No limite da insanidade, parlamentares perpetraram na semana
passada uma das maiores aberrações de que se tem notícia dentro da que
outrora foi conhecida como a “Casa do Povo”. Numa reversão de papéis
inaceitável decidiram por contra própria que não mais representam
aqueles que os elegeram. Estão ali tão somente para cuidarem dos
próprios interesses. É o que se pode concluir depois da votação na
calada da madrugada que desfigurou e, por tabela, sepultou o escopo do
projeto anticorrupção – uma iniciativa popular, concebida e apoiada por
mais de dois milhões de brasileiros. Afrontados, os cidadãos promoveram
panelaços, gritaram contra a traição, ficaram estupefatos diante do
caradurismo dos senhores deputados que aproveitaram a proposta e a
converteram, sem a menor cerimônia, num arremedo de repressão
fascistóide contra a Justiça. Brasília parece viver mesmo de costas para
o Brasil. Absoluta temeridade! Das dez medidas, ficaram de pé apenas
quatro. Duas parcialmente. Em suma: foi tudo para a latrina do lixo. Os
parlamentares fizeram picadinho de artigos que atacavam o enriquecimento
ilícito de servidores públicos e condenavam corruptos impunes. Ao mesmo
tempo, trataram de colocar um cabresto nas ações de promotores e
juízes, tipificando como crime o que consideram abuso de autoridade. Na
prática, reduziram a autonomia dos guardiões da Carta Magna. Viraram de
ponta-cabeça a agenda levantada pela sociedade e sinalizaram que vão
fazer de tudo para escapar das mãos do Ministério Público e dos
magistrados. Afrontosa maracutaia. Não se pode esquecer jamais que essa
turma enxerga eleitores como mera massa de manobra para suas ambições
escusas e pessoais. Talvez daí a prepotência com que impõem suas
vontades. Senhores desavergonhados, legislam de olho no umbigo, votam de
acordo com o que lhes convêm (exclusivamente) e agem tal qual a raposa
que vai cuidar do galinheiro e depena tudo. Qualquer brasileiro, se
consultado, dirá que já desconfiava, há tempos, das motivações rasteiras
e do impulso, digamos, autoprotetor dos políticos (que se sobrepõe a
qualquer sentimento altruísta). Mas dessa vez eles foram longe demais.
Extrapolaram princípios elementares de dignidade e enxovalharam o que
restava de reputação. Fizeram isso, em boa parte, por vingança, uma
vendetta contra procuradores e agentes da lei que estão em seu encalço
por conta da operação Lava-Jato. Ficou dessa forma sacramentada a real
intenção por trás de tudo. Naquele recinto do plenário, noite adentro,
foi tramado um ardil, um deboche às investigações em curso. Pelos
corredores e na plenária ouviram-se durante a votação gargalhadas e
galhofas lançadas contra aqueles que protestavam. “Não estou preocupado
se vão me esculhambar”, disse o deputado Givaldo Carimbão (PHS). O
colega Benedito de Lira (PP), zombou das pressões. “Vocês não têm o que
fazer?”. Nesse clima transcorreu a sessão da vergonha, uma página
sombria da democracia. Ato contínuo, o Senado (que se imagina um fórum
mais qualificado) quis repetir a dose. O presidente Renan Calheiros foi
às raias do impensável e numa tentativa tosca – traindo o desespero de
ser pego por um dos 12 processos pelos quais responde – buscou votar a
toque de caixa, em regime de urgência que nem havia sido pedido, o
relatório transfigurado que saíra, fazia poucas horas, da Câmara. Queria
dar como fato consumado o insulto ao interesse da maioria da Nação. É
de se perguntar: Em que País estamos? Esses nobres legisladores não
aprenderam nada com as recentes e firmes demonstrações de repúdio da
opinião pública a práticas não republicanas? Estão testando a paciência
nacional, no limite da irresponsabilidade, e a panela de pressão ameaça
explodir a qualquer momento. Não se aceita mais o tipo de política de
compadrio e fisiológica que eles exerceram até aqui. Ao brincarem com a
democracia, com a força dos eleitores, serão, decerto, os maiores
perdedores lá adiante. Ou mudam ou o País muda eles.
Por Carlos José Marques: Revista Isto é
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