Edmar Barros/Futura Press/Estadão Conteúdo
Mulher de detento do Compaj, em Manaus, chora após rebelião que matou 56 presos
O PCC (Primeiro Comando da Capital) está em campanha pela hegemonia no
crime organizado. Segundo o MP-SP (Ministério Público de São Paulo), a
facção paulista rompeu acordos de paz com outras organizações criminosas
e lançou no segundo semestre do ano passado uma ofensiva pelo controle
de presídios, tráfico de drogas e armas no Brasil. A ação estaria
relacionada a motins, assassinatos e transferências de presos em pelo menos 15 Estados.
Desde o rompimento do PCC com o CV (Comando Vermelho) e outras facções,
já foram afetados Amazonas, Roraima, Rondônia, Acre, Pará, Mato Grosso
do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do
Norte, Ceará, Paraíba, Rio de Janeiro e São Paulo. O levantamento foi
realizado pelo UOL com base em dados fornecidos por governos e sindicatos de agentes penitenciários.
Roraima, por exemplo, sofreu com duas rebeliões relacionadas a ações do PCC em presídios do Estado. A última ocorreu na sexta-feira (6), na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), e matou 31 detentos, embora o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, tenha creditado o motivo a um "acerto de contas" entre internos. Na mesma cadeia, dez presos foram assassinados em outubro. Neste sábado (7), mais dois corpos foram encontrados. Eles estavam enterrados na cozinha.
A disputa entre o PCC e a FDN (Família do Norte), facção aliada ao CV, também teria motivado o motim que matou 56 internos no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus (AM), na semana passada.
Para o promotor do MP-SP Lincoln Gakiya, que há anos investiga o PCC,
essas rebeliões são capítulos de uma guerra que está apenas no início.
"O PCC rompeu acordos que tinha com outras quadrilhas para uma
convivência pacífica em presídios e no tráfico de armas e drogas. Desde
então, já aconteceram conflitos em vários Estados e a violência pode
crescer."
Na região
Nordeste, por outro lado, o PCC está presente de forma maciça, mas como
fornecedor de drogas e armas para quadrilhas locais na maioria dos Estados.
Separação antes de rebeliões
Antes das rebeliões em presídios do Norte, a disputa entre PCC e outras
facções já havia causado transtornos em outros Estados do país. De
acordo com João Batista, presidente do Sindspen-MT (Sindicato dos
Servidores Penitenciários de Mato Grosso), ainda em agosto, detentos
ligados à organização paulista e ao CV tiveram que ser separados para
evitar conflitos.
"Presos ligados ao PCC e ao CV sempre
dividiram celas e conviviam normalmente nos pátios de presídios daqui e
de outros Estados", afirmou Batista, em entrevista ao UOL. "Depois que eles romperam, todos os presos foram separados. Mesmo assim, houve casos de violência."
Em novembro, um preso supostamente ligado ao CV foi esquartejado dentro
de uma cela na Penitenciária Major Zuzi Alves da Silva, em Água Boa
(MT), que seria dominada pelo PCC. A Sejudh (Secretaria Estadual de
Justiça e Direitos Humanos) informou que existe "um possível conflito
entre PCC e CV nas Unidades Prisionais de Mato Grosso".
No Mato
Grosso do Sul, onde a disputa entre CV e PCC também é intensa, duas
rebeliões foram registradas causando a morte de três presos. A Agepen
(Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) declarou
que monitora a disputa entre facções em presídios do Estado.
Transferências por segurança no RJ e em SP
Em São Paulo, segundo o promotor Gakiya, o PCC é a facção criminosa
predominante em presídios. Ele disse que os poucos integrantes do CV que
estavam em presídios paulistas foram transferidos assim que a ruptura
entre as quadrilhas carioca e de São Paulo foi constatada.
No
Rio de Janeiro, também foram realizadas transferências em outubro,
depois que o CV rompeu com o PCC. A Seap (Secretaria Estadual de
Administração Penitenciária) informou que tomou medidas necessárias para
resguardar os detentos, mas não quis dar mais detalhes sobre as
transferências por segurança.
Ministro minimiza conflito
O ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, minimizou o
peso da briga entre facções na rebelião em Manaus no dia seguinte ao
motim. Segundo ele, o massacre tem várias explicações.
"Isso tem
uma questão muito mais profunda, que é a entrada de armas nas
penitenciárias, em virtude da corrupção, e a possibilidade de presos
perigosos ficarem submetendo, independentemente de facções, outros
presos", disse o ministro. "Dos 56 mortos, menos da metade tinha ligação
com alguma facção ou organização criminosa."
Já na sexta-feira,
o ministro afirmou que o governo passará a monitorar com mais atenção a
situação dos presídios brasileiros, já que, dentro das unidades, também
há ação do crime organizado.
CONFIRA A SITUAÇÃO EM CADA ESTADO:
Amazonas
O Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), em Manaus, foi o local
da maior matança de presos desde o massacre do Carandiru, em 1992.
Segundo o governo do Amazonas, 56 pessoas morreram. Segundo o secretário
de Segurança Pública do Estado, Sérgio Fontes, as mortes estão
relacionadas a uma guerra entre facções rivais pelo controle de tráfico
de entorpecentes em Manaus. A FDN teria atacado membros do PCC. O fato
seria uma retaliação aos ataques realizados em outubro contra membros da
FDN presos em Roraima, Rondônia e Acre.
Roraima
Trinta e um presos morreram na sexta-feira numa rebelião na
Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista. Segundo o
secretário estadual de Justiça, Uziel de Castro, os detentos mortos
foram atacados por presos ligados ao PCC. Já o ministro da Justiça,
Alexandre de Moraes, disse que foi um "acerto interno" de contas. Em
outubro, dez presos haviam morrido numa rebelião no mesmo presídio. Na
época, Uziel de Castro relacionou as mortes a um conflito entre o PCC e
CV.
Rondônia
Em 17 de outubro de 2016, mesmo dia da
rebelião em Boa Vista, também foi registrada uma rebelião na
Penitenciária Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho. Oito detentos
morreram. Para o secretário de Segurança de Roraima, as duas rebeliões
foram coordenadas.
Acre
Dois dias após as rebeliões em
Rondônia e Roraima, o conflito entre facções motivou um novo motim na
região Norte do país, desta vez no presídio Francisco de Oliveira Conde,
em Rio Branco. Quatro detentos foram mortos. Na época, o governo do
Acre informou que o confronto teria sido motivado por uma ordem nacional
do PCC para ataque a organizações rivais.
Pará
Dois presos foram assassinados em dois presídios do Pará em dezembro:
um foi morto a golpe de facas artesanais em Santarém (PA) e outro foi
decapitado em Cucurunã (PA). Para o agente penitenciário e o presidente
do Sepub (Sindicato dos Servidores Públicos e Civis do Estado do Pará),
Ezequiel Sarges Cavaleiro, as mortes têm relação com a disputa entre o
PCC e facções ligadas ao CV. A Susipe (Superintendência do Sistema
Penitenciário do Pará) nega. Informou também que monitora e separa
presos para resguardar a segurança deles.
Mato Grosso do Sul
O Mato Grosso do Sul registrou duas rebeliões de presos em dois
presídios diferentes desde agosto do ano passado. Detentos rebelaram-se
na Penitenciária de Segurança Máxima de Naviraí. Dois morreram. Já em
dezembro, um motim aconteceu na Penitenciária de Segurança Máxima de
Campo Grande. Um detento morreu. Para o Sinsap (Sindicato dos Servidores
da Administração Penitenciária de Mato Grosso do Sul), os fatos estão
relacionados à disputa por poder entre o PCC e o CV no Mato Grosso do
Sul. A Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema
Penitenciário) declarou que monitora a disputa entre facções em
presídios sul-mato-grossenses com o cuidado que o tema requer.
Mato Grosso
O Sinpen-MT (Sindicato dos Profissionais de Enfermagem de Mato Grosso)
informou que a guerra entre o PCC e o CV também já teve repercussões em
presídios do Estado. Em novembro, um preso supostamente ligado ao CV foi
esquartejado dentro de uma cela na Penitenciária Major Zuzi Alves da
Silva, em Água Boa (MT), que seria dominada pelo PCC. Na cadeia pública
de Barra do Garças (MT), os próprios detentos solicitaram a separação de
presos de acordo com sua facção. Procurada, a Sejudh (Secretaria
Estadual de Justiça e Direitos Humanos) informou que existe "um possível
conflito entre PCC e CV nas Unidades Prisionais de Mato Grosso". Disse
que monitora ameaças.
Ceará
Em setembro, a morte de
dois presos na cadeia pública de Jaguaruana (CE) teria ocorrido a mando
do PCC. O governo do Estado não reconhece oficialmente a participação de
organizações criminosas nesses exemplos, mas a Sejus (Secretaria de
Justiça e Cidadania) atua para para identificar lideranças e
encaminhá-las para presídios federais. Fora dos presídios, o fim de um
pacto de paz entre PCC e CV teria provocado novos casos de violência em
regiões de Fortaleza até então "pacificadas" justamente devido ao acordo
entre os dois grupos.
Rio Grande do Norte
A ofensiva
do PCC em outros Estados do país levou a maior quadrilha potiguar, o
Sindicato RN, a se aliar ao CV e a facções menores, compondo uma espécie
de "cooperativa do crime". Autoridades estimam que esse grupo de
resistência já tenha ao menos mil integrantes. A reportagem do UOL
solicitou ao governo do Estado que comentasse a disputa pelo poder
entre criminosos em seu território. Não teve resposta aos pedidos até o
momento.
Paraíba
A Seap-PB (Secretaria de
Administração Penitenciária da Paraíba) informou que reconhece a atuação
de facções locais dentro e fora dos presídios. Os grupos locais Okaida
(ou Al Qaeda) e Estados Unidos são rivais. A Okaida também rivaliza com o
PCC no Estado. Na quarta-feira (4), dois presos morreram em uma briga
na penitenciária Romero da Nóbrega, na cidade de Patos (300 km de João
Pessoa), e uma arma de fogo foi apreendida. O caso é considerado pontual
pela Seap-PB e resultado de um acerto de contas por causa de dívidas
com o tráfico de drogas.
Santa Catarina
Santa Catarina
é palco de uma longa disputa entre facções perigosas pelo controle do
tráfico de armas e drogas. No Estado, o PGC (Primeiro Grupo Catarinense)
trava uma batalha contra incursões do PCC em seu território há pelo
menos cinco anos. Uma série de atentados registrados em cidades
catarinense em 2012, 2013, 2014 e 2015 seria resultado da disputa entre
as facções. Na semana passada, um dos líderes do PGC, Sebastião Carvalho
Walter, foi atacado na Penitenciária de São Pedro de Alcântara.
Procurada para comentar o caso, a Secretaria de Justiça e Cidadania não
respondeu à reportagem. A Secretaria de Segurança de Santa Catarina
informou que monitora o confronto entre as facções e disse que a
situação no Estado está sob controle.
Paraná
A Sesp
(Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária do
Paraná) informou que realizou diversas transferências de presos para
prevenir conflitos e agressões entre presos ligados ao PCC e ao CV no
Estado. Segundo o órgão, foram apreendidas mensagens entre integrantes
do PCC determinando o ataque a rivais da quadrilha em presídios
paranaenses.
Minas Gerais
Uma rebelião ocorrida no Presídio de Itajubá (MG) em outubro do ano
passado foi relacionada aos recentes conflitos entre PCC e CV, segundo o
presidente do Sindasp-MG (Sindicato dos Agentes de Segurança
Penitenciária do Estado de Minas Gerais), Adeilton Souza Rocha. Segundo
ele, detentos ligados à organização paulista fizeram dois agentes
penitenciários reféns e exigiram que presos do CV, que estavam em outra
ala, fossem entregues para que servidores os fossem libertados. Após
cerca 20 horas de negociações, o motim foi encerrado sem que os membros
do CV fossem levados aos integrantes do PCC. Mesmo assim, a tensão entre
as facções permanece no Estado, disse o presidente do Sindasp-MG.
Em nota, a Seap (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária)
diz que tem acompanhado as unidades e, junto com as forças de segurança
do Estado, "está apta a fazer frente a qualquer demanda do sistema
prisional".
Rio de Janeiro
Estado de origem do CV, o
Rio de Janeiro registrou em outubro os primeiros problemas causados pela
disputa entre a facção criminosa e o PCC em presídios do Estado.
Naquele mês, dezenas de presos que seriam ligados à organização paulista
teriam sido transferidos para outros presídios para que confrontos
fossem evitados. A Seap (Secretaria Estadual de Administração
Penitenciária) informou que tomou medidas necessárias para resguardar os
detentos, mas não quis dar mais detalhes sobre as transferências por
questões de segurança. A segurança dos presídios do Rio está em alerta.
Investigações do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e da
Polícia Civil do Estado já constataram que o PCC assumiu o controle do
tráfico de drogas de algumas favelas cariocas, entras elas a da Rocinha,
considerada o entreposto mais lucrativo do comércio ilegal de
entorpecentes.
São Paulo
Berço do PCC, o Estado de São
Paulo precisou separar membros da facção criminosa de integrantes do CV
a partir de agosto do ano passado. Naquele mês, investigações do MP-SP
(Ministério Público de São Paulo) e da Polícia Civil do Estado constaram
que a organização paulista havia declarado guerra à facção de origem
carioca. De acordo com o promotor Lincoln Gakiya, que há anos investiga o
PCC, não foram registrados confrontos no sistema penitenciário paulista
justamente porque as transferências foram realizadas a tempo. Ele
afirmou que o PCC está hoje numa campanha pela hegemonia no crime
organizado.
Gabriela Fujita e Vinicius Konchinski
Do UOL, em São Paulo e no Rio
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