Criada
durante o governo Collor, a Lei Federal de Incentivo à Cultura, que
mais tarde ficaria conhecida pelo nome do Secretário da
Através de
renúncia fiscal, empresas públicas e privadas e pessoas físicas podem
patrocinar projetos culturais e receberem o valor em forma de desconto
no imposto de renda. Ou seja, os cofres públicos deixam de receber parte
daquele dinheiro em troca de um patrocínio cultural, uma forma de
“terceirizar” um repasse de recursos federais.
Para que
uma pessoa ou empresa possa doar, no entanto, o projeto visado precisa
antes ser aprovado pelo Ministério da Cultura (MinC). E é nesse ponto
que as coisas se perdem entre diversos casos estranhos de aprovação de
valores astronômicos para projetos pífios ou de repasses que acabam
sendo uma forma de bancar patrocínio privado com dinheiro público. Ou de
projetos de grande porte que teoricamente não precisariam do auxílio,
aprovados pelo Ministério.
Não por
acaso, no primeiro governo Dilma, 3% das propostas levaram 50% dos
incentivos, um cenário que só contribui para a concentração cultural do
país, enquanto pouco incentiva projetos menores.
Se o atual modelo possui falhas, as alternativas não são lá muito convincentes.
O atual Ministro da Cultura, Juca Ferreira, acredita que a Lei é “o ovo da serpente neoliberal” por
permitir a renúncia fiscal total dos valores destinados à cultura e
defende que esse valor diminua para 80% – algo que desestimularia as
doações, já que outros mecanismos legais permitem renúncias de até 125%
para outros projetos específicos.
Apesar da
solução proposta, o maior problema – as aprovações descabidas –
continua. Não só aprovações, como também reprovações, especialmente por
motivos políticos: em 2014, o MinC recusou um projeto de
um documentário sobre o ex-governador paulista tucano Mário Covas, por
conta do ano eleitoral. Mesmo assim, em 2006, outro ano eleitoral, dois
projetos sobre Leonel Brizola foram aprovados. E o pior: ambos receberam
uma verba milionária de estatais.
Diante de
tantos problemas, listamos aqui 12 casos de aprovações, no mínimo,
bizarras da Lei Rouanet. A lista conta com patrocínios para artistas
renomados, eventos de luxo e até um caso de aprovação sem conhecimento
do artista.
1) O Vilão da República – R$ 1,5 milhão
Produção: Tangerina Entretenimento Ltda
Valor aprovado: R$ 1.526.536,35
Tipo: Filme
Ano: 2013
“O Vilão da República” é um documentário que contará a história e a vida de José Dirceu,
desde sua participação em movimentos guerrilheiros, passando por sua
história pela via partidária até a sua condenação a 10 anos e 10 meses
de cadeia por corrupção, em 2012.
O alto valor aprovado para a captação de recursos pelo Ministério, porém, ficou só no papel: o projeto não recebeu apoio de nenhuma empresa.
2) DVD de MC Guimê – R$ 516 mil
Produção: Maximo Produtora Editora e Gravadora Ltda
Valor aprovado: R$ 516.550,00
Tipo: DVD musical
Ano: 2015
O funkeiro MC Guimê, apesar de faturar, segundo estimativas, R$ 300 mil por mês, foi autorizado a captar R$ 516 mil para
a produção de um DVD, que será gravado durante um show na cidade de São
Paulo. A filmagem será distribuída em 3 mil discos, dos quais 80% serão
vendidos pelo preço de R$ 29. Da apresentação musical, 40% dos
ingressos serão distribuídos gratuitamente, 40% serão vendidos pelo
preço de R$ 50 e o restante será divido entre os patrocinadores e a
população de baixa renda.
3) O Mundo Precisa de Poesia – R$ 1,3 milhão
Produção: Maria Bethânia
Valor aprovado 1.356.858,00
Tipo: Blog
Ano: 2011
Possivelmente
um dos blogs mais caros do mundo, “O Mundo Precisa de Poesia” tinha a
intenção de levar diariamente uma nova poesia, lida em vídeo, por Maria
Bethânia durante um ano. Para a execução desse projeto, o Ministério da
Cultura aprovou a captação de até R$ 1,35 milhão em verbas através da Lei Rouanet, mas após as críticas, a cantora desistiu da produção.
4) Turnê Luan Santana: Nosso Tempo é Hoje Parte II – R$ 4,1 milhões
Produção: L S Music Produções Artísticas Ltda (Luan Santana)
Valor aprovado: R$ 4.143.325,00
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2014
Apesar da
Lei Rouanet ter sido criada com o intuito de auxiliar artistas menores
com pouca visibilidade, na prática as coisas funcionam um pouco
diferente.
Em 2014, o Ministério da Cultura aprovou um incentivo de 4,1 milhões para
a realização de uma turnê de Luan Santana em diversas cidades do país,
dos 4,6 milhões solicitados pela equipe do cantor. Entre as
justificativas para aprovação, o Ministério alegou “democratizar a
cultura” e “difundir raiz sertaneja pela música romântica”.
5) Turnê Detonautas – R$ 1 milhão
Produção: Detonautas Roque Clube
Valor aprovado: R$ 1.086.214,40
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2013
Assim como
Luan Santana, o grupo Detonautas Roque Clube, liderado por Tico Santa
Cruz, é outro artista famoso na lista. A aprovação do Ministério da
Cultura foi para a captação de 1 milhão de reais em recursos, para a realização de uma turnê em 25 cidades do país.
Em meio a
polêmicas por conta do valor destinado a uma banda reconhecida
nacionalmente, o projeto não chegou a captar nenhum valor de fato.
6) Shows Cláudia Leitte – R$ 5,8 milhões
Produção: Produtora Ciel LTDA
Valor aprovado: R$ 5.883.100,00
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2013
Outro
famoso autorizado a captar recursos pelo Mecenato do Ministério da
Cultura, Cláudia Leitte foi aprovada para captar quase R$ 6 milhões pelo
programa para a realização de 12 shows em cidades das regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste em 2013. Em meio a críticas, a cantora acabou
recebendo “somente” 1,2 milhão de reais em apoio.
E os escândalos em torno desse projeto não assustam só pelos valores: segundo o jornal O Dia relatou
na época, a produtora Ciel possuía diversas dívidas, assim como outras
empresas da cantora, que teria montado um esquema com diversos CNPJs
para conseguir a aprovação do MinC para a captação de verbas.
7) Filme Brizola, Tempos de Luta e exposição Um brasileiro chamado Brizola – R$ 1,9 milhão
Produção: Extensão Comunicação e Marketing Ltda
Valor aprovado: R$ 1.886.800,38
Tipo: Exposição e Filme
Ano: 2006
Ao mesmo
tempo que negou o patrocínio ao filme sobre Mário Covas, citado no
início do texto, por motivos de proximidade das eleições, o Ministério
da Cultura aprovou, em 2006, ano de eleição, dois projetos sobre a vida
de Leonel Brizola, histórico militante do PTB, conduzidos pela Extensão
Comunicação e Marketing, que somam 1,88 milhão de reais.
Desse
valor, “somente” R$ 1.052.100 foram efetivamente captados. Entre as
empresas que apoiaram financeiramente o projeto estão as estatais
Petrobras (R$ 592 mil), Eletrobras (R$ 300 mil) e CEEE (R$ 50 mil).
8) Peppa Pig – R$ 1,7 milhão
Produção: Exim Character Licenciamento e Marketing Ltda
Valor aprovado: R$ 1.772.320,00
Tipo: Teatro infantil
Ano: 2014
Até mesmo a
porquinha britânica está na lista dos aprovados para captar recursos da
lei. Mesmo sendo personagem de um dos desenhos mais famosos da TV por
assinatura, o espetáculo “Peppa Pig” foi autorizado pelo Ministério da
Cultura a captar quase 1,8 milhão de reais em
recursos. E não pense que é uma obra de caridade: segundo a ficha
apresentada pelos produtores, apenas 10% dos ingressos serão
distribuídos gratuitamente.
9) Concertos aprovados sem o conhecimento do maestro João Carlos Martins: R$ 25 milhões
Produção: Rannavi Projeto e Marketing Cultural
Valor aprovado: R$ 25.319.712,98
Tipo: Concerto musical
Ano: 2013
Já pensou
ser aprovado para receber mais de 25 milhões de reais sem precisar mover
um dedo para isso? Foi o que aconteceu com o maestro João Carlos
Martins, em 2013.
Em
novembro daquele ano, dois projetos envolvendo o músico foram aprovados
para captarem um valor total de R$ 25,3 milhões pelo Ministério da
Cultura. A Folha de São Paulo percebeu
a aprovação e entrou em contato com o músico para saber maiores
detalhes das apresentações. Foi só então que maestro descobriu que tinha
sido aprovado para uma captação de recursos através da Lei Rouanet, a
qual ele não havia solicitado.
Diante da situação embaraçosa, o maestro solicitou o cancelamento da captação de recursos junto ao órgão. Mais tarde, investigações mostraram que
a empresa solicitante, Rannavi Projeto e Marketing Cultural, havia
feito o pedido sem o consentimento do maestro. A empresa também possuía
dados duvidosos e não havia repassado documentos que comprovassem a sua
relação com os projetos do maestro e com outros dois projetos
solicitados ao MinC.
10) Painel Artístico Club A São Paulo – R$ 5,7 milhões
Produção: ZKT Restaurante, Bar, Teatro, Buffet e Eventos Ltda (Club A)
Valor aprovado: R$ 5.714.399,96
Tipo: Música “Popular”
Ano: 2013
Outra bizarrice aprovada em 2013 pelo Ministério da Cultura, conforme noticia a Veja SP:
5,7 milhões de reais para a realização de “um painel artístico de
difusão cultural nos segmentos da música, dança e artes cênicas” no Club
A, em São Paulo. O clube da elite paulistana, que tem como ex-sócio
Amaury Jr., faria uma lista com pessoas selecionadas para participar do
evento. Quem não tivesse o nome na lista precisaria pagar R$ 160 para
entrar.
Ironicamente,
o projeto caríssimo e requintado da casa foi aprovado no segmento
“Música Popular” para captar até 5,7 milhões de reais para a realização
do painel, mas nenhum valor foi de fato captado pelos organizadores.
11) Shrek, O Musical e Turnê – R$ 17,8 milhões
Produção: Kabuki Produções Artísticas Ltda
Valor aprovado: R$ 17.878.740,00
Tipo: Teatro
Ano: 2011 e 2012
A produção
acima custou R$ 11,3 milhões – a captação de recursos não atingiu o
limite aprovado. Se a foto já deixa algumas dúvidas sobre a recepção da
peça pelo público, a crítica especializada confirma algumas
expectativas: o espetáculo recebeu a nota mínima, 1 de 5, na Veja SP.
E, apesar do aporte multimilionário, os ingressos para a peça do ogro não saíram de graça, chegando a custar R$ 180 por pessoa.
12) Cirque Du Soleil – R$ 9,4 milhões
Produção: T4F Entretenimento S.A
Valor aprovado: R$ 9.400.450,00
Tipo: Teatro
Ano: 2005
Durante sua passagem pelo Brasil em 2005, o canadense Cirque Du Soleil, maior produtor teatral do mundo, foi aprovado para captar até R$ 9,4 milhões em
recursos através da Rouanet. O valor foi quase totalmente captado e
recebeu aporte de empresas como Bradesco e Gol, que depois puderam
solicitar o valor como desconto no pagamento de impostos, segundo o
funcionamento da Lei.
O
problema: estas empresas também fizeram marketing e colocaram sua marca
nos kits de divulgação do evento e em algumas partes do espetáculo. O
valor aprovado pelo MinC também é questionável quando levado em conta o
preço dos ingressos, que chegavam a custar mais que o salário-mínimo da
época.
No final, o
seu dinheiro foi indiretamente utilizado para financiar um patrocínio
privado e um dos espetáculos circenses mais caros do mundo. Que você
também teria que pagar, caso quisesse assistir.
Fonte: http://spotniks.com
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