O empresário Everardo Telles: ele ainda manda muito na Ypióca
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A gigante de bebidas Diageo pagou quase 1 bilhão de reais para comprar a marca de cachaça Ypióca. Dois anos depois, ainda tenta diminuir o poder do ex-proprietário da empresa
O empresário cearense Everardo Telles deve sua fortuna —
que supera facilmente o bilhão de reais — à cachaça. No longínquo ano de
1846, seu bisavô fundou a destilaria Ypióca em Maranguape, no sertão do
Ceará. Ao longo das décadas, os Telles se sucederam no comando e conseguiram a
proeza de aliar volumes imensos de produção a qualidade e preço
superiores aos concorrentes. Foi até certo ponto natural que, há dois
anos, a multinacional britânica Diageo, maior fabricante de destilados do mundo e dona de marcas como Johnnie Walker e Smirnoff, tenha feito uma proposta para comprar a Ypióca. Eram tempos em que os acionistas de
multinacionais de consumo exigiam uma presença maior em mercados
emergentes.
Comprar a Ypióca significaria dobrar, de uma só vez, de
tamanho no Brasil. Quando a Diageo colocou um cheque de 900 milhões de
reais à frente de Everardo Telles, não houve como recusar. Para o
empresário de 71 anos, foi sem dúvida o negócio de sua vida. Já para a
Diageo. O anúncio da compra da Ypióca foi carregado daquela euforia típica. O
Brasil era um mercado “atraente”, que crescia “rapidamente” e, com a
Ypióca, a empresa estaria pronta para dar um salto no país. Mas não
demorou para que, passada a euforia — pense num inglês que acaba de
tomar cinco caipirinhas —, crescesse a suspeita de que a Diageo
exagerara na dose. O tal mercado que crescia diminuiu, e a cúpula responsável pela compra
foi substituída.
O cerne do problema é o próprio Telles — que vendeu,
mas ainda manda muito em sua ex-empresa. O contrato entre ele e a Diageo
deixou nas mãos de Telles uma variável crucial para o sucesso do
negócio — o preço da matéria-prima. Das três fábricas da Ypióca no Ceará, só uma, junto com a fazenda próxima que produz cana-de-açúcar,
foi vendida à Diageo. Telles manteve duas destilarias que produziam 50%
da aguardente usada pela Ypióca como base para suas diferentes
cachaças. Ele também é dono das fazendas de cana que abastecem as duas
fábricas. Para complicar um pouco mais as coisas, a Diageo topou que Telles
decida a que preço vai fornecer. Ou seja, ele cobra quanto quer. A
Diageo pode até comprar de outros fornecedores. Mas os grandes
produtores estão muito distantes da fábrica, e comprar cana deles é
impraticável, já que o produto estragaria no caminho.
A Diageo logo percebeu que estava nas mãos do antigo dono da empresa
comprada por eles. Procurado, Telles não deu entrevista. O diretor de
suprimentos da Diageo, Marcelo Pimenta, diz que o contrato de
fornecimento está “dentro dos padrões globais” da empresa. O primeiro embate aconteceu três meses depois do anúncio da aquisição,
quando Telles colheria a primeira safra de cana. Surpresos com o preço
pedido por Telles pelo litro de aguardente (mais de 2 reais por litro,
quando a média do custo na região é 1 real), os diretores se apavoraram.
Só então procuraram fornecedores alternativos, mas os únicos com
capacidade suficiente ficavam em Pernambuco, a mais de 500 quilômetros
da fábrica, o que resultaria num frete superior a 1 real por litro,
inviabilizando a compra. A Diageo acabou comprando de Telles. Desde
então, vem conduzindo uma estratégia para depender menos dele. Como o empresário convenceu os britânicos a aceitar essa condição?
Representantes da Diageo nas negociações lembram que a irredutibilidade
de Telles nas reuniões semanais que ocorriam em Fortaleza os levava ao
desespero. Em determinado momento, desapareceu por duas semanas.
Logo foi espalhado o boato de que Telles estava em conversas com a
sul-africana Distell, uma das grandes rivais da Diageo. A seu favor,
Telles tinha a estratégia do então presidente da Diageo, Paul Walsh,
que pressionava por grandes aquisições nos mercados emergentes para
compensar a pasmaceira nos países desenvolvidos. Além da Ypióca, investiu em outras duas empresas que produziam bebidas
locais: a chinesa Sichuan Shuijingfang e a turca Mey Icky. No último
balanço, a Diageo registrou uma perda de 150 milhões de dólares no
investimento na China.
Jogo duro
O jogo duro de Telles e a avidez da Diageo resultaram num negócio que,
mesmo para os padrões eufóricos da época, parecia ter custado caro
demais aos ingleses. O preço de 900 milhões de reais da Ypióca
correspondia a 18 vezes a geração de caixa da empresa, a maior da
história do setor no Brasil. Em 2011, a japonesa Kirin pagara um múltiplo de 16 vezes pela cervejaria Schincariol. A própria Diageo, por exemplo, vale em bolsa o equivalente a 12 vezes sua geração de caixa. O mercado não se comportou como a Diageo esperava. A venda de cachaça
no país vem caindo desde 2011 — o faturamento e o volume de vendas
encolheram. No primeiro ano após a aquisição, as vendas da Ypióca
ficaram estagnadas.
A Diageo enfrentou problemas inicialmente ao definir uma estratégia
para trazer para o Sudeste a Ypióca, até então uma marca com forte
sotaque regional. A Ypióca sempre custou mais do que o dobro de marcas
populares, como 51 e Velho Barreiro, e a Diageo tentou reduzir os
preços, mas a tentativa de concorrer com as marcas populares não deu
certo. “Foram testes feitos logo no início”, diz Grazielle Parenti, diretora
de relações institucionais da Diageo. No segundo ano após a aquisição,
já sob a presidência da espanhola Olga Martinez, a Ypióca voltou a
crescer. Com a estratégia definida de marca premium, aumentos de preço e
esforço nas exportações, as vendas subiram.
Segundo dados do balanço da Diageo, o volume aumentou 7% na comparação
com 2012, e a receita contabilizada em libras, 20%. De acordo com a
Euromonitor, a Ypióca ganhou meio ponto percentual de participação de
mercado em dois anos, chegando a 7,3% em 2013. A empresa está tentando compensar a estagnação do mercado local aumentando as exportações:
no primeiro semestre começou a levar a Ypióca para um novo mercado, o
Reino Unido (já exportava para Estados Unidos, França e Espanha).
Todos os altos executivos envolvidos diretamente na compra da Ypióca
deixaram a Diageo. Walsh e o ex-presidente para a América Latina Randy
Millan se aposentaram. O presidente no Brasil, Otto von Sothen, saiu
depois de seis meses e hoje preside a fabricante de tubos Tigre (ele
afirma ter deixado a empresa para tocar negócios pessoais). A estrutura de cargos criada na Ypióca logo após a aquisição foi
extinta e, desde o fim do ano passado, 40 executivos foram demitidos. Só
permaneceram um diretor de operações e um comercial, responsável por
todos os produtos da Diageo no Nordeste.
Olga Martinez está, agora,
tentando diminuir o poder de Everardo Telles. O grupo dobrou a capacidade da destilaria adquirida e começou a comprar
cana diretamente de pequenos produtores no Ceará. O diretor de
suprimentos, Marcelo Pimenta, diz que está comprando de 130 produtores
próximos. Mas a dependência do fornecimento do ex-dono da Ypióca ainda é grande.
Oficialmente, a Diageo diz ter uma “excelente relação” com o empresário.
Em 2017, Everardo Telles estará liberado para competir com a Diageo no
mercado de cachaça.
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