Há um vitorioso no depoimento prestado ontem pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na ação em que é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro oriundo de contratos entre Petrobras e Odebrecht: o juiz Sérgio Moro. Se o objetivo de Lula era usar a oportunidade como mais um palanque eleitoral para posar de vítima, desta vez falhou. Moro não saiu do tom, agiu como magistrado, enquanto Lula foi agressivo e se excedeu várias vezes.

O conteúdo do depoimento foi o esperado. Lula negou as acusações – “peça de ficção” –, atacou o ex-ministro Antonio Palocci – “calculista, frio e simulador” –, o Ministério Público – “contaram mentira com PowerPoint” – , o Judiciário – “refém da imprensa” –, a Lava Jato – “caça às bruxas” – e questionou se Moro é um “juiz imparcial”.

Moro não acusou o golpe. “Não cabe ao senhor fazer esse tipo de pergunta para mim, mas, de todo modo, sim”, respondeu. Lula redarguiu que, na ação anterior (sobre o triplex no Guarujá), ele não agira com imparcialidade. Apenas confirmou a insinuação de Moro de que “talvez estivesse um pouco rancoroso”.

O rancor de Lula, que transparece a cada frase ou gesto seu, não faz nada bem a seu projeto de candidatura. Ele sabe que, se o Tribunal Federal da 4ª Região confirmar a sentença anterior de Moro, pode ser preso e terá de recorrer a uma liminar se quiser registrar-se como candidato no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Tenta usar as batalhas jurídicas para reforçar seu discurso de vítima. Mas também sofre desgaste, como ontem.

Verdade que ele está em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Seu eleitorado mais fiel embarcou com credulidade no discurso fantasioso que tenta atribuir seus crimes a uma conspiração de juízes, procuradores, partidos rivais, imprensa e delatores interessados em sair da cadeia, como seu novo desafeto Palocci. Setores insatisfeitos com as reformas econômicas do governo Temer ou com o avanço da Operação Lava Jato veem na candidatura Lula um meio para manter privilégios.

Mas nada disso faz dele um candidato com força comparável à que teve no passado. Qualquer adversário seria capaz de desmontar as mentiras de seu discurso numa campanha de segundo turno. Basta confrontar as respostas que ele tem dado a Moro com os fatos apontados nas ações penas a que responde. Lula deixou de ser garantia de vitória ao PT no segundo turno. Ao contrário, tornou-se um embaraço se o partido pretende sobreviver.

Por isso mesmo, embora tudo leve a crer que, em função de seu desempenho nas sondagens, Lula seja o candidato preferido do partido, o PT já prepara seu plano B, em torno do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad. Menos polarizador, Haddad teria o apoio do eleitorado que acredita nas fabulações lulistas e conseguiria, num eventual segundo turno, atrair votos da classe média que passou a rejeitar com fúria o nome de Lula.

O difícil é Haddad passar ao segundo turno. Nas últimas eleições para a prefeitura paulistana, ele mostrou ser ruim de voto. Seu desempenho sofrível, apesar da arrancada surpreendente na última semana da campanha, ficou aquém do patamar histórico dos petistas. Foi vitorioso na Vila Madalena, um bairro de classe alta, mas perdeu nas áreas periféricas, onde o eleitorado pobre costumava ser simpático ao partido.

Lula, ficou claro ontem, está nas cordas. Sua caravana pelas cidades nordestinas tem atraído um público exíguo e, em vez de ser uma apoteose, revelou o grau de rejeição a seu nome, antes ovacionado com unanimidade. Um PT renovado em torno de Haddad representaria uma aposta de risco. Não para 2018, mas talvez 2022. Também parece ser a única saída para um partido em cujas entranhas se instalou uma organização criminosa. Se insistir em Lula, o PT terá escolhido ficar no mesmo lugar que ele: destilando rancor no banco dos réus ou, provavelmente, atrás das grades.