Bois, vacas e bezerros maltratados foram resgatados por um grupo de voluntários em São José (SC)
Cães e gatos abandonados ou maltratados são resgatados com cada vez
mais frequência nas cidades brasileiras. Mas um grupo de voluntários
catarinenses foi além: salvou um rebanho. Graças a eles, bois, vacas e
bezerros puderam escapar da morte duas vezes. Os animais de corte,
vítimas de maus tratos, foram resgatados com respaldo da Justiça. Agora o
desafio dos voluntários é levá-los para um santuário, onde morrerão
naturalmente.
O gado era mantido em condições bastante precárias
pelo criador Paulo César da Rosa em um terreno no bairro Forquilhas, em
São José, na Grande Florianópolis. De acordo com a advogada e ativista
Barbara Hartmann Cardoso, ele visava a lucros sem cuidados. Não dava
água nem comida aos bichos. Para piorar, veio a geada entre junho e
setembro deste ano. Foi o fim do pasto.
A situação era tão grave que os vizinhos, nenhum deles com histórico de
proteção aos animais, denunciaram o crime à polícia ambiental. Há duas
ocorrências, mas nada foi feito. O soldado Santos, do Batalhão de
Polícia Militar Ambiental de Santa Catarina, explicou que "não havia
estrutura para resolver a situação rapidamente".
Paulo César da Rosa não atendeu as doze ligações da reportagem do UOL. Também foram deixadas mensagens no seu celular. Ele não tem advogado.
Vinte vacas morreram até a notícia ir parar na fanpage vegana Resgate
na Rede. No mesmo dia, um grupo de amigos se articulou, conta Georgia
Martins Faust, 34 anos, uma das lideranças da turma de cerca de 15
voluntários que se revezam em variadas tarefas para garantir alívio aos
animais depois de tanto sofrimento.
"Os bois foram perdendo
peso, saúde. Fracos, fraturaram ossos. Ficaram com feridas expostas e,
pouco a pouco, foram devorados vivos por urubus. Um filhote foi
sacrificado pelas aves de rapina logo após o parto. Sua mãe, tão frágil,
não tinha forças para defendê-lo. De outra vaca foram arrancados os
olhos", relata Georgia.
A primeira visita foi no dia 27 de
outubro, ao lado de funcionários da Cidasc (Companhia Integrada de
Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina). Após inspecionar a
insalubridade do terreno, a decisão governamental foi dar um prazo de 30
dias para que o proprietário regulasse a situação. "A dor do rebanho
foi ignorada", disse Georgia.
"Essa decisão nos deixou
revoltados. Então, as duas advogadas do nosso grupo entraram com uma
liminar para que ficássemos com os bois. Eles não podiam esperar", conta
Georgia.
No dia seguinte, em uma postura inédita no Estado, a
Justiça acatou o pedido. E daí fez-se a união inesperada. Os vizinhos -
alguns criadores de animais para o abate, outros adeptos de rodeios,
todos apreciadores de churrasco -, se somaram aos veganos para
resgatarem a boiada. A caçada foi no mato. Peões ajudaram com seus
laços. Ao total, 32 animais foram levados para a fazenda de Adilson
Correa, em Biguaçu (a 11km de Florianópolis). É um lar provisório.
Quatro bichos em estado de penúria não resistiram, apesar do esforço
dos veterinários. Foram os dias finais de Krishna, Panda, Mona e um
bezerro sem nome, que nasceu morto. Seu parto foi feito dentro do
caminhão. Para se despedir, Georgia tatuou a identificação que a vaca
Panda levava na orelha. O registro de propriedade 613695.
Agora, a luta dos ativistas é financeira, já que o trato dos animais
exige muito dinheiro. Cerca de R$ 1 mil reais por dia. É preciso ração,
feno de alfafa, suplementação, vacinas, soro, medicações. Além dos
gastos com viagens na busca por uma morada definitiva.
"Esses
animais vão morrer de velhice. Não serão submetidos a nenhuma
exploração, nem retirada de leite. Os machos serão entregues já
castrados. A condição é que os adotantes sejam vegetarianos. Mas a
avaliação é bem mais criteriosa", explica Georgia.
Uma das opções para os bois é um mosteiro de franciscanos no Espírito Santo. Existem também sete santuários no Brasil. Os 89 porcos do Rodoanel, que ganharam destaque em 2015 por mobilizarem o maior resgate de animais de matadouro do Brasil,
vivem na Terra do Bichos, em São Roque, São Paulo. Já no Vale da
Rainha, em Minas Gerais, vive outro animal resgatado por um dos
voluntários catarinenses. Tiago Ribeiro resgatou o boi Agenor, que seria
torturado no tradicional ritual da Farra do Boi, no litoral
catarinense.
O grande desafio do grupo neste momento é arrecadar
R$50 mil para fretar caminhões e levar os bois para um lugar a salvo.
Há uma campanha online por financiamento que encerra no dia 6 de janeiro.
Até agora 29,69% da meta foi atingida. Mas a campanha é incisiva e
cobra: "onde estão os 18 milhões de vegetarianos do Brasil?"
Aline Torres
Colaboração para o UOL em Florianópolis
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