Conceitos valorizados por quem é de outra época, como a hierarquia, não funcionam mais com as crianças nascidas após 2010
Equilíbrio. Miriam brinca com o filho Pedro e tenta dosar atividades eletrônicas e analógicas
Agilidade. A mãe Nathana Franco, 28, tenta acompanhar a filha Ana Letícia, 4. “Essa geração é muito esperta e inteligente”, diz.
LITZA MATTOS
Eles mal aprendem a andar e a falar, e os dedinhos já sabem qual caminho percorrer nas telas. Essa relação intrínseca com a tecnologia, tão característica da geração Alpha – aqueles indivíduos nascidos a partir de 2010 –, sinaliza um avanço, conforme avaliação da maior parte dos especialistas, mas esconde ainda outros desafios que os pais, o mercado de consumo e as escolas terão que enfrentar para acompanhá-la.
Antes mesmo de completar 1 ano, a intimidade do filho Pedro, hoje com 2 anos, com os eletrônicos deixou a advogada Miriam Guimarães, 38, surpresa. “Ele pegou o smartphone e mexeu com facilidade e naturalidade, sem ninguém ensinar. Na época achei assustador e até filmei para mostrar para as minhas irmãs”, lembra.
Conectadas desde o berço, essas crianças têm movimentos que parecem ser algo nato, mas, segundo o coach e escritor Jaques Grinberg, é só fruto do meio em que nasceram. “É uma das gerações mais inteligentes que já tivemos. A gente até acha que eles têm um chip dentro do cérebro. Veem os pais fazendo uma vez e já pegam. É uma geração muito mais visual, desafiadora, mais determinada e com decisão”, explica.
Apesar de as gerações anteriores (X, Y e Z) terem tido acesso à internet e à tecnologia, a educação com uso tecnológico não foi tão presente desde cedo. No caso da geração Alpha, os pais já estão familiarizados com todo esse aparato. Estimativas mostram que, até 2015, os Alphas já haviam consumido mais de 20 bilhões de vídeos no YouTube e que produtos como a Galinha Pintadinha já haviam tido mais de 52 milhões de visualizações. Futurólogos preveem que até 2020 serão 50 bilhões de objetos conectados utilizando a internet das coisas em relação a esse público-alvo.
A familiaridade dos pais, no entanto, não diminui os conflitos. “Os pais não estão preparados para essa nova geração”, afirma Grinberg. Para o coach, muitas vezes, na tentativa de transmitir a educação que eles tiveram, os pais das crianças Alpha acabam adotando estratégias que não funcionam mais. “Não adianta querer impor a hierarquia. Essa geração que está chegando é educada pelo exemplo e valoriza a experiência. Não adianta querer forçar um castigo e tirar o smartphone. Hoje, uma criança sem internet não se comunica com amigos, deixa de exercer seu lado social e pode até se prejudicar na educação”, avalia.
Miriam também entende que estar conectado é importante para o filho, mas reconhece que às vezes tenta dosar o acesso. “Nós, pais, estamos em pleno desenvolvimento junto com eles, tentando nos adaptar e correndo contra o tempo”, diz. A Academia Americana de Pediatria recomenda que crianças de até 5 anos façam o uso de dispositivos eletrônicos por até, no máximo, uma hora por dia.
A blogueira brasileira Nathana Franco, 28, mora no Japão, onde cria a filha Ana Letícia, 4. “Ela é superconectada. Apesar de tentar ver o lado positivo disso, fico pensando em como será daqui a alguns anos. Meu maior desafio é desconectá-la para que ela possa ter um pouco da infância que eu tive”, comenta.
Para a consultora de inovação em psicologia e educação Fernanda Furia, é preciso ter cautela ao valorizar toda uma geração de crianças somente pela facilidade em lidar com a tecnologia e pela inteligência aparentemente maior. “Não basta ser inteligente, é preciso desenvolver habilidades sociais e emocionais para enfrentar os enormes desafios que as crianças de hoje enfrentarão no futuro. Necessitamos também conhecer os adultos de hoje. Só assim poderemos cuidar de todas as gerações envolvidas”, diz.
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