Com as chances cada vez maiores de se ver sem a força da máquina pública pela primeira vez em 14 anos, partido ventila tese golpista de novas eleições, mas não consegue chegar a consenso interno sobre qual rumo seguir
Depois
de quase catorze anos no poder, o PT está prestes a voltar à oposição. E
já dá mostras do que pretende. Com chances cada vez menores de barrar o
processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado, o partido se vê às
voltas com manobras para deslegitimar um eventual governo Michel Temer -
com destaque para o golpe das novas eleições, esta sim uma alternativa
inconstitucional. Num gesto de desespero, membros do partido defendem
uma Proposta de Emenda Constitucional que permitiria antecipar o pleito
de 2018. Ou ainda a dupla renúncia de Dilma e Temer. Duas ideias sem
respaldo na realidade: a legenda que não conseguiu 172 votos para barrar
o impeachment na Câmara não conseguiria os votos de 3/5 dos deputados
necessários à aprovação de uma PEC. Tampouco é factível imaginar que
Temer aceitasse um acordo desse tipo com o PT.
Fustigado pelo escândalo do petrolão, o partido pode desembarcar do
Palácio do Planalto dentro de um mês, conforme o calendário do Senado. O
PT tentará barrar o processo de impeachment com votos de aliados no
Senado e deve provocar o Supremo Tribunal Federal a se manifestar sobre o
mérito das acusações de crime de responsabilidade contra Dilma. Mas há
outras iniciativas em gestação. Desde a última sexta-feira, quando
começou a série de debates na Câmara que culminou nos 367 votos
favoráveis ao afastamento de Dilma, outras teses foram lançadas. Nenhuma
delas pareceu unir o partido. Por iniciativa individual ou coletiva,
parlamentares, representantes do governo, o comando nacional do PT e as
bancadas na Câmara e no Senado adotaram posturas por vezes
contraditórias.
"Está todo mundo meio tonto. Ninguém está tendo muita capacidade de
formulação para esse novo momento. No PT está todo mundo com medo, mas
ninguém acreditando. Se o impeachment passar, vai ser uma pancada, vai
deixar todo mundo tonto", dizia o deputado Zé Geraldo (PA), num momento
de reflexão no salão verde da Câmara.
Conselheiro jurídico do ex-presidente Lula e autor de estratégias
para barrar o impeachment, o deputado Wadih Damous (RJ) abriu a
temporada de propostas esdrúxulas ainda no primeiro dia de debates. Ele
lançou a hipótese da convocação de eleições gerais. Mas sua fala na
sequência já indica o óbvio: nem os petistas acreditam de fato que a
tentativa de golpe do partido vai colar. "O PT vai reaprender a ser
oposição, intransigente e sem dar tréguas", disse. "Vai se tratar de um
governo ilegítimo do PMDB. Eu vou defender dentro do partido eleições
gerais já caso o impeachment aconteça".
Coube ao líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE),
admitir antecipadamente a derrota e ecoar os pensamentos do Palácio do
Planalto. "Não tem nada de eleição geral. O PT é bom de briga nessas
horas". Porém, bastou chegar a noite de terça-feira para oito dos onze
senadores do PT assinarem uma proposta de emenda constitucional (PEC)
apresentada no Senado justamente para viabilizar a realização das
eleições antecipadas.
Nos bastidores da Câmara, alguns dos petistas mais experientes da
bancada e com base eleitoral em São Paulo já não disfarçam a verdadeira
razão por trás da ideia de novas eleições: a tentativa de fazer o
ex-presidente Lula voltar à Presidência da República. A legenda que está
prestes a ser apeada do poder por crime de responsabilidade quer alçar
ao comando do país uma figura na mira da Lava Jato e da Zelotes. Isso
porque o partido avalia que ele ainda é o único com carisma e capaz de
reunir forças de esquerda. Numa clara demonstração de perda de base
social desde que se encastelou no poder, o PT só conseguiu mobilizar
milhares de pessoas para ir às ruas depois que Lula foi conduzido para
depor na Polícia Federal, teve um pedido de prisão entregue à Justiça e
viu seus diálogos privados, muitos pouco republicanos, revelados pelo
juiz Sérgio Moro.
Novo partido - A crise atual também ventilou nas
fileiras do partido a proposta de criação de uma nova legenda. Petistas
disseram que cerca de dez deputados estariam envolvidos nas discussões -
sempre negadas em público. Seria um movimento semelhante à refundação
do PT pregada pela corrente Mensagem ao Partido no auge do escândalo do
mensalão em 2005. O ex-ministro Tarso Genro é um dos expoentes da
corrente, assim como parte da bancada gaúcha na Câmara e do
advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, um dos mais próximos
ministros de Dilma desde o início de seu primeiro mandato.
A direção do PT demorou dois dias para se manifestar de maneira
contundente depois da derrota na Câmara. Primeiro, soltou uma nota
assinada pelo presidente nacional, Rui Falcão, cuja única palavra de
ordem era conclamar "todos homens e mulheres comprometidos com a
democracia para que se mantenham mobilizados, ocupando as ruas contra a
fraude do impeachment". Na terça-feira, depois de ouvir Lula, o
Diretório Nacional publicou uma resolução que reconhece o "cerco" e o
estado "defensivo" do governo Dilma.
Calvário - Ironicamente, o partido que gestou o
mensalão e o petrolão diz no documento que o impeachment é liderado
pelos "chefões da corrupção" e usa uma linguagem policialesca ao se
referir a Temer como um "receptador" de um mandato "surrupiado". Sugere
ainda que Dilma haja como nunca fez antes: reforme seu ministério com
"personalidades de relevo" e priorize pautas da esquerda, como a reforma
agrária, relegada em seu governo. A resolução recorre ao mesmo
terrorismo da campanha de 2014 e acusa o PMDB de planejar "ataques às
conquistas dos trabalhadores, cortes nos programas sociais, privatização
da Petrobras, achatamento dos salários, entrega das riquezas nacionais,
retrocesso nos direitos civis e repressão aos movimentos sociais".
O discurso tem um objetivo claro: agradar a militantes que, pagos ou
por vontade própria, (ainda) vão às ruas em defesa de Dilma e do
partido. A resolução evidencia que o PT buscará em sua via-crúcis de
volta à oposição o apoio do PCdoB, do PSOL , do PDT e do nanico PCO. Um
dos principais articuladores contra o impeachment, o governador do
Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), avaliou como pouco viável uma repactuação
com um governo do PMDB. "Para todos que estão lutando contra o
impeachment, o local correto será na oposição", disse.
Fonte: Veja.com
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