sendo moldados por nós. Aqueles que exibiam
características mais úteis ao convívio humano – capacidade de caçar,
pastorear rebanhos, defender territórios, fazer companhia – foram
acolhidos e passaram sua herança genética adiante. Ao longo do tempo, a
aproximação entre os homens e os animais chegou a tal ponto que eles
passaram a nos identificar como integrantes das antigas matilhas – ou
seja, de seu próprio grupo.
“As pesquisas mais recentes falam em uma ‘convergência evolutiva’, o
que significa que o animal não seria o que é, hoje, sem nós. Ele encara a
família humana como o seu grupo, no qual encontra segurança, abrigo e
alimento. Por isso, ficar distante desse ambiente causa muito sofrimento
para os cães”, explica a especialista em comportamento animal Carolina
Rocha, do Pet Anjo, um site de serviços para animais de estimação em São Paulo.
Além da falta da companhia, os cachorros são também muito ligados à
rotina. Sua existência se dá em torno das horas certas para dormir,
comer, passear, brincar ou aguardar o dono chegar do trabalho. Quando
esses hábitos são alterados, o animal costuma ter dificuldades para se
adaptar. “Quando a família, que é responsável por manter a rotina do
cão, fica distante, ele nota que há algo errado e pode ficar triste,
ansioso e até parar de se alimentar”, diz Carolina.
Como a percepção de tempo dos cães é diferente da humana – está mais
ligada aos ciclos de luminosidade que a períodos como dias ou anos – ,
ele pode passar muito tempo aguardando os donos sem saber se a espera
foi de horas, semanas ou meses. Assim, quando o animal é abandonado e
deixa de comer, ele pode ficar abatido e fraco, como ocorreu com o cão
de Macapá.
“O vínculo entre homens e cães é muito antigo e forte. Por isso
conhecemos episódios de cachorros que esperam o dono mesmo depois que
ele já morreu ou aguarda que a família que se mudou retorne. A quebra
desse vínculo costuma ser difícil para os animais”, diz Carolina. “Há
dados científicos que revelam que essa ligação se dá também por meio do
afeto, com a medição em cães dos níveis de oxitocina,
conhecido como o ‘hormônio do amor’. Não é possível dizer que ele sente
a intenção do abandono, mas certamente a ruptura lhe causa bastante
sofrimento.”
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