Por que tantas mentiras ganham destaque no Facebook

Mentiras contadas no Facebook (Foto: Arte/ÉPOCA)
"Antes de morrer em queda de avião inexplicável ex-presidente da Vale mandou carta a Dilma." O sensacionalismo está estampado em um site cujo design se assemelha ao do jornal O Globo. A falsa notícia dá a entender que a presidente Dilma Rousseff teria motivos relacionados à tragédia de Mariana (MG) para orquestrar a queda do avião de o ex-presidente da Vale Roger Agnelli, morto no último sábado (19). O texto usa ainda uma reportagem publicada por ÉPOCA em 2011 para alimentar boatos. De acordo com as lendas da internet, Dilma também foi responsável pela morte do ex-candidato à Presidência Eduardo Campos, em agosto de 2014.

"Popularidade de Lula bate recorde e chega a 87%, diz Ibope." Esta foi outra notícia que viralizou nas redes sociais nos dias posteriores à condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por policiais federais para depor. A chamada, publicada pelo portal G1 em 2010, foi ressuscitada por um usuário no Facebook. Seu comentário levava os seguidores a acreditar que uma comoção nacional havia aflorado em defesa do líder petista após a execução da 24ª fase da Operação Lava Jato. Muita gente compartilhou a notícia. Os que apoiavam o petista transmitiam mensagens de alívio. Seus críticos concluíam que a pesquisa fora "comprada" pelo PT. Para esclarecer: a última pesquisa feita pelo Datafolha, em fevereiro, mostrou que Lula é rejeitado por 49% do eleitorado.

Os casos evidenciam a cautela necessária antes de compartilhar links ou de fundamentar argumentos e pautar debates pela frase "vi no meu Facebook". Com a polarização da discussão política que se alastra dentro e fora das redes sociais desde 2013, o feed de notícias do Facebook (espaço em que o conteúdo compartilhado aparece para os contatos) virou um desfile de chamadas dignas de dramaturgia. Nas últimas semanas, uma "notícia" informava que o juiz Sergio Moro era uma reencarnação de Emmanuel, espírito a que Chico Xavier atribuía boa parte de suas obras psicografadas. Outra apontava o magistrado como filiado ao PSDB do Paraná, com direito a foto (falsa) do documento que "provava" o fato. Sobrou até para o Corinthians, que teria entrado em campo com uma faixa escrita #ForçaLula depois da ação da Polícia Federal (a homenagem de fato ocorreu, mas em 2011, quando o ex-presidente foi diagnosticado com câncer).

O que, afinal, leva tanta gente a compartilhar boatos e bobagens nas redes sociais? O que impede boa parte dos usuários de checar se a informação é verídica ou ao menos de suspeitar dela e não passá-la adiante? Parte da explicação é de natureza comportamental. A predileção humana por boatos e lendas vem de eras anteriores à invenção do computador, dos sofistas gregos ao apresentador Nelson Rubens e seu inseparável bordão "Eu aumento, mas não invento". "É uma questão cultural: o brasileiro carece de senso crítico e ponderação nas redes sociais", diz o psicanalista Fernando Savaglia, da Sociedade Paulista de Psicanálise. "E psicológica: o ser humano é pródigo em distorcer, seja para preencher um vazio existencial ou para conseguir gerar um entendimento daquilo que vê." Mas há um elemento tecnológico que colabora com e amplifica o potencial de dano dessa característica humana: o Facebook.
 

Além da arena de batalhas e discussões, a rede social virou a fonte de informação de muita gente. "Cerca de 70 milhões de brasileiros acessam o Facebook todos os dias. Muitos usam prioritariamente a rede social para se informar", afirma a pesquisadora Amanda Jurno, do Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas da Universidade Federal de Minas Gerais. "A rede social faz parte da construção diária da visão de mundo das pessoas. Apesar de não entendermos perfeitamente a lógica da ferramenta, construímos essa visão a partir do que é exibido em nosso perfil."
 Para fazer essa distribuição de conteúdo, o Facebook criou um filtro baseado em um algoritmo – um conjunto de instruções, parte de um software – que rastreia todas as informações que publicamos, curtimos, compartilhamos e comentamos. É um sistema que identifica gostos e afinidades. Quanto mais a pessoa lê sobre política, por exemplo, mais recebe notícias de política. O problema, como ressalta a pesquisadora, é que os usuários não entendem totalmente o funcionamento desse filtro. Assim, não percebem seus efeitos colaterais.

O filtro prioriza conteúdos pelo que chama de relevância. Os critérios principais são as publicações mais curtidas e compartilhadas. O Facebook oferece informações produzidas por terceiros, seja um usuário, um veículo de imprensa ou um blog. Visualmente, não distingue uma reportagem, uma nota de um site humorístico e o texto de um fanático conclamando um golpe militar. Fica a cargo do usuário avaliar a credibilidade do conteúdo.
Outro fator que o filtro leva em consideração é a afinidade: se a rede social identifica que a interação é maior com determinada pessoa, ela priorizará a publicação desse usuário. Há, porém, uma consequência velada na estratégia: "Quando uma bobagem é dita por alguém que costumamos concordar, a chance de acreditarmos é maior e acabamos compartilhando sem checar", diz o pesquisador canadense Gordon Pennycook, da Universidade de Waterloo, autor de um estudo que abordou a recepção e detecção de "bobagens pseudoprofundas" nas redes sociais. "Ao mesmo tempo, a mesma tecnologia que nos permite compartilhar besteiras nos dá a possibilidade de checar fatos políticos", acrescenta.
O Facebook alega que não é possível, do ponto de vista técnico, priorizar um conteúdo verídico. Segundo um porta-voz da empresa, são os próprios membros da rede social que fazem a "curadoria dos conteúdos a partir de quem eles selecionam para seguir na plataforma" e que informações falsas podem ser banidas a partir de denúncias.

A existência do filtro é um assunto complexo e reúne mais de 3 milhões de artigos no Google Acadêmico. Um dos primeiros escritores a discutir suas consequências foi o ativista americano Eli Parisier, autor do livro O filtro invisível (2012). Ele notou que o que era publicado por seus amigos republicanos estava desaparecendo de sua linha do tempo. Parisier tinha o hábito de acessar links compartilhados por democratas. O algoritmo identificou, então, que o usuário consideraria mais importante ler ideias consonantes as suas do que as de adversários políticos. A conclusão de Parisier é que a parcela de leitores (e eleitores) que tornam a rede social seu principal meio de informação corre o risco de ficar aprisionada em bolhas ideológicas. Sofre de estreitamento de visão de mundo, por enxergar cada vez menos os argumentos e opiniões contrários aos seus. Essa dinâmica ainda pode ser aliada à cultura de ódio na internet.

"O debate no Facebook virou um jogo de futebol. É patológico", diz o psicanalista Savaglia. Ele defende que há um aspecto narcisista nessa relação virtual e que a retórica virou mais importante do que os fatos em si, o que empobrece a discussão. "As pessoas ficaram mais intolerantes porque a briga está no tempo de um clique."
Apesar de os debates políticos terem dominado a maioria das contas de Facebook dos brasileiros nos últimos tempos, não é só de Lava Jato e Sergio Moro que vive a boataria nas redes sociais. A lista de notícias falsas é vasta. Uma foto de banhistas argentinos com um filhote de golfinho morto viralizou com títulos no estilo "Filhote de golfinho morre desidratado após excesso de selfie". Apenas depois da comoção geral e de demonstrações de ódio profundo à raça humana, um jornalista decidiu ouvir as pessoas da praia, que afirmaram que o golfinho chegou morto à beira do mar (o que não diminui a esquisitice de alguém tirar um selfie com um golfinho morto).

Ódio e má-fé são elementos que ajudam na distribuição da boataria, mas não são os únicos motivadores. O escritor Daniel Viana, de 31 anos, ficou surpreso ao chegar em casa e ver que um texto dele havia viralizado no Facebook. Na ocasião, o mineiro contou a breve história de um menino, no metrô de São Paulo, que foi reprimido pelo pai por estar sentado como "mulherzinha". Em um protesto silencioso, as pessoas do metrô teriam cruzado as pernas. O texto foi citado em sites e blogs como verídico, mas não passava de uma experimentação literária. Como explica o escritor, o projeto #depoimento foi criado com o intuito de levantar temas tabus com textos fictícios. "Pessoas compartilharam meu texto dizendo que estavam no vagão do metrô e presenciaram a cena que simplesmente não aconteceu", diz Viana.

Pode-se defender o Facebook da seguinte forma: é uma empresa de tecnologia que quer ganhar dinheiro como qualquer outra. Ela oferece uma plataforma de comunicação. Se as pessoas não estão sabendo usar as informações veiculadas, a culpa não é da rede social. A questão é que a empresa se vale do volume de curtidas e de compartilhamentos dos textos – incluindo os que espalham boatos – para faturar com publicidade. Em 2015, foram US$ 18 bilhões. Um filtro que priorize a credibilidade em detrimento da boataria poderia comprometer a audiência e parte dessa receita. Trata-se de uma decisão ética da empresa, com impacto em suas finanças, mas, principalmente, sobre a socieda.

Fonte:  globo.com

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Sobre jaguarverdade

Sou Casado, pai de 3 filhos, apaixonado pela minha família e pela minha querida cidade Jaguaruana... Jaguaruana Verdade, Porque Mentira tem Pernas Curtas!

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